Ensinar a Defender – Lição III

Como ensinar a defender 

Representar e ilustrar o passado, as ações do homem são tarefas tanto de historiador como do romancista. (Henry James)

Poderíamos dizer que o bom treinador deve ter “um olho no jogo e outro no treino”. Canhota Canadense atacandoPara facilitar os nossos leitores e produzir um encadeamento sobre o tema DEFESA republico o artigo Lições do Mundial da Itália e peço que o considerem o primeiro da série. Com certeza a ele se deve a sequência dos demais postados recentemente. Vejam alguns destaques que justificam a necessidade de os treinadores, a partir da Formação, se esmerarem ou talvez até aprenderem como realizar treinamentos consistentes de DEFESA. Até então, repetem o velho chavão desde a década de 60: “o defesa-centro (VI) recua e os alas (II e V) avançam.”! 

Percebam algumas considerações extraídas de jogos que embasam tal necessidade:  

  • Na última Olimpíada, o Brasil teve dificuldades insuperáveis para anular os ataques de saída de rede (II) do gigante russo Dmitriy Muserskiy, principal responsável pelo triunfo ao fazer 31 pontos, quatro a mais do que o brasileiro Wallace. Depois de estar perdendo por 2×0, o técnico russo alterou a posição do jogador que, de meio de rede (III) passou a oposto (como Wallace), executando praticamente todos os ataques em II.  
  • Na partida entre RJX e Vivo/Minas, dia 23 p.p., pela Superliga masculina, ganha pelos cariocas por 3 sets a 2, observou-se que as equipes a partir do 4º set passaram a construir seus ataques quase que exclusivamente dirigidos aos seus opostos (em II). Pelo lado do RJX, com o estreante Da Silva e, pela equipe minatenista, com Filip, o maior pontuador do jogo com 26 pontos. O fato deveria despertar a atenção dos treinadores para a necessidade de treinamento de bloqueios na saída de rede, além da competência para defesa. Como aconselhavam desde priscas eras nossos pioneiros do voleibol: dá pra quem está rodando
  • E não foi por acaso que Jorge (Jorginho) Bettencourt, técnico do Botafogo na segunda metade dos anos 1960, insistia com seus pupilos nos ataques de saída de rede (II) com bolas altas, enquanto seus principais adversários se esmeravam em copiar as recentes inovações japonesas de jogo fintado. O Botafogo foi campeão carioca durante 11 anos ininterruptos.

Dá pra quem vira!

  • Por falar em priscas eras, quando ainda atuava na década de 60, disse certa vez no intervalo de uma partida para o levantador da equipe: “Todos queremos ganhar o jogo, certo? Então, não se preocupe em distribuir bolas para todos os companheiros; dá pra quem está rodando! E acrescentei: “Se eu não rodar, aí sim, pode levantar para outro.”
  • Era uma expressão muito utilizada cujo significado era aquele que vira (quem roda), isto é, consegue fazer pontos sucessivos; que não erra nos ataques. Recordando que a Regra previa as vantagens e não pontos por rali: uma equipe só fazia pontos após conseguir a vantagem do saque e, nesse instante, procedia a um rodízio (vira, roda) de posições na formação de seus atletas.

Lições do Mundial da Itália – I (publicado em 6/out./2010)

Quem viu a partida entre o Brasil e a atual República Checa ontem (dia 5) pelo Mundial que está sendo disputado na Itália, contemplou a excelente atuação do atleta canhoto HUDECEK. Após terem perdido o 1º set, seu treinador colocou-o em quadra e isto fez a diferença: ganharam o segundo e terceiro sets. Inclusive, realizou a maioria dos ataques na entrada da rede (posição IV), ignorando bloqueios gigantes, como o de Leandro Vissoto, de 2,12m. Considere-se que o atacante checo mede 1,95m. Ao que parece, só foi travado pela utilização do saque (tático) do atleta brasileiro Theo, assim mesmo no tie-break. Pena que outros nacionais não tenham aprendido ainda a sacar, pois o líbero adversário foi contemplado com diversas benesses. É possível que “não tenham tempo” para treinar este fundamento… E, certamente, “como bloquear um canhoto”. Recordo-me que o único treinador que teve preocupações defensivas contra a possível presença de um canhoto numa equipe adversária foi o Professor Paulo Emmanuel da Hora Matta, quando de sua estada à frente da seleção brasileira no final da década de 60 e início dos anos 1970. Indagou-me se poderia participar dos treinos para que os atletas apurassem o bloqueio contra um canhoto. Acedi ao convite, mas nunca mais voltou a falar sobre o assunto. Não pude ajudar, foi uma pena!            

Quem tem medo? Aprendi há algum tempo um sábio ensinamento: “As pessoas têm medo daquilo que desconhecem”. É o caso das crianças, dos indígenas e povos de cultura primitiva que a história nos conta que se amedrontavam com simples trovões e, por isso, davam-lhes o caráter até de divindade. Assim é até nossos dias, pois aquilo que não sabemos fazer ou realizar deixamos de lado e evitamos entrar no mérito para um possível aperfeiçoamento.    

No voleibol nunca será diferente, ainda mais quando os ditos preparadores, formadores, treinadores e técnicos – não esquecer os entendidos – só pensam naquilo, isto é, na vitória a qualquer preço. Essa metodologia tão em voga atualmente está voltada preponderantemente para o ganho imediato, não importa a quem sacrificar. Os atletas deixaram há muito a sua condição de indivíduos, com pensamento próprio, e foram transformados em peças que a qualquer momento podem ser substituídas sem a mais mínima cerimônia. Por que, então, perder tempo em treinar um jovem que não sabe ainda recepcionar ou defender, se ele é muito mais útil hoje à equipe no ataque e no bloqueio? Muitos acreditam também que um bom bloqueio é suficiente para que a equipe tenha uma boa defesa. Então, é muito mais fácil treinar o bloqueio e não perder tempo em fazer com que atletas de 2m ou mais sejam razoáveis defensores.       

Importância da Formação. Esses mesmos indivíduos já foram condenados lá atrás, quando se iniciaram no esporte, pois tenho certeza que nunca foram exigidos em outros fundamentos. E não seria agora, pois testemunho há vários anos exemplos com equipes infantis e juvenis. O que se vê em matéria de treinos de defesa é pura brincadeira que talvez devesse ser realizado na areia da praia, com muito mais proveito. E estou falando da época de maior crescimento do voleibol nacional, a partir da década de 80, com a insana profissionalização a que chamo “corrida do ouro”, típica dos antigos filmes do faroeste americano, com cavalos, carroças e diligências, massacrando quem lhes impedisse o objetivo. Para chegar ao fim almejado e conquistar seu quinhão não importam os meios.       

Brasil Checos Bloqeuio Defesa atrasNo caso da partida a que me refiro atrevo-me a ir um pouco mais além, chamando a atenção também para o aspecto do posicionamento e péssima técnica no fundamento defesa para os dois atletas que estão regularmente nas posições I e II, invariavelmente o levantador e o seu oposto. Foram muitos ataques direcionados para esta lateral da quadra e não me lembro de qualquer recuperação. Por ali se situam Bruno, Vissoto e, depois Theo. Quando a TV repete os lances de vários ângulos, permite observar a posição dos atletas exatamente atrás do bloqueio, o que denota o cuidado especial de não receber o impacto direto, ou levar medalha como dizemos no Brasil. Além disso, os pés paralelos, a posição alta e a não exigência em treinos de defesa, fazem-nos alvos preferidos dos ataques contrários. Enquanto isto, do outro lado, o líbero se destaca, pois não tem medo e sabe defender. E para permanecer na equipe terá que se esmerar nesse fundamento até as últimas consequências, o que o torna um especialista. Sabedor disto, o que fazem os atacantes contrários? Não é necessário ser um estrategista para responder. Pelo que já vi de treinos de seleções brasileiras, tudo continua no mesmo lugar, e se nos chegam as vitórias, certamente que vamos todos nos ufanar de sermos brasileiros. E a história continua repetindo os mesmos fatos. Não foi por acaso que postei a foto acima para ilustrar o que estamos afirmando. Não se trata de jogo dos sete erros, mas dá para destacar alguma imperfeição, afinal, ninguém é perfeito.    

Detalhes fazem a diferença. Não precisamos nos reportar ao alto nível de qualquer desporto, mas em qualquer tipo de competição em que os oponentes têm formação similar, certamente que a vitória tenderá para os que melhor cuidarem dos detalhes. Em outras palavras, ganha quem erra menos, frase que ouvi em 1963 do nosso saudoso Zoulo Rabello. No alto nível não é diferente, já que todas as equipes e jogadores se conhecem, há múltiplas informações oriundas dos sistemas de espionagem, filmes, CDs. Contribuindo para tal, até o regulamento das inúmeras competições bancadas pela Federação Internacional prevê a participação de um determinado número de atletas (eram 9) que estiveram nas últimas competições patrocinadas por ela.  

Percebe-se também o equilíbrio entre 5-6 seleções mundiais que, dependendo de fatores extra quadra, algum acidente, uma contusão, ou mesmo, a safra abundante de excelentes atletas num determinado período, constituem-se em vetores dos resultados. Mas estejam certos de que nunca se deu importância aos treinadores das equipes em Formação, muito menos à sua qualificação. Os cursos preconizados pela Fivb para suas filiadas estão estandartizados e repetidos pelo mundo e sua abordagem continua efêmera. Quantas vezes ouviremos treinadores de seleções (refiro-me a qualquer deporto coletivo) no Brasil dizerem que não se tem treinamento na BASE, que é insuficiente, mal efetuado e, quando um atleta alcança o nível mais alto, “não há tempo para corrigi-lo”. E, ainda, que os aspirantes a treinadores devem “ser do ramo”, em clássica retórica depreciativa. O que acham que deve ser feito? Ou seria melhor ter bastante fé e repetir mais uma vez a plenos pulmões: “DEUS É BRASILEIRO”!

 

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