Aprender a Defender – Lição IV

Brasil Uruguai feminino Mulher no Esporte pré olímpico.
Brasil vs. Uruguai feminino no pré-olímpico. Foto: /Divulgação.

Altos e baixos no jogo

Os poucos e raros atletas altos (1,90m) de voleibol no Brasil nas décadas de 40 a 60  eram considerados lerdos e, por isto, pouco aproveitáveis numa equipe. A tal ponto que o treinador da seleção masculina – Sami Mehlinsky – presente ao Mundial de Paris em 1956, justificou a convocação de vários atletas de baixa estatura – Jorginho, Borboleta, Maurício, Márcio, Urbano – em detrimento de outros mais altos, por considerá-los mais aptos em aspectos técnico/táticos diversos tais como defesa, movimentação em quadra, toque de bola e levantamentos. Pesou também o desconhecimento total de como atuavam as seleções mundiais participantes dos jogos. Após o Mundial seguinte (1960) teve início o jargão popular de que baixinho não tem vez em voleibol. Muitos anos depois, com as soluções encontradas por Matsudaira e a posterior introdução do líbero nas Regras, procedeu-se a uma reavaliação do tamanho das peças que devem compor esse tabuleiro: exigências táticas sugeriram um equilíbrio no porte físico dos atletas. 

Atualmente, é certo que quando comparamos dois indivíduos, um relativamente baixo, e outro bastante alto, p.ex., Serginho (1,84m, líbero) e Leandro Vissoto (2,12m, oposto), ainda que haja diferenças alarmantes, valeria a pena treiná-los em defesa da mesma forma, isto é, segundo o mesmo método, mas guardadas as respectivas características físicas e mentais? Além do mais, imagina-se que os treinadores da Formação deveriam se esmerar em um treinamento diríamos global de seus alunos para compor um arcabouço de técnica generalizada e, jamais, especializada. E, ainda, não privilegiar atletas com +2m, a menos que consigam ter uma técnica considerável na totalidade dos fundamentos do esporte. Todos sabemos que estamos muito longe dessas providências, pois copiam a mesma metodologia e exercícios empregados nos treinos das seleções. Mas os treinadores dessas seleções, apesar de tantas vitórias, reclamam a todo instante de falhas pueris de seus atletas durante as competições internacionais. E a história se repete, pois ao serem indagados enunciam o velho refrão: “Não há tempo para treinar”! Então, o que fazem diariamente nas sessões em seus locais de treinamento? Como explicar o que ocorre com alguns atletas (e a equipe) que sucumbem diante de alguma pressão – talvez erros sucessivos?

Ocorre que durante uma partida, as caretas dos técnicos que as TVs mostram só ocorrem durante os erros e, nos intervalos, é puro desperdício de tempo querer ensinar como fazer a alguém que nunca aprendeu. Essas considerações têm procedência uma vez que nada se fez para alterar o status quo dessa situação. Ao que parece, planejar ceder no presente para conquistar no futuro próximo não passa pela cabeça de nossos gestores esportivos e técnicos super campeões. 

Passemos aos nossos diálogos questionando:

– Por que um baixinho levaria vantagem nos movimentos de defesa?

– Por que atletas negros do basquete americano são ágeis apesar de sua altura (+2m)? Seriam eles rápidos e eficientes também nos movimentos defensivos? 

– Que motivações teriam os atletas altos para se esmerarem nas defesas? E aqueles que invariavelmente cedem o lugar ao líbero durante as partidas? E mais: o que fazer com o levantador e o seu oposto? Como treiná-los?

– No caso em que o levantador participa diretamente de uma defesa, quem deve efetuar um possível levantamento? (Cobertura na defesa)

– Qual deveria ser o nível de exigência nos treinamentos de defesa?

– Em contraponto, como nossos ataques podem prejudicar a defesa contrária, especialmente em jogadas que não permitam as fintas? 

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Em voleibol tudo tem início a partir do primeiro impulso (ou movimento) dado ao corpo. Dessa forma, a posição que este corpo adquira nos momentos que antecedem sua intervenção efetiva é primacial para o objetivo que tenha em mente naquele instante. Todavia, cremos que o método de treinamento quase sempre está mal aplicado em nossos tempos, mesmo em se tratando de alto nível. Confunde-se o ponto de partida com o ponto de chegada, reclama-se do atleta, mas se analisarmos “como” treinam veremos que algo deve melhorar em relação à visão que têm seus treinadores.

A arte de ensinar

Na formação esportiva, onde o ajustamento motor é dominante (ou indispensável), é grande o risco em proceder por adestramento para parecer ganhar tempo ou simplesmente por dificuldade de utilizar outra modalidade de aprendizagem. Tenho adotado algo como a interação, a negociação e a construção conjunta de vivências, que habilitem a criança (e adultos) a aprender a linguagem proposta. Para tal há sempre uma exigência de um elemento de interdependência e a capacidade de fazer descobertas acidentais. Portanto, é importante levar o indivíduo a aprender a pensar e tomar decisões próprias diante dos imprevistos que se lhes apresentam. Aqui reside o que denominamos aprender a linguagem a ser proposta a cada aluno. Hoje tenho certeza que caminhei sempre por intuição nesse sentido especialmente quando me recordo das atividades motoras a que era chamado a participar nas brincadeiras de rua, tais como subir em árvores, lançar pedras, nadar e pescar (de mergulho), andar de bicicleta, jogar xadrez, pular carniça e uma gama variada de atividades aprendidas em terrenos baldios. Por isto, quando me iniciei propriamente dito no voleibol aos 18 anos, tive um aprendizado acelerado, derrubando mitos: “Quem não aprendeu antes, não aprende mais”. Todas aquelas vivências se somaram às novas atividades, com independência e descobertas acidentais, pois não foi tão necessário alguém dizer-me o que fazer ou como criar algo. Por exemplo, que melhor exercício existe para aprender a antecipar-se do que o jogo de xadrez, que aprendi a jogar aos 8-9 anos?  Em suma, tornei-me autodidata; nos treinamentos solos ou em jogos dos quais participava não me preocupava em “vencer”, mas “em não errar”, motivo pelo qual tive encurtado  os avanços técnicos. Leia mais em Teoria vs. Prática, publicado em 27.11.2009, sobre a conveniência de a criança receber estímulos variados os mais naturais possíveis. E mais: Pensar e Aprender (I) (2.2.2010), sobre ensino contingente.

Ataque, Bloqueio,Cobertura
Foto: Fivb/Divulgação.

Assim, em se tratando de defender é recomendado que esteja em posição de expectativa (posição baixa), e certamente, na área que lhe foi atribuída por consenso tático da equipe. Creio que até aqui todos estão de acordo. O problema que impede um jogador de se esmerar na arte de defender recai em ignorar como trabalhar as pernas e os braços de modo a colocar-se na trajetória dos ataques adversários. Como invariavelmente deve encontrar-se em uma posição mais baixa que a trajetória da bola, posto que favorece a sua devolução para o alto, os seus movimentos requerem agilidade e discernimento rápidos. Como são adestrados para tentarem a defesa por manchete – imaginem o bate-bola de aquecimento (ver Nota no final), a posição invariavelmente que assumem é a menos indicada para serem bem sucedidos em suas ações. A não ser que combinem com os adversários para enviarem seus ataques em sua direção e, ainda assim, na altura dos joelhos, pois lá estarão estaticamente ao aguardo (em manchete) de seus arremessos. Essa é a tônica nos treinos, mesmo em seleções: três auxiliares sobre uma mesa a desferir ataques sobre os defensores; ocorre que as trajetórias parecem ser combinadas, inclusive a força da batida, para que não se desviem do alvo. Pena que durante os jogos não se possa combinar com os adversários para que reproduzam o mesmo, mas todos têm conhecimento que o treinamento deve reproduzir as situações de jogo na medida do possível. Por que não o fazem? Caso a trajetória dos ataques tenha direção alta, torna-se inevitável a esquiva para não correr o risco de um impacto no tronco ou rosto (medalha). Nenhum deles é adestrado para receber os ataques com braços flexionados e as mãos acima da cintura, à altura do peito.

SARA PAVAN, UNILEVER CANHOTA CANADENSE
Sarah Lindsey Pavan, atleta canhota canadense do Unilever (oposto, 1,96m), aguarda saque adversário. Foto: Alexandre Loureiro / Vipcomm.

Retornando ao aspecto da posição das pernas, vemos que todos empregam o mesmo detalhe bem acentuado quando da recepção do saque: pés e pernas, abertos e paralelos. E para maior conforto, ligeira flexão das pernas e braços estendidos. Muitos, ainda se dão ao luxo de descansarem suas mãos próximas aos joelhos. Como produzir movimento rápido a partir de uma posição estática? Muitas vezes fico a observar a recepção do serviço nas partidas de tênis, em que a bola chega a atingir 280 km/h. Como não existe a possibilidade de deslocamento frontal, percebam como se comporta o atleta quando ainda em expectativa para o saque, isto é, pequenos movimentos – balanço – deslocando o peso do corpo alternadamente de uma perna para a outra, e a posição da raquete, na vertical à frente do tronco. Tudo isto para favorecimento de deslocamentos de pernas e o braço que empunha a raquete. É claro, neste exemplo consideramos tão somente as observações e reações do atleta diante de um impacto iminente e o ajustamento de suas reações motoras de forma satisfatória, a devolução da bola. No atletismo – prova de 100m – podemos também tirar bom exemplo na capacidade de o indivíduo mover-se rapidamente frente a um estímulo.

Capacidade de reação

A velocidade de reação motora humana ou tempo de reação é uma capacidade física importante para voleibolistas, sendo observada na reação aos ataques da equipe adversária a fim de realizar uma recepção de saque, defesa ou até uma esquiva (bolas fora).

Façam um teste com qualquer de seus atletas, não importa se de alto nível ou não, para aquilatarem sua “entrada em movimento” a partir de um dado estímulo. Terão surpresas desagradáveis, pois desconhecem princípios elementares isto é, não foram treinados para tal. Um exemplo fácil de comprovar é o treinador colocar-se a uma distância de 3m do atleta com uma bola na mão e o braço esticado na horizontal. Em dado momento, deixar cair a bola para que ele a recolha e, então, observar o primeiro gesto do indivíduo. Verá que invariavelmente, realiza pequena e ligeira passada atrás (troca de base) para, em seguida, movimentar-se à frente. Além disso, provavelmente tentará tocar a bola ainda em uma altura razoável, o que no voleibol dificulta qualquer recuperação (tocará na sua metade e não embaixo). Pouquíssimos atletas discernem que o toque junto ao solo é mais favorável uma vez que permite tempo maior para a aproximação, como também a bola é tocada de baixo para cima com mínimo de esforço, e perfeitamente recuperável por um companheiro.

Detalhes: 1) trata-se do uso de um único braço em movimentos laterais. Saber realizar rolamentos favorece uma boa técnica e previne contusões ou acidentes; 2) para defesas em que as bolas estão muito distantes do atleta, sempre será preferível o toque junto ao solo, com uma das mãos em concha, com o polegar flexionado. 3) a manchete é desaconselhável em posições críticas ou extremas, isto é, o alcance para o toque na bola é maior quando o atleta utiliza um dos braços. Além disso, muitas vezes a posição “em manchete” (braços unidos) não permite o toque baixo e a sua orientação conveniente para futura utilização no jogo. 

Defesa na praia fotoFivb
Foto: Fivb/Divulgação.
Defesa Praia Ana Paula Mão trocada
Foto: Fivb/Divulgação.
Foto: Fivb/Divulgação.                             

Em tempo: nas comemorações pela conquista do bicampeonato olímpico, observamos que muitas atletas não sabem realizar rolamentos (frente e atrás). Tentaram uma variação feminina ao que produzem os rapazes com os seus peixinhos. Alguns dirão não ser necessário o seu aprendizado, pois afinal não foram campeãs? Talvez fosse salutar assistirem ao vídeo do filme de Matsudaira sobre a formação atlética dos jogadores japoneses. Estou providenciando para colocar no YouTube em breve. Um segundo aspecto não menos importante, refere-se à intuição do atleta, sua experiência e capacidade de análise da situação (estudo do adversário) e, assim, ter elementos que o ajudem a antecipar-se ao movimento dos adversários. E aqui realçamos a tarefa do professor na FORMAÇÃO de atletas.

Nota – Observa-se que a posição das pernas e braços no treinamento de defesa está prejudicada devido aos exercícios de aquecimento com bola, o famoso bate-bola realizado pelos atletas independentemente se estão em treino ou jogo. Repetem os mesmos movimentos e, na nossa concepção, erroneamente, pois aguardam estaticamente que a bola venha em sua direção. Seria o que se chama treinamento por adestramento, isto é, repetitivo, sem a participação do pensamento, tanto do atleta e treinadores. E por que isto?

Continuem a nos acompanhar nessa série de artigos. Convidamos os internautas que participem desse fórum com suas contribuições e comentários. Afinal, estamos todos no mesmo barco da aprendizagem. O que nos falta talvez seja compartilhar as ideias. Voltaremos breve e até lá, boas leituras.

5 comentários em “Aprender a Defender – Lição IV

  1. 8.4.2013 – (mayra.rivera)… Aprecio sua persistência em colocar no seu site informações tão detalhadas. É ótimo visitar um blog de ​​vez em quando sem aquele material antiquado. Ótima leitura! Salvei seu site e estou adicionando seu RSS.

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