Treinamento de Defesa – Formação

A jogadora Piccinini defende com os joelhos no chão no jogo contra o Japão. Foto: Fivb/Divulgação.

 

Formação

Observando a foto ao lado o que teria a dizer o treinador italiano?

Faço este preâmbulo para situá-los no tempo e nas considerações técnicas que pretendo discorrer com colocações e teorias a respeito. Nesta nossa conversa tratarei de relatos com passagens e histórias com campeoníssimos também do Vôlei de Praia. Perceberão que diversas contingências influenciavam a forma de treinar, causando danos irreparáveis na formação de novos atletas e, pior, a precariedade e as improvisações realizadas nos períodos de treinamento das seleções a indicar falsos caminhos aos treinadores brasileiros. E, também, ao ensino universitário, cujo currículo imagino seja o mesmo ainda hoje para a formação de professores. Verão também as razões pelas quais muitos treinadores de alto nível em vários desportos dizem que o erro está na “base”, quando se referem a atletas com deficiência em alguns fundamentos. E, em seguida, se exprimem: “Não tenho tempo para treiná-los”! Esquecem-se que eles mesmos, ao formarem jogadores nos respectivos clubes procedem de forma semelhante e repetitiva.

Peço perdão aos leitores por imiscuir-me nesses momentos em que estarei historiando fatos que vivenciei. São as minhas impressões e, portanto, impregnadas de um subjetivismo a que nenhum narrador escapa. Minha ideia é exemplificar com olhar crítico e não enaltecer-me. Além disso, sirvo-me do depoimento de um dos melhores e mais experiente jogadores da época – João Carlos da Costa Quaresma. Iniciei-me no voleibol em clube a partir de 18 anos, em 1958. Participei e presenciei treinos nos mais diversos níveis, inclusive de seleções brasileiras e confesso que nunca vi e tão pouco soube como os técnicos treinam seus atletas para serem bons defensores. Aliás, como há tempos não assisto a qualquer treino, pergunto ao leitor: Conhece algum?

Representação do Líbero (do italiano, livre)

Fabi, líbero da seleção brasileira, faz defesa; substituição de jogadores da função agora é livre. Foto: FIVB/Divulgação Fonte: Terra, 11.10.2010.

 

A Fivb buscava dar um equilíbrio entre defesa e ataque principalmente nos jogos masculinos. A figura de um jogador especializado em defesa dá principalmente ao voleibol masculino uma condição melhor, já que o ataque é preponderante em função do vigor físico da categoria e prepondera sobre a defesa. Surge, então, o líbero para tentar dar um equilíbrio nessa relação entre ataque e defesa.

No Brasil do início da década de 80 era o jogador que não recepcionava o saque e se apresentava para o “ataque de fundo”. Posteriormente, passou-se a designar líbero o atleta especializado nos fundamentos que são realizados com mais frequência no fundo da quadra, isto é, recepção e defesa. Esta função foi introduzida em 1998, com o propósito de permitir disputas mais longas de pontos (ralis) e tornar o jogo mais atraente para o público. Um conjunto específico de regras se aplica exclusivamente a este jogador. O líbero deve utilizar uniforme diferente dos demais, não pode ser capitão do time, nem atacar, bloquear ou sacar. Quando a bola não está em jogo, ele pode trocar de lugar com qualquer outro jogador sem notificação prévia aos árbitros e suas substituições não contam para o limite que é concedido por set a cada técnico. Por fim, o líbero só pode realizar levantamentos de toque do fundo da quadra. Caso esteja pisando a linha de três metros ou esteja sobre a área por ela delimitada, deverá executar somente levantamentos de manchete, pois se o fizer de toque por cima (pontas dos dedos) o ataque deverá ser executado com a bola abaixo do bordo superior da rede. Uma série de experiências foram realizadas pela Fivb com este “sétimo” jogador, sendo a primeira delas em 1995. No ano seguinte foi introduzido, ainda experimentalmente. no Grand Prix feminino, logo após a Olimpíada de Atlanta. Em 1997 foi testado o jogo com o líbero; sua aprovação e inclusão nas Regras deu-se somente em 1999-2000, quando foi incluída na Regra do Líbero.

Neste mês ( 9.12.2010) a Federação Internacional anunciou uma mudança nas Regras. A partir de 1º de janeiro de 2011, os treinadores poderão substituir o líbero quantas vezes quiserem durante todo o confronto. Atualmente, a alteração pode ocorrer apenas uma vez, isto é, se o líbero titular for substituído pelo reserva, não pode voltar à quadra. A mudança na regra foi votada durante um congresso da entidade em setembro e aprovada com unanimidade. Segundo a entidade, a mudança aconteceu porque a Regra limitava o uso do segundo líbero, já que os times optavam por relacionar apenas um líbero e 11 jogadores de ataque para as partidas. Recentemente, as equipes poderão disponibilizar dois (2) jogadores como líberos.

Grandes e Pequenos

Pelo que percebo, se o jogador não for o baixinho – o líbero -, não vale a pena perder tempo com este fundamento; acredita-se que a melhor defesa está no bloqueio e sendo assim, por que fazer os grandes sofrerem? Até porque certamente nunca foram adestrados nesse sentido. O vôlei de praia é um exemplo formidável: um atleta maior será sempre o bloqueador e, o outro, mais baixo, defensor; não há como evitar. Assim, tanto nos sextetos quanto nas duplas, os respectivos treinadores tendem a desprezar este fundamento e se atêm aos esquemas e sistemas de defesa, às coberturas e atribuem a maior responsabilidade ao líbero, que está ali só para isto. E o líbero, como deve ser treinado? Creio que muitos treinadores não percebem que, em determinados níveis, épocas ou circunstâncias, ou melhor, quando há o embate entre equipes do mesmo nível, os detalhes fazem a diferença. E essas diferenças podem se acentuar em pouco tempo, distanciando tecnicamente uma equipe da outra. Então, para resolver (ou não) o problema adiam e ficam a aguardar que alguém o faça e os ensine.

Histórias “selecionadas”. Em 1960, na preparação do Mundial realizado em Niterói e Rio de Janeiro, participei como “ouvinte” – um intrometido – de vários treinos da equipe brasileira, pois os ensaios eram todos no ginásio do Caio Martins, em Niterói, onde resido até hoje.

Jogadores brasileiros no ginásio do Caio Martins, Niterói, em 1960.

 

As delegações de todos os países participantes das chaves finais estavam hospedadas na cidade, exceto o time masculino da Rússia, que preferiu um hotel de Copacabana, no Rio. Assim, os treinos das equipes masculinas e femininas se distribuíam pelos poucos ginásios existentes: SEDA (Marinha), Icaraí Praia Clube (IPC), Faculdade de Direito, 3ª RI (Exército)  e o próprio Caio Martins. Assim, era fácil estar presente em muitos deles e contemplar um mundo novo para os meus olhos, ávidos pelas novidades técnicas e feitos dos melhores do mundo. Vi no IPC a equipe russa feminina com a sua belíssima atleta Ludmila e a super campeã Aleksandra Tchoudina, 5 medalhas olímpicas no atletismo até 1956, foi campeã mundial de voleibol em Paris e também no Brasil. Bati bola com os americanos comandados pelo extraordinário Gene Selznick e estive a admirar o levantador romeno de 1,92m, que me despertou para uma providência tática que tomaria logo depois, pois além de ser a minha altura, descortinei possibilidades múltiplas para a equipe que tivesse um levantador alto, também atacante e, melhor, que atacasse com o braço esquerdo; era o meu caso, embora não fosse canhoto. Por último, providenciei uma equipe do clube IPC, em que eu mesmo atuei, para jogarmos contra o selecionado brasileiro.

Autodidatismo

Terminado este Mundial, consegui uma bola de vôlei que fora usada pelos romenos num dos seus treinos no IPC. Como cortavam muito forte, uma delas foi achada por acaso em local de difícil acesso. Pois somente com esta bola realizei meu treinamento completo no ginásio do clube: foram 3 meses, com exercícios solitários de duas horas, três vezes na semana. Os ensaios, eu mesmo os criava e recriava, aumentando sempre o nível de exigência. O clímax ocorreu quando lesionei o ombro esquerdo e, não podendo atacar com ele, dispus-me a aprender a fazê-lo com o braço direito. E consegui. Ao final, já refeito da lesão, era o único no país a atacar com ambos os braços. Mas não só, recepcionava, atacava nas três posições da rede, bloqueava, efetuava levantamentos, defendia e sacava com maestria. Em resumo, era completo como jogador, tendo a altura de 1,92m, um dos mais altos na década de 60. Joguei por terra duas assertivas daqueles tempos: “Quem não aprende a jogar cedo, depois dos 18 anos não aprende mais”. E a outra: “Todo sujeito alto é mole”.

Em 1962, nos preparativos para o Mundial realizado em Moscou, participei da primeira fase dos treinamentos na Escola Naval, Rio de Janeiro. Consistia em exercícios físicos pela manhã, ensaios de fundamentos à tarde, compreendidos aqui principalmente exercícios de toque, saque e ataques. Lembrando que até então não se conhecia a manchete no Brasil e a recepção era privilégio de poucos, isto é, realizada de toque e em nível de exigência máximo por parte da arbitragem. À noite realizavam-se os treinos coletivos. Tudo isto, se não me falha a memória, talvez 30 dias antes do embarque, descontados aí os 8 dias referentes aos fins de semana. Em suma, diante do envolvimento profissional reinante em nossos dias, uma brincadeira, um faz de contas!

Em 1968, na cidade de Porto Alegre (RS), foram disputados os jogos referentes aos Campeões Estaduais. Estava presente com a equipe do Clube de Regatas Icaraí, de Niterói, em que era técnico e atleta simultaneamente. No dia seguinte ao nosso jogo contra a equipe do Minas T. C., de Belo Horizonte (MG), encontrei-me com o seu treinador, o saudoso Adolfo Guilherme, à beira da piscina da Sogipa, onde estávamos alojados. Disse-me ele: “Roberto, no jogo de ontem conseguimos vencê-los a duras penas. Não sei o que vocês fazem em Niterói quanto aos seus treinos, mas nunca vi uma equipe defender tanto, chega a irritar”! Esbocei um leve sorriso e creio que o surpreendi: “E esta não é a melhor equipe que pudemos trazer, pois alguns não puderam viajar”.

No início da década de 70, todos os treinos nos clubes eram ainda realizados somente duas vezes na semana, depois do horário de trabalho ou estudo dos atletas. Isto devido a problemas de espaço físico – um ginásio – e a manutenção de mais de uma atividade desportiva. Neste período, o curto tempo era dedicado à prática coletiva; em 1971, o voleibol no Fluminense F. C. deu a partida para acrescentar mais um treino  (três) na semana, com ensaios variados de fundamentos e precária formação física, muitas vezes rebatida pelos atletas que só queriam a prática coletiva. Estive atuando pelo clube em 1972. Contudo, em 1970-71, atuando como técnico do Tijuca T. C., realizei um trabalho que interessou demasiadamente aos atletas (masculino e feminino) e que reverteu em bons resultados no que tange aos ganhos do fundamento defesa. Fui criativo ao cobrir a rede com um extenso pano opaco e, a partir dali, através de múltiplos ensaios produziram-se ganhos extraordinários individualmente e coletivamente. Em 1981, também atribuindo ênfase aos treinos de defesa, consegui com uma equipe (América F. C.) mediana em termos técnicos alavancar elogios de diversos treinadores dos principais times do Rio.

Saímos do “amadorismo” em 1982 e, ainda na fase de adaptações às novas condições, a seleção brasileira esteve treinando em 1987 durante 4 dias na AABB de Niterói, local que consegui disponibilizar a pedido da CBV. Estava comandada pelo coreano Sohn, técnico campeão brasileiro pelo Minas T. C. A auxiliá-lo o ainda inexperiente treinador carioca Leão. Para o meu sentir os treinos foram decepcionantes em todos os sentidos. Ainda no mesmo clube, estiveram treinando também as moças, pouco antes de uma série de amistosos no Brasil contra a sensacional equipe cubana. Não percebi qualquer providência com respeito ao apuro da recepção contra os saques poderosos das adversárias. No único jogo que assisti, foi um desastre para a equipe brasileira. E muito menos quanto ao treinamento de defesa.

Já agora na “era Bernardinho”, presenciei parte de um treino em Saquarema e um outro, na Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), no Rio, quando lá estive para conversar sobre o treinamento do canhoto André Nascimento, considerado o melhor atacante no Mundial da Argentina. Em ambas as situações, não consegui deslumbrar nada que me chamasse a atenção, muito menos transmitir o que pensava. Mas fui muito bem recebido e convidado posteriormente a fazer palestra no Centro Rexona, em Curitiba (PR) sobre a Formação e o Mini Voleibol.

Formação em Portugal  Acabo de ler no site da Federação Portuguesa de Voleibol (FPV) notícia que revela um Programa de Formação para jovens de ambos os sexos com idades entre 14-15 anos e altura mínima pré-estabelecida. Esta ação de formação estará representada por duas seções semanais de treinamento. Dará certo? Imagino que as peneiras de algumas associações esportivas no Brasil – em São Paulo – venham fazendo há muito tempo algo similar, isto é, em determinada época do ano abrem inscrições em nível nacional para receberem pretendentes a comporem suas equipes de base. Estes fazem um estágio probatório de alguns dias e, se aceito, são contratados pela associação. Como em Portugal, certamente fazem as exigências morfológicas aos candidatos. E na bateria de testes pelos quais têm que passar alguém acha que o nível de exigência para o fundamento defesa é excludente?  Assim, a forma de trilhar novos caminhos de que falamos em “Aprender a Ensinar – Memória” poderá comprometer uma vez mais todas as boas intenções dos gestores esportivos. E sugiro ainda que tornem a ler o que se contém em “Teoria vs. Prática”, postado em 27.11.2009. Muitas coisas podem ser melhoradas com tão pouco, tanto aqui como acolá.

3 comentários em “Treinamento de Defesa – Formação

  1. Será que alguém me pode ajudar?
    Queria introduzir a defesa em semi-círculo na equipa, uma vez que até este momento apenas utilizaram a defesa em W. Queria avançar, mas sinceramente não sei muito bem por onde começar…
    Obrigada

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    1. Certamente que posso ajudá-la, Susana. Apenas teríamos que nos estender um pouco, mas tentemos. De efetivo, sabemos que o sistema em W é mais utilizado por equipes femininas que possuem atletas de elevada estatura, uma vez que os seus adversários, quando devidamente bloqueados, tendem a efetuar ataques de pouca potência ou mesmo as “largadas” ou “deixadinhas” com uma das mãos atrás do bloqueio. Nesta circunstâncias, haverá sempre uma defensora a cobrir a ação. As moças russas são mestres neste mister. Em suma, dependendo dos próprios integrantes de sua equipe e da forma com que se conduz a equipe adversária em seus ataques, você como responsável técnica deverá ordenar a execução deste ou aquele sistema de defesa. Uma das melhores formas de treinar seria realizar ralis sucessivos, em que uma das equipes somente ataca e a outra, que está a treinar, procede aos sucessivos ajustamentos de defesa em função da origem dos ataques. O treinador deverá colocar-se ao fundo da quadra, portanto atrás dos atletas, e dali oferecer os ajustes necessários. Por último, convém lembrar que o sistema de defesa por si só “não defende”, isto é, há que municiar cada atleta de técnicas individuais compatíveis ao seu nível e idade. Os sistemas fazem parte tão somente dos esquemas táticos a empregar. Foi ótima a sua intervenção e quando quiser, retorne. Imagino que seja portuguesa, de que cidade e em que clube atua?

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