Teoria vs. Prática

O autor com Bernardinho, na apresentação do 1º volume da História do Voleibol no Brasil (2011).

Volei vs. Volei
Nunca é tardio para se elogiar e tirar ensinamentos de um trabalho consciente. Refiro-me aos estudos do Professor João Crisóstomo Marcondes Bojikian da Universidade Presbiteriana Mackenzie, publicado na Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2002, 1(1):117-124 sob o título Volei vs. Volei”, cuja íntegra pode ser vista em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCBS/Cursos/Educacao_Fisica/REMEFE-1-1-2002/art10_edfis1n1.pdf117

 Palavras-chave: Voleibol, Aprendizagem Motora, Habilidade Motora, Repertório Motor, Aperfeiçoamento Técnico.

Vejam o resumo de nosso diálogo.

João Crisóstomo. Estuda-se na literatura possíveis relações entre a especialização unilateral precoce e a qualidade final da performance. Sugerem-se possíveis relações entre vivências motoras variadas na infância – utilizadas como formação de memória motora ampla e variada – com a capacidade de aperfeiçoamento técnico voleibolista da idade adulta. As fontes atestam que a prática do voleibol de alto rendimento necessita de um repertório de recursos técnicos somente possível para atletas que possuem memória motora compatível. Isto levanta a hipótese de que o voleibol praticado na infância de forma sistematizada visando à formação de futuros atletas para a modalidade, na verdade, atua como fator limitante para o desempenho de voleibolistas adultos.

Roberto Pimentel
Formação. Sou um ex-atleta, professor e técnico diplomado pela antiga ENEF, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante muito tempo venho me dedicando a descobrir uma metodologia que favoreça a aprendizagem motora necessária ao ensino esportivo, especificamente o voleibol. Durante anos ouvi de professores e treinadores de voleibol que se o indivíduo não aprendesse o esporte em criança, não aprenderia jamais na fase adulta. Felizmente, no meu caso a coisa não aconteceu assim, muito pelo contrário, como poderão ver no relato que fiz recentemente àquele professor.
Infância. Finalmente encontrei alguém que descreve o que sempre imaginei tenha acontecido comigo. Um menino niteroiense pobre, descalço pelas ruas ainda de terra, chutava qualquer tipo de bola (de borracha, de meia), aprendi a nadar com meus irmãos mais velhos que me deixavam no mar distante da areia, cedo jogava xadrez e basquete. Com minha irmã, iniciei os primeiros toques no voleibol (que nunca esqueci), e brincava com os mais novos em competições de “quem sobe mais rápido nas seis árvores frondosas da praça”. Pegávamos mangas, goiabas, genipapos, sempre trepando nas árvores. Pescávamos siris e peixes em abundância. Para tal, recolhíamos no lixo do Mercado de Peixe as necessárias iscas – guelras, baratinhas da praia, minhocas, desentocadas debaixo de grandes pedras na praia. Sem falar das brincadeiras com dezenas de crianças, de bola de gude, cafifa (pipa), pular corda e a escambida, que talvez não tenham conhecimento. Nos arremessos, que fazia sempre com o braço esquerdo (não sou canhoto), era invejável minha pontaria. Sem falar na bicicleta, minhas pernas e companheira por muitos e muitos anos.
Juventude. O estudo acima referido se ajusta a tudo que fiz na infância. Competitivamente, joguei somente o basquete aos 11 anos de idade. Nesta mesma época, na escola, participei dos Jogos Infantis uma promoção do Jornal dos Sports, no Rio de Janeiro. Só voltei a tornar-me um atleta federado aos 18 anos. Então, passei a treinar o voleibol que somente jogara intuitivamente no colégio sem qualquer treinamento por parte de professor. Neste ano (1958) disputei duas modalidades: basquete e voleibol, que se alternavam durante a semana. Tinha então, 18 anos. No ano seguinte, fui atuar no voleibol do Botafogo, no Rio. Resumindo, em 1962 estava convocado para a seleção brasileira que treinaria com vistas ao mundial da Rússia. Nos treinos coletivos fui considerado o melhor jogador daquele grupo. E, digo ainda de passagem, durante o período de 1959 a 1962, não disputei os campeonatos cariocas de 1ª divisão; somente o de aspirante, em 1960. Todavia, um pequeno grande detalhe me favoreceu: após o Mundial de 60 cuja fase final desenvolveu-se no Rio de Janeiro e em Niterói (minha cidade), passei a treinar solitariamente três vezes na semana, das 8h às 10h, durante aproximadamente três meses. Como sou autodidata, isto não me custou muito, pois criava os exercícios que achava conveniente para o meu desenvolvimento, inclusive, a atacar com ambos os braços. Atuar, somente na praia ou em clubes (coletivos, amistosos) e torneios avulsos. Aliás, minha convocação deu-se a partir de um dos torneios de Vôlei de Praia do Jornal dos Sports em Copacabana, no qual participavam todos os grandes atletas dos clubes cariocas, inclusive os de seleção brasileira. Foi quando passei a integrar essa elite com muita honra. Ia-me esquecendo, em 1961, por ocasião dos Jogos Universitários em Vitória (ES), fui “convocado” na viagem de ida, ainda no ônibus, para atuar na equipe de basquete (integrava somente a de voleibol). Fomos vice-campeões no basquete e por pouco não fui convocado para a Universíade daquele ano na Bulgária. No torneio de vôlei, uma grata surpresa, o elogio do técnico mineiro Adolfo Guilherme que, após o jogo, fez questão de me cumprimentar ainda na quadra e deixar o seu carinho e incentivo: “Garoto, daqui pra frente SELEÇÃO”!
Busca de nova metodologia. Assim, fez-se em mim o que muitos anos mais tarde este estudo viria a demonstrar com bastante autoridade. Sempre procurei examinar o porquê de minha relativa competência, que instintivamente me levava a considerar os episódios múltiplos das memórias corporais que adquiri na infância. Agora tenho certeza que aquela intuição era o prenúncio da verdade. Por isso, advogo que ninguém aprende adequadamente um movimento, p.ex. da cortada, se siquer sabe arremessar um objeto. Então, passei a preconizar que as crianças aprendam brincando e que essas brincadeiras levem-nas a arremessar objetos, saltar e transpor obstáculos organizar-se em torno de um paraquedas, chutar bolas, esquivar-se de arremessos, agachar-se e progredir, rolar etc., tudo isso antes do jogo rígido. Deixo-as brincar de jogar voleibol sem exigências táticas ou técnicas. No fim, digo a todos, acabam aprendendo a jogar sozinhas e com muita alegria. É como aprender a andar de bicicleta, quando se dão conta, já saem pedalando.

João Crisóstomo. Fiquei muito feliz ao receber teu e-mail tecendo comentários sobre o “Volei vs. Volei”. É muito gratificante quando pessoas, que além de terem se destacado como atletas de voleibol, tem relevância profissional por terem estudado, escrevem coisas como as que você escreveu. Vou guardar com carinho tua mensagem pois ela representa um depoimento muito importante, onde a prática confirma a teoria dando-lhe consistência. Espero que você já tenha lido outras coisas que escrevi. Sempre que possível mande sugestões. Grande abraço e não desapareça!

A seguir, quer saber “Como programar aulas para crianças em formação”? Envie o seu comentário, troque opiniões e aprendamos juntos.

8 comentários em “Teoria vs. Prática

  1. Roberto: embora eu não seja um estudioso de motricidade, fisiologia do esforço e afins, baseio-me na minha própria vivência pessoal para afirmar que essa opinião de técnicos e especialistas sobre a necessidade de aprender voleibol em criança é apenas um "chute". Acredito na teoria da memória motora, que obviamente é genérica e não especializada (para um esporte). Amauri Passos, craque de basquete, começou a jogar voleibol já adulto e era excelente, no Brasil pegaria qualquer time principal. Ao contrário, acho que a especialização precoce pode impedir que o futuro atleta encontre "o seu esporte" – aquele em que ele vai render o máximo – por limitar suas experiências. Arlindo Lopes Corrêa

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  2. Arlindo,Por coincidência, em maio de 1960, durante os Jogos Universitários Brasileiros, em Niterói, atuei contra o Amauri, que fazia parte da equipe paulista de voleibol e basquete. Para o "garoto" que se iniciava, foi um momento inesquecível em se tratando de um grande campeão. Quanto ao processo e metodologia de formação das crianças, acredito que ainda estejamos muito aquém do desejado, haja vista as deficiências pedagógicas de nossas universidades, as formadoras dos docentes. Quanto aos treinadores (ou técnicos) forjados pelos critérios da CBV, não há o que falar. São péssimos. o incrível é que temos talvez o melhor voleibol do mundo. Tenho que concordar que "Deus é brasileiro"!Roberto Pimentel.

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  3. Tenho uma visão bastante parecida com a de vocês e acredito que as brincadeiras são as bases para uma boa memória motora. As brincadeiras “dirigidas” exploram movimentos, fazem criarem saídas e encontrar soluções motoras. Mas quando vejo um garoto de oito anos “comendo a bola”, driblando todo mundo, passando, chutando e tendo visão panorâmica durante um jogo, me pego pensando se ele teve tempo de gravar tantos movimentos motores.
    Se a resposta for não, então como ele consegue fazer tudo aquilo? Se a resposta for sim, o tempo de assimilação para esses movimentos é tão curto assim? Lendo várias matérias com titulos similares, acabo achando que existe além do trabalho pedagógico e treinos, alguma coisa que nos permite aprender mais e mais. Cansei de me pegar pensando se o Phelps, Bolt, Jhonson, entre outros, já não possuiam esse “alguma coisa” quando pequenos? O estímulo ao livre movimento, aos trabalhos pedagógicos, a memorização motora é suficiente para formar um atleta de alto rendimento?

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    1. Edison, desculpe-me por só agora responder às suas indagações. Simplificando, apresento-lhe duas alternativas que encontrei para esse impasse. 1) Adquira o livro “Por que os Generalistas Vencem em um Mundo de Especialistas”, David Epstein. Título original “Range: Why Generalists Thriumph in a Specialized World”. O autor, Mestre em Neurociência, Harvard. A segunda, talvez eu tenha escrito algo a respeito. Ele explica o fato logo no início do livro, quando compara dois campeoníssimos mundiais em suas especialidades, Tiger Woods (golfe) e Roger Federer (tênis). O primeiro, aos 2 ou 3 anos, já manuseava o taco. O outro, apesar de a mãe ser professora de tênis, quando criança e mesmo jovem, preferia o futebol. Só mais tarde inclinou-se para o tênis. Nessa apreciação. o autor discorre que “não existe a loteria genética”, e explica pela Neurociência, um conceito Metodológico que passa desapercibido por muitos, o que você repete e erra, torna a repetir e encontra solução, isso está gravado na chamada “rota mielínica” (podemos dizer, memória motora, cujo exemplo maior é observar como um bebê aprende a andar, ou o jogo infantil Labirinto, em que ao ser desafiado a conduzir uma bilha pelo labirinto, a cada erro, há que retornar ao início; e reiniciar, até que consiga alcançar o objetivo final, sem erro. CONCEITO: repetir, repetir…, que seja CERTO”; lEMBRO antigo provérbio alemão… “Graças aos seus erros você se torna mais inteligente”. Se você ainda é bom observador, há de se lembrar que a grande maioria dos profissionais ao sugerirem exercícios a seus alunos, não se dão conta desse detalhe tão importante. Se o fizerem, terão ganhos incontáveis no apuro das técnicas individuais, pois cada indivíduo tem o seu tempo de maturação. Em suma, sobre Woods e Federer, conclui-se que ambos os Métodos podem levar o indivíduo ao máximo de suas habilidade, mas um não anula o outro, uma vez que Federer, ao optar pelo tênis, carregou todo o seu acervo de soluções a problemas novos, isto é, diante de algum obstáculo ainda não conhecido, prontamente põe-se a pensar como superá-lo. E sem qualquer ajuda externa, de improviso. Mesmo que erre, saberá dispor-se em superá-lo com maestria. Sobre “a bainha de mielina”, pesquise no Google em “meu nome Linkedin, mielina”. Ou neste blog, logo no início PESQUISA. Outro bom livro a esse respeito, “The talent code”, do americano Daniel Coyle.

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  4. O Olhar do Mestre
    Como é bom conviver com este seu interesse na busca de respostas sobre a educação. Relembro e acentuo o que já disse em outras oportunidades: vários fatores condicionam a performance de um indivíduo. Estivemos aqui analisando apenas um desses aspectos, o metodológico. Exagerando um pouco, imagine se o Bolt, ainda criança, fosse treinar futebol. Certamente o seu treinador o colocaria no gol por sua envergadura. Então, características genéticas e culturais têm o seu papel principal e, o professor (treinador) a tarefa de colocar o indivíduo no ambiente mais favorável ao seu desenvolvimento global. Neste momento, ele, o professor, é primordial ao criar situações favoráveis (é o facilitador) para a construção daquele indivíduo. Como a ciência ainda não avançou muito nesse terreno contentemo-nos com o que temos, pois ainda creio que a metodologia adequada – poucos a conhecem e praticam – ainda é o aspecto primordial no processo. Imagine um treinador (ou professor), sem o necessário conhecimento de psicologia pedagógica ter a responsabilidade de orientar a prática de crianças, jovens ou mesmo adultos; o que se esperar? O resto é muita vontade e suor! Mais uma vez, grato por sua frequência ao Procrie e ao excelente bate-papo que nos proporciona.

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  5. 1.2.2013 – (Valeria)…Tenho surfado on-line mais de 3 horas por dia, mas de nenhuma maneira descobri qualquer artigo que chamasse a atenção como o seu. É muito gratificante para mim. Na minha opinião, se todos os webmasters e blogueiros postarem material de bom conteúdo como você fez a internet será muito mais útil do que nunca.

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    Traduzindo… É realmente um bela peça com informação útil. Estou feliz por compartilhar essa informação com a gente. Por favor, mantenha-nos atualizado. Obrigado por compartilhar.

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