Programa de Formação

Curso regular para 400 crianças na Praia de Icaraí, Niterói (RJ). Desenho: Beto.

Tempo, Passado, Futuro. E o Presente?   

Dando continuidade ao texto Futebol e Voleibol na Praia, acrescento detalhes que a história registra. Percebam o valor do passado para a construção do futuro, senão de que valeria o presente?     

Os Fins Justificam os Meios. Ao que parece, os atletas de vôlei de praia só têm obrigações. Não possuem qualquer organização classista e estão completamente desassistidos a partir de seus treinamentos. A maioria deles é egressa do vôlei de quadra, onde deram os primeiros passos no esporte e percorreram um caminho nem sempre alvissareiro, incerto e, às vezes, cruel. Recentemente, na preparação para os Jogos de Sydney, assistimos a um episódio que mostra esta faceta de jogo de interesses, quando uma dupla famosa de vôlei de praia que, não conseguindo a classificação para os Jogos Olímpicos, retornou às quadras. Foram sacrificados dois outros atletas que lutavam por sua indicação, disputaram as Olimpíadas e, na volta, um deles permaneceu na quadra e o outro retornou na maior simplicidade (com contrato sensacional) à praia. Imaginem o estímulo proporcionado aos atletas dispensados. Aliás, isto nos faz lembrar o episódio do corte de Pedrão, da seleção olímpica de 1964, que viajara a Santos para se despedir da família e, por telefone, foi cortado. A história se repetiu uma vez mais.        

Voleibol Indoor vs. Voleibol na Praia. Logo que surgiu e com sua rápida evolução, os eventos na praia tomaram proporções gigantescas, tendo sido difundido rapidamente pelo mundo graças à aceitação inicial nos dois pólos primitivos – Estados Unidos e Brasil – de onde saíram os primeiros campeões mundiais. A modalidade, então, transformou-se em ganha-pão de muitos rapazes e moças, que atraídos pelos prêmios, viagens e toda a parafernália marqueteira do Banco do Brasil, deixaram seus estudos, muitos até suas casas para se aventurarem pelo Brasil nas dezenas de competições armadas pela CBV praticamente em todo o território nacional, não importando se no litoral ou em cidades interioranas. O empreendimento criou a necessidade de os atletas tornarem-se essencialmente  profissionais a ponto de dedicarem-se exclusivamente à sua formação técnica e física, o que implicava treinamentos diários pela manhã na praia e, à tarde, nas academias. Inicialmente tinham o chamado “pai-trocínio”, isto é, eram financiados domesticamente; outros, como dois gaúchos que conheci, já emancipados economicamente, aventuraram-se pelo País somente com uma mochila nas costas e muita coragem e determinação. Saíram de sua cidade natal no início da temporada e só retornaram um ano depois.        

Renovação e Prospecção de Talentos. Durante o horário de almoço na “Reunião Estratégica” (16.10.96) no hotel Le Meridien, Rio de Janeiro, que antecedeu a posse do atual presidente da CBV, conversei com um dos participantes a respeito da renovação no vôlei de praia. Meu interlocutor manifestava sua preocupação e visível contrariedade em relação à participação de atletas juvenis (vôlei de quadra) nos circuitos de vôlei de praia. Argumentava que haveria, no futuro, um esvaziamento, com graves prejuízos às seleções nacionais. Contra-argumentei que a nova modalidade deveria encontrar seu caminho para crescer e que o setor de vôlei de praia da entidade, atento e sensível, saberia escolher os melhores caminhos a trilhar. Em 1998 a CBV deu início ao seu programa de renovação feminina. Contratou o treinador da dupla medalhista de ouro – Vantuil – para gerir o treinamento de quatro atletas que poderiam vir a ser, num futuro próximo, também elas, campeãs internacionais. Esses treinos foram produzidos nas areias de Copacabana e, ao que parece, não frutificaram. Creio que a intenção foi mais dar trabalho ao treinador do que propriamente realizar um trabalho planejado e eficiente. Não durou muito. Quatro anos depois, neste mesmo programa, a entidade convidou a treinadora de vôlei de praia da dupla vice-campeã olímpica em Sydney, Letícia Pessoa, para proceder a esta tão esperada e necessária renovação. Seriam criados (aproveitados) quatro ou cinco centros de treinamento em diversas cidades, as respectivas federações indicariam os seus treinadores e estes comporiam a equipe de trabalho. Quem já estiver trabalhando no segmento terá a preferência, pois existem muitos treinadores de vôlei de praia espalhados pelo país.        

Em 14 de janeiro de 2001, a CBV divulgou as bases de um Programa para produzir novas atletas no setor feminino, pois achava que no masculino já existia uma renovação que se produz espontaneamente ou, ainda, é fruto do sacrifício dos jogadores: “É bem possível que possam ‘se virar sozinhos’, os prêmios são bastante generosos e os resultados internacionais são satisfatórios”. Apesar de tudo, o vôlei de praia masculino só conseguiu uma única medalha (de prata) em duas Olimpíadas. Para evitar que os atletas que não disputam o circuito mundial fiquem completamente parados durante o recesso do Circuito Banco do Brasil, de maio a setembro, a entidade incentivou as federações a promoverem torneios regionais. Além disso, junto a cada etapa do circuito, o Banco do Brasil está promovendo escolinhas em conjunto com as federações locais. Uma semana antes do início da competição, professores indicados pela federação reúnem as crianças na arena e ensinam os fundamentos básicos. Segundo apregoam, cerca de 400 (sic) crianças estariam participando em cada evento. Uma deslavada mentira, com o intuito de formar (falsa) opinião.     

Planejando o Futuro. Como deveria ser um Programa de incentivo à prática do voleibol na praia? A “receita” da CBV nunca funcionou e espera-se que, se houver interesse, seja programada por quem entende do assunto, ou pelo menos, que possua experiência nesse sentido. Não se produz atletas da noite para o dia como o pão na padaria da esquina. Enquanto forem imediatistas, só por sorte conseguirão alguma coisa.  Recordo-me que logo após os Jogos Olímpicos em Atlanta -1ª participação oficial do vôlei de praia – a Federação do Rio de Janeiro buscava soluções para incrementar o voleibol no Estado e para tanto, emitiu convite a alguns treinadores para comporem o seu Conselho de Treinadores. Não teve sucesso, mas em seguida, recebeu a ajuda graciosa de Sami Mehlinsky, antigo treinador inclusive de seleções brasileiras e prestador de serviços à Confederação. Também foi infrutífera sua colaboração. E, a partir daí, um esvaziamento total no voleibol carioca e estadual. E, pior, até hoje á Federação ostenta o mesmo quadro de dirigentes.      

A mesmice, a repetição dos fatos traduz-se ambas em uma prolongada estagnação que o tempo não perdoa.

Futebol e Voleibol na Praia

Foto: Wallace Teixeira/Photocamera/Divulgação.

Com desfalques, Flu treina na praia e ganha apoio de multidão
Rodrigo Viga, 12 de outubro de 2010.       

Deu no Terra. “Apoiado por quase 500 torcedores, o Fluminense treinou nesta terça-feira na Praia do Leme, zona sul do Rio de Janeiro, em busca da reação no Campeonato Brasileiro. Os fãs que compareceram à atividade tietaram os jogadores e manifestaram palavras de apoio, apesar de o time perdido a liderança para o Cruzeiro”.   

Futebol vs. Voleibol.  Teria eu ficado louco ou muito distraído para vincular a notícia acima num site de voleibol? O que estaria acontecendo? Qual a relação entre a preparação física de uma equipe de futebol profissional e o voleibol?  Inicialmente podemos pensar em “esporte, exercícios, areia, voleibol de praia.” Mas o que de fato quero destacar é a importância da presença do público aos treinos e o que representa para o atleta.          

Treinamento do Vôlei na Praia. Tive a oportunidade de ser um dos chamados “Rato de Praia”, uma bem conceituada e carinhosa indicação para o indivíduo que tem intimidade com a areia por frequentá-la a todo instante, isto é, estar sempre na praia a praticar o voleibol. Não confundir com os novos frequentadores, profissionais do ramo, que só o fazem motivados pelos prêmios em dinheiro que o patrocinador oferece. Não. Antes de o Banco do Brasil dar os primeiros passos no final de 1991, há muito se jogava na praia com outra motivação e “espírito”. Jogava-se por puro divertimento, descompromissadamente, com alegria. Tenho registros de jogos na praia que datam de 1939 e o leitor poderá ver em “História do Voleibol, Voleibol de Praia.”            

Situação dos atletas. No Brasil, e até na Suécia, os novos profissionais das areias já foram confundidos pela comunidade a que pertencem como vagabundos, no sentido de que largam estudos e trabalho para se dedicarem exclusivamente à nova profissão. Vejam o texto extraído do noticiário jornalístico por volta de 1999: “O sueco Tom Englen, originário do vôlei de quadra como a maioria dos jogadores, acredita que a possibilidade de ser um bom atleta com estatura mediana ajuda a aumentar o interesse pelo vôlei de praia. O Roberto Lopes é um dos melhores do mundo e tem 1,85m. No vôlei tradicional isso seria impossível, compara. Mas ele e seu parceiro, Petersen, ainda lutam para tirar do esporte o estigma de jogo de vagabundos, que insistem em lhes dar na Suécia”.           

Ana Paula salta enquanto Shelda observa. Foto: Fivb Beach Volleyball Partinership Opportunities 2010.

Treinamento com público. Tenho certeza de que não há maior motivação para um atleta do que estar sendo visto por outros olhos quando está a se exercitar. Em academias há o recurso perigoso dos espelhos e a companhia de outros clientes. No voleibol indoor, dificilmente alguém se detém para assistir aos treinos de uma equipe. E se colhermos a opinião dos atletas, todos concordarão que a monotonia é um fator psicológico a ser vencido. Os  treinadores mais antigos possivelmente não consideravam esse fator, até mesmo porque não tinham o famoso “tempo” (serve como desculpas até hoje) e tão pouco recursos. Certa feita, foi antes de um Sul-Americano juvenil no Chile, a equipe nacional era treinada pelo Jorge Bettencourt (Jorginho), meu amigo do Botafogo. Pedi-lhe para realizar um treino demonstração em um educandário de Niterói. Nesta época lembro que faziam parte da equipe Renato Villarinho, Xandó e Renam. Foi uma demonstração de como treinava uma equipe de alto nível e, em seguida, distribui entre os alunos papel e caneta para que, quando autorizados, colhessem autógrafos dos jogadores. Foi uma verdadeira festa para a criançada e, tenho certeza, uma quebra da monotonia de tantos treinos do selecionado. Houve uma mudança de ambiente e uma novidade para todos – atletas e alunos.      

Muitos anos se passaram para que me dispusesse a realizar treinos com duplas de praia em Icaraí, onde resido. Considerei o desgaste nervoso como um dos obstáculos a vencer, pois as sessões eram diárias (6 vezes na semana) e com horários bem sacrificantes (9h às 12h). A parte física era à tarde, em academias, por conta exclusiva dos atletas. A escolha do local também favoreceu ao que tinha em mente, isto é, aproximar os atletas do público passante no calçadão da praia, por onde sempre desfilam milhares de pessoas realizando suas caminhadas matinais. Fora o fluxo de veículos, descomunal.     

Meus objetivos foram atingidos, não só porque me utilizava de uma série de equipamentos não convencionais, como também tornei a pequena arena em um ponto de atração diário. Os passantes reduziam o seu ritmo de caminhada, ou até mesmo paravam por instantes para apreciarem o que se desenrolava. Vez por outra me consultavam sobre a possibilidade de inscrever um novo candidato. Interessante notar que, anos a seguir, quando inclui duas moças aos treinos, a procura pelo ingresso foi bem maior. Em resumo, fui pioneiro ali de um Centro de Treinamento de Duplas de Praia que mais tarde e até hoje, inspirou outros professores e treinadores.       

Voltarei ao assunto após obter depoimentos daqueles atletas que estiveram comigo durante um bom tempo. Veremos como após tantos anos aqueles nossos encontros contribuíram para a edificação de suas vidas. Como sabem, minha preocupação maior sempre foi Educar e não o treinamento – adestramento – do voleibol. Até lá e aguardem!