O Sentido Pedagógico da Atitude (parte III)

Ilustração: Beto Pimentel.

 Como despertar a atenção e o interesse nas crianças

 (com base em A Educação pelo Movimento, J. Le Boulch)

“O sentido biológico da atitude se revela melhor quando se leva em conta as necessidades que lhe deram origem. Quanto mais complexo é o organismo tanto mais diversa e sutil é a forma das suas relações recíprocas com o meio, tanto mais elevadas são as formas que assumem o seu comportamento. E a principal complexidade que difere o comportamento dos animais superiores é a superposição da chamada experiência individual ou dos reflexos condicionados à experiência inata ou hereditária.

Na composição do comportamento do homem é difícil que 0,01% de todas as reações pertença ao número de reações inatas não afetadas por quaisquer influências individuais da experiência pessoal. O sentido biológico dessa superposição consiste na chamada adaptação prévia ou por sinais do organismo à ocorrência de acontecimentos que ainda não existem mais por determinados indícios devem forçosamente ocorrer. A forma por sinais ou prévia de adaptação a futuras mudanças do meio em suas modalidades superiores transforma-se em reações da atenção ou da atitude, ou seja, está relacionada por via reflexa a impulsos de reações que levam o organismo a um estado preparatório mais aperfeiçoado. Do ponto de vista psicológico a atitude pode ser definida como expectativa do futuro, como meio que permite ao organismo reagir com os movimentos adequados não no próprio momento da chegada do perigo, mas em sua aproximação distante, na luta do corpo pela sobrevivência.

Pode-se dizer que a atitude é a primeira condição graças à qual se cria a possibilidade para influenciar pedagogicamente a criança. Alguns pedagogos reduzem o processo da educação à elaboração de certas formas de atitude, por considerarem que toda educação é antes de tudo a educação da atenção e distinguirem as diferentes modalidades de educação apenas pela natureza daquelas atitudes que devem ser elaboradas. Assinalamos que no processo de educação não operamos com movimentos e atos, mas com a elaboração de habilidade e hábitos para uma futura ação sobre a realidade. Sendo assim, nossa tarefa não é provocar essas ou aquelas reações em si, mas apenas educar as devidas atitudes”.

Isto nada mais é do que propor à criança alguma tarefa e deixá-la livremente tatear na busca de soluções. Ao mestre, acompanhar este desenvolvimento e estar sempre próximo em sua assistência, sem jamais indicar-lhe as soluções.

Conversa com um Professor

Mensagem de um internauta

Estou feliz e orgulhoso pela oportunidade que me oferece de poder conversar um pouco com você a respeito de nossa atividade – o aprendizado do Movimento – que realizamos através e para o voleibol.

Técnicos de Voleibol. A formação de um técnico em voleibol visa tão somente desenvolver indivíduos para aquele esporte. Na minha visão, o professor tem uma missão muito ampliada e que não é percebida ou valorizada pela sociedade. Calcado nesta premissa, dei início á divulgação de uma metodologia que contempla um repertório de exercícios que ajudam o educador no início da aplicação do método. Esses exercícios jamais devem ter o significado imperativo de um programa e podem ainda ser questionados em consequência de outras experimentações. Entretanto, mais que os exercícios em si, é seu significado e alcance que estão em jogo e que gostaria de precisar, garantindo a cada educador encontrar sozinho os meios adaptados a seus diferentes grupos de alunos, às suas condições de trabalho e à sua própria personalidade. Em contrapartida, o que é passado nos atuais cursos de voleibol são informações e conhecimentos “estáticos” pouco digeridos pelos futuros técnicos que, à medida de seus sucessos esportivos, tornam-se auto-suficientes.

Para estar sempre aprendendo a ensinar é necessária uma busca incessante pelo conhecimento. A criança não é um adulto em miniatura. Cabe ao seu educador proporcionar ao grupo condições para experiências levando em conta seus interesses. E, na forma de realizar essa tarefa, cumpre observar que as explicações, as demonstrações, nem sempre ajudam a criança, mas ao contrário, perturbam-na e limitam sua própria experiência. O tatear experimental é, então, uma aplicação desse princípio pedagógico fundamental.

Trabalho de Base e Formação. Acredito que a educação pelo movimento assumirá o seu verdadeiro lugar na escola primária quando o professor se der conta de que ela permite, associada a outros meios educativos, uma aprendizagem mais facilitada do “saber fazer”. Estamos trabalhando nesta convergência. Temos projetos para secretarias de educação focados para a realização dessas pesquisas no Ensino Fundamental que pode ser implementado imediatamente, passando pela formação dos mestres e educadores em geral. Será necessário, além de um curso inicial, um acompanhamento durante o ano letivo. Paralelamente, desenvolvendo outros projetos em áreas comunitárias (praia, praças etc.) contemplando 300 crianças de 8-13 anos de idade. Ambos podem estar interligados, complementando-se na divulgação da nova metodologia. Tudo isto fazendo parte da missão do Centro de Referência de Iniciação Esportiva – CRIE que já lançamos, uma experiência inédita no País. O Procrie tem propostas vanguardistas e independentes. Propõe-se à pesquisa e busca de metodologias que nos auxiliem na difícil tarefa de educar pelo movimento.

O Futuro do Esporte. Parece-nos que tudo tem início na formação do educador, seja ele mestre, técnico, instrutor ou leigo. A partir de seus conhecimentos – não de resultados competitivos ou de modelos copiados – ele poderá conduzir o seu grupo através de técnicas pedagógicas mais adequadas. O trabalho não deverá ter um significado imperativo de programa. São apenas sugestões a serem trabalhadas na fase escolar permitindo ao educador encontrar, ele mesmo, os meios adaptados para cada criança ou para um grupo de alunos, sempre respeitando suas condições de trabalho e sua própria personalidade. Nessas condições, VOCÊ estará auxiliando e contribuindo na construção de descobertas e avanços na área. FAÇA PARTE DESSE TIME. Entre para o CRIE!

Vôlei para homens

– “A quantidade de alunos na divisão masculina é o nosso maior problema, pois a maior parte em nosso estado faz futsal e natação, então só conseguimos dois níveis no masculino”.

– Cada região desse extenso País tem suas características culturais. É bem possível que a não aceitação do voleibol esteja nessas raízes. Verifique como era no passado e indague a respeito, especialmente nas áreas mais pobres. Lembre-se do que dizem os MACHISTAS: “futebol é para homem!” São pequeninas grandes coisas que dificultam um avanço. Como é do local, tenho certeza de que poderá realizar uma pesquisa nesse sentido e, descobertas as causas, sugerir e implementar mudanças, sem radicalizar. Imagino que nada melhor para atrair HOMEM do que uma MULHER. Assim, proceda a uma co-educação, desenvolva trabalhos, inclusive sociais – festas, bailes, teatro, cinema – com a participação de meninos e meninas. Valorize a participação deles e consiga que sejam arautos das suas realizações. O esporte será uma consequência. Aqui no Rio de Janeiro também a participação das meninas é muito grande, em torno de 85% de qualquer curso aberto ao público. Seria interessante criar formas de atraí-los. Uma delas consiste em proceder a DESAFIOS. Daí a importância de uma boa educação escolar, com turmas mistas e jogos entre meninos e meninas participando igualmente.

Exercícios (IV) – Memória e Ensino Esportivo

Memória, Emoção, Interesse

(Calcado em Psicologia pedagógica, L. S. Vigotski; Revista Veja, 13.1.2010)

Lembre-se: sem memória não há aprendizagem. Conhecendo como o cérebro guarda informações você vai ajudar os alunos a fixar os conteúdos estudados em classe.

Como a memória funciona? “Somos aquilo que recordamos”, conceitua Iván Izquierdo, professor de Neuroquímica da UFRS. Ele dá um exemplo: nenhum texto é compreendido se não se lembra o significado das palavras e a estrutura do idioma utilizado. Tudo isso precisa estar registrado no cérebro para ser resgatado no momento oportuno. A memória, enfatiza Elvira Lima, é a reprodução mental das experiências captadas pelo corpo por meio dos movimentos e dos sentidos. Essas representações são evocadas na hora de executar atividades, tomar decisões e resolver problemas, na escola e na vida.

Não existe memória sem emoção. O português António Damásio, de 65 anos, é considerado um dos neurocientistas mais respeitados da atualidade. Ele modificou a compreensão que se tem da biologia das emoções e de como elas se relacionam com a memória. Em sua entrevista à Veja (13.1.2010), destacou: “A emoção modula constantemente a forma como os dados e os acontecimentos são guardados na memória. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à memória para pessoas e para as características relacionadas a elas. Afinal de contas, a sociabilidade faz parte da nossa memória genética, com a qual nascemos e que é resultado de milhões de anos de evolução. 

Como as emoções controlam a memorização?  Grande parte de nossas decisões é tomada de maneira mais ou menos automática e inconsciente. Esse processo é guiado pelo valor que se dá às diversas experiências do passado. Por exemplo, se eu conheço uma pessoa que desperta boas emoções em mim, toda vez que eu a encontrar vou reviver uma memória que se divide em dois aspectos: o cognitivo (saber quem é a pessoa) e o emocional (é alguém de quem se gosta). Tais aspectos guiam a forma como conduzimos a relação com os outros. Não há memória ou tomadas de decisão neutras, sem emoção. Hoje já se sabe até em que regiões do cérebro as emoções são processadas”.

O Interesse. Os estudos da memória mostraram que ela funciona de modo mais intenso e melhor naqueles casos em que é envolvida e orientada por certo interesse. Toda pessoa sabe que efeito inusitadamente aumentativo exerce o interesse sobre o psiquismo. O  interesse é um envolvimento interior que orienta todas as nossas forças no sentido do estudo de um objeto. Diz-se, então, que o interesse produz o mesmo efeito preparatório sobre o nosso organismo durante a assimilação de uma nova reação. Tudo consiste principalmente em assimilar bem como coordenar sempre o interesse com a memorização. Se um mestre quer que algo seja bem assimilado deve preocupar-se em torná-lo interessante. Assim, produzi farta variedade de materiais que me permitiram sempre tornar as aulas atraentes e prazerosas para os pequenos, tais como, paraquedas, biruta, bolas de tênis, puçás, petecas, bambolês, cestas de basquete etc.

2. Detalhes que fazem a diferença. Numa das aulas de apresentação da metodologia que emprego observei alguns pequenos detalhes que revelam quase sempre a conduta pedagógica do estabelecimento. Nos momentos que antecederam uma de minhas apresentações num colégio, reparei o deslocamento quase militar dos 24 alunos sob a batuta de um dos professores de educação física. Até a entrega do grupo no ginásio onde realizaríamos a apresentação foi um silêncio constrangedor, em se tratando de crianças de 12-13 anos de idade. Após as devidas apresentações e com a presença da diretora do educandário, iniciamos a aula. Procedeu-se a uma mudança brutal de comportamento, uma vez que os concitei a produzirem uma algazarra com movimentos livres com a bola que cada um recebeu. Aos gritos, lançavam-nas ao alto, deixavam quicar no solo, entreolhavam-se sorrindo; dando sequência, sugeria outros movimentos buscando a espontaneidade de gestos, o que lhes parecia o paraíso. A seguir introduzi novos elementos. No entanto, não pude deixar de notar, havia uma única menina na arquibancada, muito agasalhada para o calor reinante. Inicialmente, sentara-se distante (5-6 degraus acima). Convidei-a para participar mesmo sem o uniforme de ginástica, mas declinou gentilmente. A aula continuava agitadíssima e em dado momento pude ouvir um dos maiores elogios que um professor poderia receber por seu trabalho, ainda mais vindo de aluno que conhecera naquele instante. En passant, disse um para o outro: “Puxa, assim que tinham que ser as aulas de educação física do colégio”! Sem perder a pose continuei meu trabalho e, mais uma vez, meu olhar posou na mesma menina da arquibancada que, agora, estava à beira da quadra e pude observar seu semblante de alegria e fervorosa vontade de estar ali brincando com os demais. Diante de novo convite discreto, disse-me: “Não posso participar, estou sem uniforme do colégio” (o casaco era sua proteção). Ao que retruquei: “Venha assim mesmo”! Não resistiu e imiscuiu-se entre os colegas, divertindo-se a valer. Buscam-se técnicas pedagógicas que possam atrair todas as crianças no processo de aprendizagem, independentemente da diferença de caráter, inteligência ou meio social, lembrando que o conteúdo estudado no meio escolar deverá estar relacionado às condições reais de seus alunos. Relembre o que foi relatado em minhas vivências no Morro do Cantagalo postado sob o título “Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem”. Uma regra escolar para favorecer o crescimento do aluno e sua liberdade (relativa) deveria ser a execução de uma atividade envolvente, o que o torna automaticamente disciplinado. Esta liberdade pode ser vista como a possibilidade do ser humano vencer obstáculos.

Em outro educandário público acompanhei atentamente o recreio dos alunos ao lado do seu diretor. Observamos as atividades livres e constatamos a irreverência e, às vezes, violência, entre os estudantes de ambos os sexos, todos já adolescentes. Estava levando proposta da prática livre do voleibol através das mini quadras – como realizado no Colégio Salesianos – que se justificariam pelo simples fato de dar atividade “disciplinadora” (segundo regras aceitas) ao grupo. Infelizmente, preguei no deserto.

2. Atitude racional. O papel seguinte do interesse consiste na “função unificadora que ele exerce em relação aos diferentes elementos da assimilação do material”. O interesse cria um encaminhamento permanente no curso da acumulação da memorização e acaba sendo um órgão de seleção em termos de escolha das impressões e sua união em um todo único. Por isso, é de suma importância o papel desempenhado pela atitude racional da memorização em função do interesse. Os psicólogos chamam esse processo de “influência da atitude diferencial nas experiências de memorização”. A experiência comprova que os resultados da memorização dependem, em enormes proporções, da instrução dada no início da experiência. Na instrução explica-se ao experimentando o que se exige dele, que objetivos ele deve colocar diante da sua memorização, por que verificação ele irá passar, e em função disto surge uma série de reações de atitude que se traduzem na adaptação da memorização aos objetivos da aprendizagem de memória. Isso nos convence ainda mais de que a memória é apenas uma das modalidades de atividade, uma das formas de comportamento.

A teoria piagetiana nos diz também que, ao organizar seus conhecimentos visando à sua adaptação, o indivíduo interage com a realidade promovendo uma modificação progressiva dos esquemas de assimilação. São vários (4) estágios que evoluem como uma espiral, de modo que cada estágio engloba o anterior e o amplia.

3. Tatear experimental. “Uma opinião frequentemente expressa revela que a melhor forma de aprender alguma coisa é descobri-la por si próprio. Lichtenberg (físico alemão do séc. XVIII) acrescenta um aspecto importante: aquilo que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um caminho na mente (memória) que se pode percorrer novamente sempre que se tiver necessidade“.

Aos 16-17 anos, ainda cursando o ginásio (atual 2º grau), lancei um desafio para mim mesmo: deveria lançar a bola de basquete de uma cesta à outra. Meus conhecimentos desse esporte eram rudimentares, pois apenas competira na categoria infantil por um clube da cidade durante no máximo 2 anos. Na escola, apenas praticava nas esparsas aulas de educação física, sem qualquer orientação: o professor distribuía as bolas para a prática de futebol e basquete, e quem não quisesse, simplesmente estava dispensado da aula. Assim, como criara o objetivo, pus-me a pensar como poderia fazê-lo. E, incrível, consegui! Imagino que a cada tentativa alguns obstáculos eram superados e novas conquistas alcançadas. O caminho que estava traçado foi percorrido com os meus próprios passos. Creio que, principalmente em se tratando de crianças, o caminho da ludicidade seja o mais natural e confortável para um profícuo aprendizado. Considere-se que através de brincadeiras e de pequenos desafios são possíveis avanços consideráveis em qualquer atividade.

4. Caminhos pedagógicos, uma aula sem o professor. Ocorreu em 1981, com a equipe principal masculina de voleibol América F. C., do Rio de Janeiro. Treinávamos três vezes por semana e, nesta época, tinha a companhia de um amigo, também professor, que se atualizava acompanhando-me nos treinos e jogos. Aconteceu que não poderia comparecer ao treino de um sábado. De véspera, combinei com todo o grupo o que deveriam realizar e despedi-me, confiante de que tudo aconteceria como planejado. Diga-se de passagem, para os cariocas os sábados e domingos são consagrados à praia. Na semana seguinte, ouvi o relato do meu amigo que, não acreditando que se realizaria o treino sem a minha presença, esteve no clube: “Queria ver com os próprios olhos”, pois não acreditava que fossem comparecer. E, inacreditável! Não só estavam todos lá, como o treino transcorreu em alto nível e de maneira intensa. Sempre que possível transformava os treinos numa alegria só, inclusive atraindo olhares de jovens e outros associados que se encantavam com a algazarra e diabruras dos grandalhões. A intensidade teve que ser comedida dada a total entrega dos rapazes. E mais, o comportamento social e técnico do grupo atingiu níveis espetaculares a tempo de serem contemplados com elogios dos próprios adversários – técnicos e atletas.

Esse exemplo impõe uma conclusão pedagógica de suma importância sobre a necessidade de os alunos conscientizarem os objetivos da aprendizagem de memória e aquelas exigências que lhes serão apresentadas. O pecado principal da nossa velha escola não consistia em que nela houvesse pouca aprendizagem de memória, mas que esta aprendizagem era feita no sentido desnecessário e estéril, ou seja, seu objetivo foi sempre responder ao professor nas provas finais, toda a aprendizagem de memória estava adaptada apenas a isto e não se prestava a outros fins. Será que os exercícios produzidos para treinamento esportivo são puramente “reforços” (repetição) ou contém algum propósito de desenvolvimento e desafio? Qual o nível de exigência?

Exagerando um pouco, pode-se dizer que a atual pedagogia gira em torno de como conseguir que o papel do professor se aproxime o mais possível de zero. Assim, em vez de desempenhar o papel de motor e elemento da engrenagem pedagógica tudo passe a se basear em seu papel de organizador do meio social.

5. Colorido emocional. O último elemento a orientar a memória é o colorido emocional do que foi memorizado (Abertura deste artigo). As experiências mostraram que as palavras que estão vinculadas a algumas vivências melhores são decoradas bem mais facilmente do que aquelas emocionalmente indiferentes. Descobriu-se que a nossa memória retém com mais frequência os elementos coloridos por uma reação emocional positiva. Nisso parece manifestar-se a aspiração biológica do organismo de reter e reproduzir vivências relacionadas ao prazer. Daí tornar-se regra pedagógica a exigência de certa emocionalidade através da qual deve-se por em prática todo o material pedagógico. O mestre deve ter sempre a preocupação de preparar as respectivas potencialidades não só da mente como também do sentimento. Não devemos nos esquecer de atingir o sentimento do aluno quando queremos enraizar alguma coisa na sua mente. Dizemos frequentemente: ”Eu me lembro disso porque isso me impressionou na infância”.

Ensino Crítico

Aula com amor?

“É interessante conhecer a criança em outro contexto. Assim, aprendo com elas como interagir”. (D. Wood) 

Copiar e Criar, Reflexão na Ação, Tatear Experimental 

Quando digo que me faço criança durante a aula, forçosamente há uma entrega total, apenas limitada por aspectos pedagógicos que tenho a cumprir para melhor servi-las. Aqui reside a intimidade com o fazer e a experiência intrínseca que me leva a novos experimentos segundo minha intuição ou repentes, insights ou como isto se possa chamar. Relembro o que foi consignado a respeito de minhas aulas: aula com amor e entrega total.

Ensino crítico

“Através do tatear experimental e da possibilidade de relatar as próprias vivências, as crianças desenvolvem sua autonomia, seu juízo crítico e sua responsabilidade. Para Freinet[1], a escola tradicional é inimiga do ‘tatear experimental’, fechada, contrária à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança”.

Copiar ou criar?

Um alerta para quem deseja mais do que reproduzir, mas inventar. “O ensino crítico nada mais é do que os educadores chamam de rebeldia intelectual: contestar sempre as verdades estabelecidas, princípio básico da pedagogia moderna. O bom educador deve ensinar a seus alunos a olhar sempre com uma ponta de desconfiança aquilo em que todos acreditam e dar uma ponta de crédito a idéias ou projetos que todos desmerecem. Ninguém inventa nada se for servil ao conhecimento passado”. (Desconhecido)

Na considerada melhor e mais bem equipada escola para crianças de Florianópolis (SC), fui convidado a realizar uma aula de demonstração da metodologia que emprego. O convite surgiu devido à necessidade que alguns professores tinham de mostrar algo diferenciado aos demais colegas para evoluírem no ensino em contraponto ao que vinham realizando. Deveriam ser muitos os alunos, mas por dificuldade interna foram disponibilizados apenas 16 alunos. Assistindo a aula, uma das diretoras pedagógicas, um motorista da escola, uma aluna de Educação Física que se encantara na véspera com a demonstração que eu fizera na Universidade Estadual (UDESC), a titular da cadeira de Voleibol desta Universidade, e três professores da própria escola.

A aula transcorreu como sempre faço e devido à expectativa dos organizadores, foi registrada em vídeo e fotografada. Além disso, como considerei precário o número de alunos, inseri todas as pessoas presentes nos pequenos jogos. Em suma, TODOS sem exceção participaram ativamente da aula com as crianças. Ao final, a maior das recompensas. Algumas alunas indagaram-me: “Você não quer ser nosso professor de educação física”? Como a apresentação se destinava a mostrar o meu trabalho com crianças, decepcionei-me por não procedermos à chamada reflexão-na-ação com os professores presentes. O debate seria bem edificante, mas percebe-se sua ausência no processo de formação daqueles docentes. Gostaria de formular algumas indagações que não foram devidamente avaliadas, como:

  • O que teria agradado tanto aquelas crianças?
  • Por que os adultos também se entregaram tanto na aula?
  • Que transformações a realizar no próprio educandário?

Mais tarde, ao conduzir-me à casa, o Coordenador da escola deixou escapar uma indagação curiosa e sutil: “Notei que se produziu em você um grande desgaste físico, tal foi sua entrega durante a aula. Se fosse o professor da escola e tivesse que realizar outras aulas em seguida, como procederia? Teria o mesmo empenho e resistência? Respondi-lhe: “Se fosse o professor daquelas crianças, eu as conheceria e elas a mim; assim, muito rapidamente, conseguiria produzir aulas com a ajuda delas e mínima interferência minha. E mais: foi uma pena o ginásio não estar repleto delas. Mas isto é tema para um curso.

Copiar pode ser perigoso

Creio que o ano era de 1978; convidei a seleção brasileira juvenil masculina em preparativos para mais um Sul-Americano para realizar um treino em educandário de Niterói. A CBV tinha dificuldades em conseguir ginásio e seria uma forma de incentivar o esporte escolar. Era técnico o meu amigo Jorge de Mello Bettencourt (Jorginho) e entre outros, a equipe contava com Renan e Xandó, ainda desconhecidos do público. Tudo transcorreu normalmente e os alunos aplaudiram o treino, colheram autógrafos e tiraram muitas fotos. Para os atletas, uma boa novidade, “treinar com público” jovem sempre dá novo ânimo e quebra a rotina estafante da repetição de exercícios. Entretanto, passados alguns dias do evento, as alunas da equipe escolar foram surpreendidas com uma mudança radical no comportamento do professor responsável pela equipe de vólei: os exercícios vistos naquelas apresentações foram incorporados e aplicados sem cerimônia nas pequenas atletas. Felizmente, não por muito tempo! Copiar não significa estar atualizado.


[1] Celestin Freinet (1896 – 1966) pedagogo francês importante reformador da pedagogia de sua época, cujas propostas continuam uma grande referência para a educação nos dias atuais.

Memória e Ensino Esportivo

Palavras-chave (tags): Memória e Aprendizagem – Emoção. Interesse – Atitude Racional – Tatear Experimental.

 

Lembre-se: sem memória não há aprendizagem. Conhecendo como o cérebro guarda informações você vai ajudar os alunos a fixar os conteúdos estudados em classe.

Como a memória funciona? “Somos aquilo que recordamos”, conceitua Iván Izquierdo, professor de Neuroquímica da UFRS. Ele dá um exemplo: nenhum texto é compreendido se não se lembra o significado das palavras e a estrutura do idioma utilizado. Tudo isso precisa estar registrado no cérebro para ser resgatado no momento oportuno. A memória, enfatiza Elvira Lima, é a reprodução mental das experiências captadas pelo corpo por meio dos movimentos e dos sentidos. Essas representações são evocadas na hora de executar atividades, tomar decisões e resolver problemas, na escola e na vida. Veja o texto completo no site “Educar para crescer”: http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/memoria-aprendizagem

Não existe memória sem emoção. O português António Damásio, de 65 anos, é considerado um dos neurocientistas mais respeitados da atualidade. Ele modificou a compreensão que se tem da biologia das emoções e de como elas se relacionam com a memória. Em sua entrevista à Veja (13.1.2010), destacou: “A emoção modula constantemente a forma como os dados e os acontecimentos são guardados na memória. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à memória para pessoas e para as características relacionadas a elas. Afinal de contas, a sociabilidade faz parte da nossa memória genética, com a qual nascemos e que é resultado de milhões de anos de evolução.

Como as emoções controlam a memorização?  Grande parte de nossas decisões é tomada de maneira mais ou menos automática e inconsciente. Esse processo é guiado pelo valor que se dá às diversas experiências do passado. Por exemplo, se eu conheço uma pessoa que desperta boas emoções em mim, toda vez que eu a encontrar vou reviver uma memória que se divide em dois aspectos: o cognitivo (saber quem é a pessoa) e o emocional (é alguém de quem se gosta). Tais aspectos guiam a forma como conduzimos a relação com os outros. Não há memória ou tomadas de decisão neutras, sem emoção. Hoje já se sabe até em que regiões do cérebro as emoções são processadas”.

O Interesse. Os estudos da memória mostraram que ela funciona de modo mais intenso e melhor naqueles casos em que é envolvida e orientada por certo interesse. Toda pessoa sabe que efeito inusitadamente aumentativo exerce o interesse sobre o psiquismo. O  interesse é um envolvimento interior que orienta todas as nossas forças no sentido do estudo de um objeto. Diz-se, então, que o interesse produz o mesmo efeito preparatório sobre o nosso organismo durante a assimilação de uma nova reação. Tudo consiste principalmente em assimilar bem como coordenar sempre o interesse com a memorização. Se um mestre quer que algo seja bem assimilado deve preocupar-se em torná-lo interessante. Assim, produzi farta variedade de materiais que me permitiram sempre tornar as aulas atraentes e prazerosas para os pequenos, tais como, paraquedas, biruta, bolas de tênis, puçás, petecas, bambolês, cestas de basquete etc.

2. Detalhes que fazem a diferença. Numa das aulas de apresentação da metodologia que emprego, observei alguns pequenos detalhes que revelam quase sempre a conduta pedagógica do estabelecimento. Nos momentos que antecederam uma de minhas apresentações num colégio, reparei o deslocamento quase militar dos 24 alunos sob a batuta de um dos professores de educação física. Até a entrega do grupo no ginásio onde realizaríamos a apresentação foi um silêncio constrangedor, em se tratando de crianças de 12-13 anos de idade. Após as devidas apresentações e com a presença da diretora do educandário, iniciamos a aula. Procedeu-se a uma mudança brutal de comportamento, uma vez que os concitei a produzirem uma algazarra com movimentos livres com a bola que cada um recebeu. Aos gritos, lançavam-nas ao alto, deixavam quicar no solo, entreolhavam-se sorrindo; dando sequência, sugeria outros movimentos buscando a espontaneidade de gestos, o que lhes parecia o paraíso. A seguir introduzi novos elementos. No entanto, não pude deixar de notar, havia uma única menina na arquibancada, muito agasalhada para o calor reinante. Inicialmente, sentara-se distante (5-6 degraus acima). Convidei-a para participar mesmo sem o uniforme de ginástica, mas declinou gentilmente. A aula continuava agitadíssima e em dado momento pude ouvir um dos maiores elogios que um professor poderia receber por seu trabalho, ainda mais vindo de aluno que conhecera naquele instante. En passant, disse um para o outro: “Puxa, assim que tinham que ser as aulas de educação física do colégio”! Sem perder a pose continuei meu trabalho e, mais uma vez, meu olhar posou na mesma menina da arquibancada que, agora, estava à beira da quadra e pude observar seu semblante de alegria e fervorosa vontade de estar ali brincando com os demais. Diante de novo convite discreto, disse-me: “Não posso participar, estou sem uniforme do colégio” (o casaco era sua proteção). Ao que retruquei: “Venha assim mesmo”! Não resistiu e imiscuiu-se entre os colegas, divertindo-se a valer.

Buscam-se técnicas pedagógicas que possam atrair todas as crianças no processo de aprendizagem, independentemente da diferença de caráter, inteligência ou meio social, lembrando que o conteúdo estudado no meio escolar deverá estar relacionado às condições reais de seus alunos. Relembre o que foi relatado em minhas vivências no Morro do Cantagalo postado sob o título “Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem”. Uma regra escolar para favorecer o crescimento do aluno e sua liberdade (relativa) deveria ser a execução de uma atividade envolvente, o que o torna automaticamente disciplinado. Esta liberdade pode ser vista como a possibilidade do ser humano vencer obstáculos.

Em outro educandário público acompanhei atentamente o recreio dos alunos ao lado do seu Diretor. Observamos as atividades livres e constatamos a irreverência e, às vezes, violência, entre os estudantes de ambos os sexos, todos já adolescentes. Estava levando proposta da prática livre do voleibol através das mini quadras – como realizado no Colégio Salesianos – que se justificariam pelo simples fato de dar atividade “disciplinadora” (segundo regras aceitas) ao grupo. Infelizmente, preguei no deserto.

2. Atitude racional. O papel seguinte do interesse consiste na “função unificadora que ele exerce em relação aos diferentes elementos da assimilação do material”. O interesse cria um encaminhamento permanente no curso da acumulação da memorização e acaba sendo um órgão de seleção em termos de escolha das impressões e sua união em um todo único. Por isso, é de suma importância o papel desempenhado pela atitude racional da memorização em função do interesse. Os psicólogos chamam esse processo de “influência da atitude diferencial nas experiências de memorização”. A experiência comprova que os resultados da memorização dependem, em enormes proporções, da instrução dada no início da experiência. Na instrução explica-se ao experimentando o que se exige dele, que objetivos ele deve colocar diante da sua memorização, porque verificação ele irá passar, e em função disto surge uma série de reações de atitude que se traduzem na adaptação da memorização aos objetivos da aprendizagem de memória. Isso nos convence ainda mais de que a memória é apenas uma das modalidades de atividade, uma das formas de comportamento.

A teoria piagetiana nos diz também que, ao organizar seus conhecimentos visando à sua adaptação, o indivíduo interage com a realidade promovendo uma modificação progressiva dos esquemas de assimilação. São vários (4) estágios que evoluem como uma espiral, de modo que cada estágio engloba o anterior e o amplia.

3. Tatear experimental. “Uma opinião frequentemente expressa revela que a melhor forma de aprender alguma coisa é descobri-la por si próprio. Lichtenberg (físico alemão do séc. XVIII) acrescenta um aspecto importante: aquilo que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um caminho na mente (memória) que se pode percorrer novamente sempre que se tiver necessidade“.

Aos 16-17 anos, ainda cursando o ginásio (atual 2º grau), lancei um desafio para mim mesmo: deveria lançar a bola de basquete de uma cesta à outra. Meus conhecimentos desse esporte eram rudimentares, pois apenas competira na categoria infantil por um clube da cidade durante no máximo 2 anos. Na escola, apenas praticava nas esparsas aulas de educação física, sem qualquer orientação: o professor distribuía as bolas para a prática de futebol e basquete, e quem não quisesse, simplesmente estava dispensado da aula. Assim, como criara o objetivo, pus-me a pensar como poderia fazê-lo. E, incrível, consegui! Imagino que a cada tentativa alguns obstáculos eram superados e novas conquistas alcançadas. O caminho que estava traçado foi percorrido com os meus próprios passos. Creio que, principalmente em se tratando de crianças, o caminho da ludicidade seja o mais natural e confortável para um profícuo aprendizado. Considere-se que através de brincadeiras e de pequenos desafios são possíveis avanços consideráveis em qualquer atividade.

4. Caminhos pedagógicos, uma aula sem o professor. Ocorreu em 1981, com a equipe principal masculina de voleibol América F. C., do Rio de Janeiro. Treinávamos três vezes por semana e, nesta época, tinha a companhia de um amigo, também professor, que se atualizava acompanhando-me nos treinos e jogos. Aconteceu que eu não poderia comparecer ao treino de um sábado. De véspera, combinei com todo o grupo o que deveriam realizar e despedi-me, confiante de que tudo aconteceria como planejado. Diga-se de passagem, para os cariocas os sábados e domingos são consagrados à praia. Na semana seguinte, ouvi o relato do meu amigo que, não acreditando que se realizaria o treino sem a minha presença, esteve no clube: “Queria ver com os próprios olhos”, pois não acreditava que fossem comparecer. E, inacreditável! Não só estavam todos lá, como o treino transcorreu em alto nível e de maneira intensa. Sempre que possível transformava os treinos numa alegria só, inclusive atraindo olhares de jovens e outros associados que se encantavam com a algazarra e diabruras dos grandalhões. A intensidade teve que ser comedida dada a total entrega dos rapazes. E mais, o comportamento social e técnico do grupo atingiu níveis espetaculares a tempo de serem contemplados com elogios dos próprios adversários – técnicos e atletas.

Esse exemplo impõe uma conclusão pedagógica de suma importância sobre a necessidade de os alunos conscientizarem os objetivos da aprendizagem de memória e aquelas exigências que lhes serão apresentadas. O pecado principal da nossa velha escola não consistia em que nela houvesse pouca aprendizagem de memória, mas que esta aprendizagem era feita no sentido desnecessário e estéril, ou seja, seu objetivo foi sempre responder ao professor nas provas finais, toda a aprendizagem de memória estava adaptada apenas a isto e não se prestava a outros fins. Será que os exercícios produzidos para treinamento esportivo são puramente “reforços” (repetição) ou contém algum propósito de desenvolvimento e desafio? Qual o nível de exigência?

Exagerando um pouco, pode-se dizer que a atual pedagogia gira em torno de como conseguir que o papel do professor se aproxime o mais possível de zero. Assim, em vez de desempenhar o papel de motor e elemento da engrenagem pedagógica tudo passe a se basear em seu papel de organizador do meio social.

5. Colorido emocional. O último elemento a orientar a memória é o colorido emocional do que foi memorizado (abertura desse artigo). As experiências mostraram que as palavras que estão vinculadas a algumas vivências melhores são decoradas bem mais facilmente do que aquelas emocionalmente indiferentes. Descobriu-se que a nossa memória retém com mais frequência os elementos coloridos por uma reação emocional positiva. Nisso parece manifestar-se a aspiração biológica do organismo de reter e reproduzir vivências relacionadas ao prazer. Daí tornar-se regra pedagógica a exigência de certa emocionalidade através da qual deve-se por em prática todo o material pedagógico. O mestre deve ter sempre a preocupação de preparar as respectivas potencialidades não só da mente como também do sentimento. Não devemos nos esquecer de atingir o sentimento do aluno quando queremos enraizar alguma coisa na sua mente. Dizemos frequentemente: ”Eu me lembro disso porque isso me impressionou na infância”.

(Psicologia pedagógica, L. S. Vigotski; Revista Veja, 13.1.2010)

Lições de um Projeto, Perspectivas de Aprendizagem (final)

Interação e Construção do Conhecimento

Como e em que circunstâncias a cooperação e a comunicação levam à construção conjunta de conhecimento e compreensão entre crianças?

Por entendermos que circunstâncias são elas mesmas indeterminadas ou indefinidas, e se associam ao tempo ou ao momento oportuno para estabelecer a maneira correta de agir (Aristóteles), passamos a criá-las no nosso pequeno “laboratório” (Morro do Cantagalo).
Em se tratando de grupo numeroso de aprendizes prefiro tratar este assunto na esfera da interação entre colegas e não propriamente com o professor. O alcance parece ser bem mais significativo, desde que se identifiquem lideranças capazes desse mister. Não é difícil descobri-las ou mesmo encorajá-las. Vejam o exemplo a seguir:
Descrição: exercício com uma biruta (uma adaptação do aparelho capaz de mostrar a direção do vento) e 24 bolas; metade do grupo se exercita e a outra metade auxilia na reposição de bolas. Após algum tempo de prática, troca de funções. O professor dita o ritmo das tarefas.
Tarefas: alunos colocados de um lado da quadra e a biruta do outro; o professor lança as bolas por cima da rede e os alunos (individualmente) lançam-na de toque para dentro da biruta (colocada do mesmo lado do professor). Segundo grupo colabora com presteza e velocidade na reposição das bolas em favor do ritmo dos ensaios.
Considerações: o simples fato de existir um alvo e ter sucesso nos arremessos era motivo suficiente para o regozijo dos alunos. A surpresa ficou por conta do grupo que ajudava na reposição das bolas que invariavelmente se espalhavam pelo ginásio. Com muita alegria dispuseram-se inteligentemente atrás e ao lado da biruta e recolhiam as bolas desperdiçadas; estas eram arremessadas pelo chão a um colega, próximo ao professor. Este, então, municiava os arremessadores. O empenho dos recolhedores de bola foi tamanho que mereceu elogios do mestre que, não desperdiçando a oportunidade, solicitou uma salva de palmas. Ao recomeçar o exercício com a troca de função dos grupos, fez-se um apelo para que tentassem superar os primeiros em “serviço ao próximo”. Nem seria preciso, tamanho o clima de camaradagem que se criou em torno de nossas brincadeiras. Confesso que nunca vi algo igual e lembro-me de ter-me emocionado com uma pequenina lágrima. Naquele breve instante, senti que me tornava amigo de todos. E mais ainda, afortunado por estar ali entre crianças tão espontâneas. Ao terminarmos, reunimo-nos e nos saudamos com uma grande salva de palmas e muitos gritos de alegria pelas brincadeiras. Então, a surpresa maior: “Indagados, avaliaram como melhor coisa a função de recolher as bolas”! Saí dali enriquecido…

Tatear experimental
Através do tatear e da possibilidade de relatar as próprias vivências, as crianças desenvolvem sua autonomia, seu juízo crítico e sua responsabilidade. Para muitos, a escola tradicional é inimiga desse método, permanecendo fechada, contrária à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança. Ao final de cada aula resumia o que foi realizado e lhes solicitava a confecção em casa de desenhos ou escritos sobre as atividades.
A aprendizagem por tentativas e erros representa um modo primitivo lento e às vezes ineficaz. Os imperativos sociais e a necessidade de chegar a resultados rápidos levam o educador a adotar uma atitude mais intervencionista, atraindo a atenção do aluno sobre tal ou qual aspecto particular do movimento. Para que este tipo de aprendizagem se torne eficaz: 1) deve-se voltar frequentemente à realização global a fim de que o indivíduo consolide suas aquisições; 2) é necessário partir dos automatismos naturais da criança, cujo desenvolvimento deve continuar global; 3) deve-se chamar a atenção para um só detalhe de cada vez.

Conceito de heurística
Define-se procedimento heurístico como um método de aproximação das soluções dos problemas, que não segue um percurso claro, mas se baseia na intuição e nas circunstâncias a fim de gerar conhecimento novo.

Intuição
Esta experiência transcorreu em outro dia, paralela ao desenvolvimento de uma das aulas, desprovida de qualquer programação prévia. Provavelmente, uma intuição, ou em bom português, deu-me na telha. E vejam quanto ensinamento retirei desta intuição.
Enquanto a aula transcorria normalmente, dediquei-me a três meninas de 4-5 anos de idade que se achavam no local e não inscritas para as atividades; uma delas inclusive portando chupeta na boca. O experimento consistiu em fornecer-lhes 12 bolas de tênis para lançamentos de variadas distâncias contra uma parede. Foram observados mais uma vez os três aspectos pertinentes à “instrução individualizada” assinalados anteriormente. Destaca-se aqui o papel do professor promovendo as interações entre as próprias crianças e os benefícios quando uma é ajudada por outra. (“Dois errados podem fazer um certo”)

1ª fase – Situação inicial: entregue as bolas houve disputa acirrada para conseguir o maior número para si (sentido de posse). Após alguns instantes propusemos nova tarefa: as crianças sentadas no solo em círculo, bolas no centro, cada uma retirava uma bola alternadamente. Ao final, constataram que possuíam o mesmo número de bolas e mostraram satisfação (ou resignação).
2ª fase – Preliminares da tarefa principal: de pé, a 2m-3m da parede, foi-lhes sugerido que arremessassem as bolas e as recuperassem. Aconteceu um tirambaço e profusão de dificuldades: bolas que se perdiam pelo ginásio, busca da bola da companheira, aproximação do alvo e, finalmente, perplexidade, pois não mais encontravam bolas para novos arremessos.
Comentário – Manter a posse das 4 bolas junto ao corpo, tendo a tarefa de arremessá-las constituiu-se no maior obstáculo nessa fase. A capacidade de regular o próprio pensamento e atividade, de reconhecer que a primeira coisa que vem à cabeça nem sempre é a correta, de buscar reformulações, simplificações e estimativas aproximadas da solução provável de um problema, são todas realizações intelectuais que nascem das interações entre novatos e indivíduos mais peritos. Com certeza, precisavam de ajuda. Revela informações importantes para uma avaliação do professor a respeito do intelecto dos alunos.

Método da gradação de ajuda, como ajudar?
O esquema vai da ajuda verbal geral. P. ex.: “Será que não há outro jeito”? Até a demonstração: “Olha o que acontece quando eu faço isto”! (Metáfora do andaime)
Quando se trabalha com crianças pertencentes a grupos de “baixa capacidade” e “terapêuticos”, descobre-se que suas atividades autorreguladores são insatisfatórias. Atribui-se a carência de tais habilidades a duas razões: pouco contato com indivíduos que as utilizam ou precisam de mais experiências que as outras crianças para aprender a executá-las. A autorregulação é atividade particular, invisível e inaudível. Para ajudar as crianças a descobrir como regular a própria atividade de resolução de problemas buscou-se externalizar o processo de autorregulação, como os de fazer perguntas para si mesmo, lembrar-se, procurar novos indícios, tentar ver o problema a partir de outro ângulo. Para tanto, representava-se esse tipo de processo enquanto resolviam-se problemas junto com as crianças. Aquilo que conseguiam realizar com um pouquinho de orientação de um perito era muito superior a seus esforços solitários. (David Wood)

3ª fase – Intervenção do professor: várias intervenções se sucederam a partir deste momento, o que levou as crianças a se autorregularem ao fim do exercício. A primeira foi colocar as bolas no chão, próximo aos pés. Depois, “Que tal tentar outro jeito”?
Outra dificuldade foi recuperar a bola: faziam-no com a ajuda de ambas as mãos e o tronco (abdome). Foi-lhes sugerido, com um mínimo de instrução, segurar uma bola em cada mão e arremessar uma delas. Desenvolveram-se, então, os primeiros ensaios para a apreensão correta com uma das mãos. Os lançamentos tornaram-se mais controlados (força e direção). As duas outras bolas naturalmente foram desprezadas. Assim, permitindo uma sequência razoável aos ensaios e de instrução em instrução (e pouca fala), chegamos aos arremessos com a mão esquerda (“a outra mão”).
Como diria Pavlov, “lancei apenas investigações objetivas, deixando de lado todo o subjetivo”.