Altas e Baixinhas, os Altos e Baixos da Seleção

Camila Brait. Fivb/Divulgação. Thaísa em ação. Fivb/Divulgação.

No século XX, dizia-se que voleibol era “para gente grande”. E “jogo para mulheres”! Parece que neste novo século a expressão perdeu sua validade. Você, o que acha?


 

Jogo é jogo; treino é treino

Renomados técnicos afirmam que os treinos devem refletir as situações de jogo, ou pelo menos se aproximar delas. E da sabedoria oriental, é nas derrotas que se aprende. Ao que parece, pode-se acrescentar que também nas vitórias devemos tirar lições preciosas, desde que aprendamos a olhar com olhos de ver.

Thaísa na frente, Camila Brait atrás

Estive lendo o comentário no UOL dessa data, de Bruno Voloch, em que destaco alguns trechos interessantes:

  • Thaísa mais uma vez brilhou. Thaísa novamente decidiu. Apareceu no terceiro set e resolveu. Não chega a ser nenhuma novidade, mas dessa vez a central brasileira se superou justamente por ter feito dois sets em tese quase sem pontuar. A jogadora foi decisiva a partir da metade do jogo no ataque e no bloqueio, marcou 23 pontos e foi a grande responsável pela virada da seleção diante dos Estados Unidos. Foi um ótimo teste para o Brasil que se viu em dificuldades em vários momentos do jogo.
  • A seleção mostrou poder de reação e contou com a ótima partida de Camila Brait no fundo. Segura no passe e perfeita na defesa.
  • Jaqueline sofreu com o bloqueio dos Estados Unidos. Garay idem.
  • Natália jogou boa parte do segundo set e foi mal.

Aprendendo com a vitória

Ainda que vencedoras as garotas brasileiras poderão se ilustrar para seu aprimoramento coletivo. Não assisti à partida, mas pelo breve relato do jornalista, dá para conjecturar a importância e cuidados nos treinamentos para que sejam evitados exemplos da natureza. Ou seja, uma equipe bicampeã olímpica depender em determinados momentos da atuação de uma ou duas atletas. Depreendo que, em não havendo boa recepção – coloca a central em ação –, o Brasil não pode contar com Thaísa, atualmente sua melhor atacante. Conforme descrito, somente a partir da “metade do jogo, e responsável pela virada…”. Em tais circunstâncias, entra em campo a “mão do técnico”. Há pouco observamos algo similar quando da participação brasileira masculina na Liga Mundial. Após derrotas para a excelente equipe do Irã, foi aventada a hipótese de não classificação para as finais com a expressão/título “Bernardinho perdeu a mão” (7/6/2014). Em outra ocasião, em jogo contra a Rússia (feminino), em que vencíamos o set por 14 x 11, conseguimos perder inclusive uma medalha. Pode-se concluir que presumidamente, o técnico americano instruiu suas atletas a utilizar saques táticos de forma a “anular” a possibilidade de ataque da principal adversária. Não havendo ataque pelo meio de rede, a ponteira (bola se segurança) passa a ser o alvo único das bloqueadoras: Jaqueline sofreu com o bloqueio dos Estados Unidos. Garay idem. Todavia, muito embora não seja da responsabilidade do blogueiro, não foi mencionado o fato que causou tamanha alteração na partida. Presume-se, então, que houve acerto brasileiro na recepção dos saques. E mais importante: “o que teria acontecido para essa melhora”?

Fatores emocionais

Como em qualquer equipe, masculina ou feminina, fatores emocionais são passíveis de modificar o conjunto de forma imponderável. Nessas circunstâncias, atletas que estão “em quadra” podem não corresponder ao que normalmente produzem e comprometerem o time. Assim, ter o “time na mão”, significa poder alterar o rumo de uma partida com alterações pontuais, tanto táticas como por substituição de uma ou mais peças do tabuleiro que, nem sempre, surgem o efeito desejado, como no caso de Natália. É bem possível que, ao entrar na quadra a equipe brasileira só precisava de uma vitória para assegurar sua classificação para as finais do Grand Prix. Este é um fator que contribuí para o estado de ânimo das jogadoras. Acrescentem-se as providências táticas promovidas pelo treinador adversário e está formado um quadro de “surpresa” para o que vai acontecer nos primeiros sets da partida. Recuperadas, tiveram tempo e competência para transformar uma derrota iminente em vitória suada e merecida.

Como treinar?

No alto nível algumas seleções disputam em igualdade de condições: os detalhes fazem a diferença!

Certamente que a experiência vivida há de produzir ensinamentos transformadores em cada um dos personagens envolvidos. De um lado e do outro. Tomara que a comissão técnica esteja sempre atenta a tais fatores e reproduza em seus ensaios futuras condições de aprimoramento transformadoras. Parabéns a elas e à comissão técnica, não tanto pela vitória, mas pelos ensinamentos incorporados à personalidade de cada indivíduo.

Leia mais… Aprendendo com as Derrotas: Métodos de Ensino; Lições do Mundial, Saque Tático

 

Post Script

Atleta RUSSA GAMOVA EXULTA PELO TÍTULO
Atleta russa Gamova exulta pelo título.

Aprendam a usar o saque!

Aguarda-se um possível encontro entre as seleções do Brasil e da Rússia, com a provável inclusão da carismática Ekaterina Gamova, que se aposentara e teve anunciado seu retorno. Trata-se de uma atleta que desequilibra qualquer partida dado o seu poderio de ataque. Nos jogos que assisti pela TV, não percebi qualquer providência tática em relação aos saques que pudessem oferecer qualquer problema à equipe russa em anulá-la, tal como fizeram as americanas com a Thaísa. Percebe-se uma uniformização no saque, i.e., todas com o mesmo tipo de saque, o que em pouco tempo será absorvido pelas adversárias. Somos adeptos por múltiplas variações individuais a serem empregadas principalmente em determinados momentos da partida. Pode ter sido  o erro da equipe americana: as brasileiras como que absorveram, ou seja, conseguiram um antídoto para superar a deficiência na recepção. Como continuaram a sacar da mesma forma, não mais produziu efeito indesejável. Se estivermos certos, tiramos as seguintes conclusões:

  • Saque não deve ser desperdiçado, equivale ao pênalti em futebol… equipe brasileira masculina aprendeu (espera-se) com os iranianos.
  • Atletas devem saber executar com perfeição vários tipos de saque, especialmente táticos… e não simples reposição em jogo.

Deixo as indagações…

– O que estariam as brasileiras preparando para esse enfrentamento?

– Será que conseguirão anular a extraordinária Gamova?

Leia mais…  XV Campeonato Mundial Feminino – Gamova

Pedagogia Experimental – o Saque

Sequência dos movimentos no saque. Foto: http://www.fivb.org.

Referências

Para auxiliar o leitor em suas leituras, compus acima uma relação de 15 títulos em que de alguma forma teço comentários sobre o saque, ou sua história, algum fato curioso, sua evolução ou mesmo a utilização tática. Terão, assim, um acervo importante para deliberarem e discutirem com seus alunos sobre o emprego do saque em diversas circunstâncias. Espero não me esquecer de, invariavelmente, acrescentar um título toda vez que se fizer necessário. Peço a contribuição de vocês e boas leituras.

1.   Saque e Histórias

2.   Saque Tático e Barreira

3.   XV Campeonato Mundial de Voleibol Feminino –  Gamova 

4.   XV Campeonato Mundial de Voleibol Feminino – Semifinal  

5.   Saque que Faz a Diferença  

6.   Como Sacar? 

7.   XV Campeonato Mundial de Voleibol Feminino – Surpresa Checa

8.   Saque: técnica, tática @ marketing

9.   Jabulani vs. Mikasa 

10.Mundiais de Voleibol no Brasil, 1960 (V I)

11.O Jogo na Década de 50

12.Evolução das Regras, 1960

13.Voleibol na Escola (VI)  

14.Evolução das Regras, 1980-99 ‎

15.Voleibol na Escola (II) 

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Como Ensinar?

A metodologia a empregar é fundamental para o desenvolvimento motor da criança ao longo da sua vida. Compreendido dessa forma chamo a atenção dos professores para se inteirarem das teorias mais modernas da Psicologia a respeito de fatores fundamentais no ensino. Não cabe neste espaço esmiuçar o assunto, até mesmo por ser extremamente teórico, mas para aqueles que venham a se interessar, não deixem de ler nas obras de Vigotski sobre a percepção e seu desenvolvimento na infância. Querem um exemplo? Revejam com atenção a sequência do saque exibida no início da página. Como ensinar à criança o movimento do saque, através de exercícios de partes isoladas ou, ao contrário, com a percepção do conjunto? Aqui vamos encontrar as bases da nova teoria estrutural da percepção e às mudanças no desenvolvimento da percepção na infância. Indagado que tipo de exercícios educativos recomendaria para que um atleta se desenvolvesse no salto com vara, famoso técnico americano respondeu: “Simplesmente faça-o saltar”. A ideia que serve de base à nova teoria da percepção é de que a vida psíquica não está constituída por sensações ou ideias isoladas, que se associam umas às outras, mas por formações integrais isoladas, que foram denominadas estruturas, ou imagens, ou gestalts.

Adestrar ou Ensinar?

Inicialmente se o professor quer que algo seja bem assimilado deve preocupar-se em torná-lo interessante. A memória funciona de modo mais intenso e melhor naqueles casos em que é envolvida e orientada por certo interesse. Entende-se interesse como um envolvimento interior que orienta todas as nossas forças no sentido do estudo de um objeto. O interesse produz um efeito preparatório sobre o nosso organismo durante a assimilação de uma nova reação. Toda pessoa sabe que efeito inusitadamente aumentativo exerce o interesse sobre o psiquismo (ver “Pedagogia Experimental”, 6.11.2010). O importante mesmo é despertar o interesse em querer aprender e este é obtido através do “colorido emocional.” As tarefas posteriores se sucederão normalmente como ensinar a pensar, a espontaneidade e a criatividade. Para que algo seja interessante é necessário que não seja exaustivamente repetido. O professor deverá cuidar para que seus alunos tenham sempre uma motivação a mais nas suas aulas, um motivo ou novidade que os mantenha atraídos e surpresos. Nisto consiste o valor que os jogos oferecem: a oportunidade de manifestação interior.

Ensino com Qualidade

Espero ainda que ao assistir alguma partida em qualquer nível, venham a se lembrar das leituras, esbocem um leve sorriso e imaginem como deveria o atleta sacar. Se você é o professor ou treinador, cabe a responsabilidade de despertar o ensino tático para todos os alunos. Perceberá, igualmente, que raciocínios e condutas similares se aplicam aos outros fundamentos, guardadas suas características. Dessa forma, não será necessário fazer como no alto nível, em que um treinador elevava uma placa numerada para mostrar às atletas o direcionamento do saque; ou calar-se e deixar que lancem a bola sobre a líbero adversária. E isto, em ambas as categorias, masculina e feminina.

Finalmente, baseio-me no Aprender a Pensar, tanto para docentes quanto para instruendos.

 

Saque e Histórias

 Um pouco de blá, blá, blá…

1) Este fato passou-se comigo quando rapaz, aos 22 anos de idade. Em 10 de setembro de 1962, a seleção brasileira masculina deu início à preparação para disputar o Mundial que seria realizado em Moscou. A concentração e os treinamentos foram realizados na Escola Naval, no Rio de Janeiro, e a maioria dos atletas pertencia a clubes da própria cidade. Neste ano não disputei qualquer campeonato e tão pouco treinei, pois me dedicara única e exclusivamente para prestar concurso ao Banco do Brasil, um excelente empregador à época. Inclusive, as provas foram realizadas nos dias 8 e 9 de setembro, véspera do início dos treinamentos. Compareci à Escola Naval e dediquei-me às práticas com máximo empenho, até para desanuviar a mente ante a expectativa do resultado das provas. Em resumo, estava ali não para “viajar para o exterior ou ter a “honra de pertencer à seleção brasileira”, mas para relaxar sobre aquilo que era muito mais importante para mim. Enquanto isto, vários atletas se anteciparam a realizar preparação física por conta própria em academias de ginástica fortalecendo seus músculos e garantir sua respectiva vaga. Pela manhã fazíamos a preparação física (incipiente), à tarde o treino de fundamentos (inconsequente) e, à noite, o coletivo, agora com a presença do treinador oficial, que não podia estar em outros horários, certamente sem dispensa de seu trabalho. Num desses treinos coletivos e atuando pela equipe pretensamente reserva, aconteceu o fato inusitado. Só era utilizado o tipo de saque tênis e não conhecíamos ainda a manchete. Então, a recepção dos saques era realizada somente de toque e, como disse anteriormente, a maioria dos atletas ali presentes, especialmente os titulares, atuavam no voleibol carioca e, portanto, conhecia-os a todos, especialmente suas características de jogo, inclusive suas deficiências. O treino se desenrolava normalmente e eu me divertia vendo a competição entre titulares e especialmente os reservas para assegurarem a sua vaga. Em certo momento, quando me competia o saque, resolvi fazer uma peça a todos e pensei: “Vou sacar por baixo e ver o que acontecerá”!  Lembro uma vez mais que esse tipo de saque era obsoleto, estava em desuso há muito; era considerado por todos um saque ridículo, só usado pelos antigos atletas na praia. Mas foi aí que o treino mudou completamente. A partir do meu saque foram feitos 4 pontos diretos, com a marcação de “dois toques” pela arbitragem. Foi um verdadeiro desastre e o jogo foi interrompido por vários minutos pelo treinador oficial que, esbaforido, não conseguia entender como os melhores atletas do país não conseguiam defender um saque por baixo. Quando do retorno ao jogo, resolvi colocar a bola simplesmente em jogo, usando o saque tênis e esboçando um leve sorriso de dever cumprido, pois conseguira dar o meu recado que hoje repasso a vocês que me lêem. Um detalhe que só vim a saber muito tempo depois: Quaresma, um dos melhores atletas do Brasil e presente àquele Mundial inclusive como capitão da equipe,  confessou-me, (…) “Naquele coletivo, você foi o melhor de todos que estavam no ginásio”.

Para pensarem

Aquele rapazinho dedicara-se aos estudos por praticamente todo o ano, não treinou e tão pouco jogou, e quando chamado a fazê-lo naquele nível, destacou-se sobejamente. Como explicar?  Falaremos nisso futuramente, com o tema Jogar com Alegria e sem compromissos, a não ser de estar bem consigo mesmo e cuidar para fazer sempre o melhor. Nessas circunstâncias, a Criatividade é sua principal aliada. Ah! Ia-me esquecendo. No quinto dia fui dispensado e voltei feliz para casa desejando sucesso a todos sem qualquer pesar ou mágoa.

2) Recordo-me de que na década de 80, talvez início dos anos 90, vez por outra a CBV promovia alguns jogos internacionais com o fito de manter em atividade nossas seleções e dar-lhes a necessária experiência. O calendário da Fivb era ainda insuficiente, restringindo-se aos Mundiais e Olímpicos. Somente no início de 90 surge a Liga Mundial. Sendo assim, procediam-se jogos principalmente com a seleção russa, americana e cubana. Normalmente, 6-7 partidas em solo pátrio e outro tanto no estrangeiro. Vou recordar cenas de treinamento no Rio de Janeiro quando nossa seleção feminina se preparava para mais uma contenda contra as cubanas no Maracanãzinho. Poucos dias antes treinaram normalmente e, ao final, duas atletas permaneceram em quadra para ajuste da recepção do saque, claro, com vistas ao saque das cubanas. Ocorre que o treino procedeu-se de forma bastante confortável e ameno para as atletas, reconhecidamente  ineficientes nesse fundamento. Foram 40 minutos de desperdício, com saques tipo “bola em jogo”. Ao ver aquilo exclamei: “Será que teriam combinado com as cubanas alguma coisa”? Não deu outra. No dia do jogo assisti à partida pela TV. As cubanas massacraram nos saques violentos e as brasileiras, coitadas, sem saber como se livrar daquele autêntico bombardeio. Com certeza a culpa foi atribuída ao passe (recepção) que não estava em um bom dia. Ou, então, não houve tempo para treinar o fundamento…!

3) Guardadas as proporções, certa feita um professor da escola de meus filhos  e não especializado em voleibol, indagou-me sobre como deveria orientar suas alunas num torneio inter-colegial que estava próximo de se realizar. Ele não queria que as alunas sofressem qualquer trauma ou desilusão, pois eram muito mais fracas tecnicamente que as outras equipes. Sem conhecer as alunas ou qualquer das equipes, disse-lhe simplesmente: “Faça com que suas alunas, TODAS, saquem por baixo e enviem a bola sempre alta, no fundo da quadra adversária”.  Algum tempo depois, findado o torneio encontrei-o por acaso e confessou-me num largo sorriso: “Você não sabe o que aconteceu! Foi uma verdadeira revolução, pois nenhum dos demais professores conseguia explicar como o nosso time ganhou o torneio; mal sabiam jogar”! E ao pé do ouvido, baixinho, declarou-me em tom muito reservado: “Mal sabem eles que o detalhe dos saques funcionou plenamente”!

4) Durante bom tempo resolvi aprender a treinar atletas do voleibol de praia. Os treinos eram próximos de minha residência, na Praia de Icaraí, bem em frente ao Pão de Açúcar e ao Cristo Redentor, no Rio. Cenário mais maravilhoso certamente não existe. Para poupar minhas articulações dos ombros, há muito que deixara de lançar bolas por “cima”; fazia com muita eficiência com movimentos por baixo (abaixo da linha da cintura) e, para não conduzir ou imprimir qualquer rotação à bola, contraía o polegar sobre a palma da mão, esta em concha. A posição torna-se bastante favorável inclusive para defesas próximas ao solo e direcionamento dos lançamentos. De tanto praticar, tornei-me perito no saque utilizando esta técnica. Constitui-se em pequena variação do saque por baixo, acrescido de detalhe importantíssimo: a bola depois de batida não gira no ar e sofre influências do ar e, talvez, da própria penetração do polegar na sua parte externa (ver “Jabulani vs. Mikasa”). Assim, ela como que flutua no espaço e, na queda, sofre pequenas oscilações que dificultam o recepcionador. Além disso, esmerei-me na direção dos lançamentos em qualquer ponto da quadra. Meus treinandos que o digam!

1º Curso de Treinadores de Vôlei de Praia, EsEFEx (Rio de Janeiro)

Por ocasião de um dos Circuitos de Vôlei de Praia do Banco do Brasil em Niterói, estive a conversar com alguns atletas que, à tardinha, após os jogos daquele dia, dirigiam-se para as quadras e realizam alguns ajustes aos seus treinamentos. E foi num desses momentos que para atestar que minha teoria sobre o saque colocado estava correta foi que desafiei um dos jogadores. Ele teria que recepcionar três saques dirigidos na sua direção e, se o fizesse com perfeição, o direito de cortar na minha direção com força máxima. Aceito o desafio, dirigimo-nos à quadra, tendo ele levado um companheiro para efetuar os levantamentos. E para facilitar as levantadas, ficou postado junto à rede inicialmente. Lembro aos leitores que nessa época a quadra oficial na praia era ainda de 81 m².

Resultado.  1º saque: observara que ele estava ligeiramente mais atrás do meio da quadra; então enviei a bola a menos de um metro da rede. Seu deslocamento foi desastroso e pior o passe, simplesmente não houve ataque.  2º saque: como não me conhecia e havia pressão de outros atletas que por ali estavam, creio que resolveu não dar a segunda chance para mim e adiantou-se para frente, ficando mais próximo à rede; lancei a bola com ligeira altura (acima dos ombros dele) pela sua esquerda e com força suficiente para que caísse sobre a linha de fundo. Outro desastre, pois teve que recuar, elevar ambos os braços para trás e à esquerda; tocou na bola que imediatamente foi para fora, além da linha de fundo. O levantador somente sorriu.  3º saque: em tom amistoso, disse-lhe antes de sacar: “E agora, você não sabe se será curto ou longo, aonde vai se colocar, mais para frente ou para trás”? Ficou em silêncio quase sepulcral. Mais uma vez lancei a bola curta, e mesmo tendo recepcionado, lançou a bola para o parceiro no meio da quadra. Enquanto  o levantador corria da rede para o meio da quadra, ele próprio teve que realizar o mesmo movimento, pois tocou na bola próximo à rede. Para efetuar o levantamento o atleta percebeu que o recepcionador não estava em posição para ataque, pois deveria estar atrás da linha da bola (de levantamento). Então, simplesmente lançou a bola para o alto onde estava o vulto do companheiro. Este que retornava jamais teria condições de atacar. E, assim, realizamos na prática o que queríamos demonstrar.

Saque Tático e Barreira

Um Pouco de História  

Há muito tempo, na década de 40, os brasileiros sacavam por baixo e o saque tático aparece pela primeira vez talvez por intermédio de uma equipe paulista. Os saques eram orientados em determinadas circunstâncias para a posição II (saída de rede).

Saques   

Utilizado somente o saque por baixo e não podia ser conduzido ou preso, isto é, o atleta deveria soltar a bola pouco antes do impacto da mão. Ainda no campeonato brasileiro de São Paulo, em 1954, ninguém sacava por cima – denominado tênis – pela semelhança com esse esporte e por ser executado acima da linha dos ombros. O saque tênis era restrito a poucos atletas e só foi mais difundido a partir de 1955, após o Pan-Americano do México. Um dos seus precursores foi Jorginho que, mais tarde, no Botafogo, sacaria também pela primeira vez no Brasil o tipo com salto, cognominado viagem, consagrado muito tempo mais tarde na TV por outros jogadores. Existiam, sim, uns poucos praticantes do saque balanceado. Borboleta, por exemplo, sacava de costas, pois não conseguia dominar a técnica do saque balanceado, executado de lado para a rede.

Em princípio, os saques eram realizados sobre os cortadores, tecnicamente mais fracos no fundamento da recepção. Já realizavam o que atualmente se denomina saque tático que, necessariamente não necessita ser curto. No sistema 3×3 recomendava-se que o saque fosse colocado na chamada zona morta ou saída de rede (posição II) quando o levantador estivesse ali; nesta posição ele teria a seguir, na ordem de rodízio, o seu cortador (III) e, depois, outro levantador (IV). Dessa forma, se ele recepcionasse, teria que efetuar o levantamento de primeira, ou passar a bola para que outro companheiro o fizesse. Com o advento do 4×2, e com um dos cortadores na posição (I), também era um saque incômodo para o atacante. Os paulistas foram os primeiros a realizar uma troca rápida entre o levantador em (III) e o cortador em (II) durante a respectiva recepção do saque, isto é, ambos os atletas trocavam de posição, sem toque na bola. Estavam protegidos pelos demais. Pelo que vemos, tivemos bons mestres. Com pequena variação de como tocar na bola no momento do saque, alguns atletas já conseguiam fazer com que a bola não tivesse qualquer movimento em relação ao seu próprio eixo e, assim, produziam o saque algum tempo mais à frente denominado flutuante (a bola é arremessada sem rotação ou sem peso).

Especialização precoce

Lembro aos mais novos praticantes e adeptos que há pouco tempo já está permitida a recepção do saque de toque, mas que poucos atletas utilizam, ou pela velocidade com que vem a bola ou até mesmo pela comodidade da manchete. Vejam que anteriormente, quando se iniciava uma criança a primeira tarefa era ensiná-la a tocar na bola com as mãos (e dedos). Posteriormente, e até hoje, ensina-se inicialmente a manchete. E, se não for levantador, não precisa nem aprender a tocar na bola por cima. Pior ainda, se não souber passar de manchete, é alijado (escondido) do passe; isto se for alto e eficiente nos ataques, como a Gamova.

Spin service, paraquedas e jornada

Pesquisadores relatam que já existia nos EUA, na década de 40, o saque denominado spin service. Conforme relatava Sílvio Raso, em Belo Horizonte empregavam um tipo de saque cognominado paraquedas, que chegava a atingir a altura de 8m em alguns casos. Sua recepção era bastante dificultosa e foi empregado no Brasileiro de Porto Alegre (RS), em 1952. Como existiam poucos ginásios em 1953 – a maioria das quadras era aberta – Paulo Castelo Branco, atleta do clube Sírio e Libanês (Rio), realizava este tipo de saque e, do outro lado da quadra, Borboleta era um dos poucos a recepcionar com seu incrível toque de bola. Em 1960, jogando no Botafogo, também o autor experimentou na quadra aberta (junto ao mar), anterior à construção do ginásio do Mourisco. Possivelmente, atingia altura aproximada de 12m-15m sem muito esforço. Na década de 80 foi consagrado no Brasil pelo jogador Bernard, que o praticava nas areias de Copacabana: a bola atingia uma altura de 25m e descia a uma velocidade de 72km/h (fora o efeito que ele imprimia à trajetória da bola). Só conseguia fazê-lo em ginásios com teto muito alto, como o Maracanãzinho.

Barreira 

Jogadoras do Flamengo realizam a barreira. Foto: acervo Marina Conceição Celistre.

Foi criada em 1952 e permaneceu até 1959 para criar dificuldades na recepção dos saques. Era permitido aos atletas inclusive levantarem os braços. Em seguida foi abolida esta permissão (levantar os braços), mantida ainda a barreira e, em 59, abolida definitivamente. Atualmente, os atletas da rede podem manter os braços erguidos, como numa ação preparatória para bloqueio, desde que afastados uns dos outros, protegendo-se de impactos da bola sem a intenção precípua de dificultar a visão dos adversários. (Regra XIII – Art. 7º – BARREIRAS – No momento do saque, é proibido aos jogadores da equipe que irá dar o saque de efetuar movimentos com os braços, saltar ou grupar dois ou mais jogadores, com objetivo de formar uma barreira, com intenção de encobrir o sacador.)

Pode-se observar na foto quatro jogadoras do Flamengo (Gilda, Marina e Celma; a quarta está oculta) realizando a barreira, tentando dificultar a visão no momento de um saque. O jogo, um Fla-Flu no ginásio do Maracanãzinho, pelos Jogos da Primavera, 1956. Observe-se ainda que o intervalo entre as três atacantes deveria ser ocupado pela atleta defesa-centro, respeitando-se, assim, a regra que rege sobre a “posição dos jogadores no momento do saque”.

O “Circo” de Matsudaira

A partir da década de 60 os japoneses deram uma contribuição importante para o desenvolvimento tático do jogo, uma vez que seu porte físico sempre estava em desvantagem em relação aos enormes europeus e equipes ocidentais. Criaram diversas variações táticas para anularem ou atenuarem suas desvantagens, inclusive com o saque longo, balanceado. E conseguiram por algum tempo, graças à surpresa. Foram campeões Olímpicos em 1964 e 1972 com as equipes feminina e masculina, respectivamente, assombrando o mundo esportivo por um bom tempo. Ocorre que quem está no topo tem suas qualidades e virtudes suficientemente estudadas, comparadas e incrementadas. O intercâmbio de jogos com o calendário internacional, as transferências de astros para grandes centros, principalmente a Itália, tudo levou a uma globalização nas formas e maneiras de atuar. As diferenças, se houver, são mínimas e ficam por conta, principalmente, da safra de atletas (C. A. Nuzman) que este ou aquele país apresente em dado momento. Todavia, se todos treinam e jogam da mesma forma, se os atletas já se conhecem ou porque jogam nos mesmos campeonatos no exterior ou pelo intenso calendário internacional, onde está a diferença? Por que o presidente da Fivb afirma que é ruim para o esporte o Brasil ter sido tricampeão?  Creio que se refere ao fato de que a equipe brasileira está algo acima tecnicamente das demais ao contrário do feminino, cujo Campeonato Mundial se desenrola atualmente com várias equipes com condições de alcançar o título máximo. Dessa forma, diz ele, há uma equiparação técnica que torna os embates atraentes para o público e para as próprias atletas.

Proximamente, volto contando pequenas histórias da prática dos “saques táticos”. E, se tiverem coragem, pratiquem, pois ainda dá certo. Certamente as brasileiras teriam complicado a vida da Gamova na entrada de rede com o emprego de saques curtos, juntos à rede, nas proximidades da linha lateral e antena. Duvido que ela fizesse a festa que fez por ali. Ah, e com o saque por baixo! Relembro ainda o Mundial masculino em que um dos brasileiros usou o saque tênis em direção ao jovem atleta cubano na entrada da rede com sucesso, pois não conseguiu passar bem e tão  pouco atacar.

Quanto às bolas mal passadas e reenviadas com uma das mãos ou de manchete para o outro lado, oportunamente voltaremos a falar com algumas sugestões de ataque. Se eu esquecer ou demorar demasiado, cobrem-me, por favor, pois é uma medida fácil e eficiente. Até lá!

 

Saque que Faz Diferença

Saque de Fabíola tem feito o Brasil disparar nas partidas do Mundial. Foto: Fivb/Divulgação.

Saque diferente?       

Aproveito a oportunidade e as circunstâncias para inverter a sequência de artigos que compus sobre a utilização do saque em voleibol. Dessa forma, valho-me da excelente reportagem de Celso Paiva no Terra e, através de seus olhos, traço a sequência de comentários sobre o serviço, como é também chamado. Vejam os efeitos que um saque diferente pode causar numa partida: “Quando a seleção marca um ponto neste Mundial Feminino de Vôlei e ao olhar para a quadra e é Fabíola quem vai sacar, pode ter certeza que você verá um bom momento do time brasileiro. O serviço da levantadora tem alavancado a equipe verde e amarela nas partidas e feito com que (…) abram distância ou saiam das suas maiores dificuldades contra as rivais”. E prossegue: “Se engana quem pensa que a levantadora saca viagem (com salto) ou usa força excessiva para passar a bola para o outro lado da quadra. Sem praticamente tirar o pé do chão, a arma de Fabíola está na direção e na curva que ela dá na bola…”. A líbero brasileira Fabi conta que em treinamentos tenta defender os saques da Fabíola uma vez que serve de teste para a sua própria recepção por ser diferente, pois é um saque denominado flutuante em que é difícil acompanhar a trajetória da bola. Indagada, Fabíola afirma desconhecer a razão de tudo. Segundo a Fabi, é um saque que às vezes ‘morre’ na frente, quando as adversárias estão esperando no fundo, mas “o que posso dizer é que antes de bater na bola, eu já sei mais ou menos a direção que eu vou colocar. Na maioria das vezes dá certo”.    

Reparem que o interesse da líbero em “conhecer” o saque revela sua perspicácia em querer aprender e dominar a técnica de recepção sem quaisquer surpresas. É óbvio que ambos os fundamentos devem evoluir de forma simultânea, pois a cada nova arma de ataque, uma solução nova na recepção. Quando não é possível, os doutos da FIVB promovem alterações nas Regras a fim de restabelecer o equilíbrio entre as forças.         

Jaqueline recepciona o saque observada por Fabi. Foto: Fivb/Divulgação.

Evolução do Saque    

A partir de então, estaremos conjeturando e contando breves histórias sobre os saques diferentes que fazem a diferença e, contribuir para que a Fabíola venha a conhecer o que realiza com tanta maestria e perícia. Nosso foco principal estará voltado para o tão pouco decantado saque tático. Aliás, ao recordarmos os jogos masculinos, observamos que 95% dos atletas fazem uso somente do saque viagem, aquele com um salto antes da batida na bola. No feminino, ao contrário, ainda são poucas as atletas com força suficiente para tal.  Ao que parece, tornou-se um modismo, uma vez que no alto nível seu emprego é maciço, o que revela a conduta dos treinadores modernos. Todavia, poucos observam o resultado ou o aproveitamento de determinado serviço. Assim, quando todos sacam da mesma forma, os recepcionadores criam um antídoto para permanecerem vivos na partida, isto é, são também treinados e familiarizados para um bom passe ao levantador: “a toda ação, uma reação igual e contrária”. A concepção do se denomina saque forçado também contribuiu para esse estado de coisas. Recordo-me que, em 1973, atuando pela equipe do Botafogo, no Rio de Janeiro, o Bebeto de Freitas muitas vezes conclamava seus colegas dizendo “força o saque!” que, traduzido queria significar “crie uma dificuldade para o adversário”. Ora, esta dificuldade era, e é até hoje, nada mais do que sacar no atleta menos eficiente na recepção. Mas com o advento do saque com salto a partir de meados da década de 80 e consequente aprimoramento, tornou-se uma verdadeira cortada, o que condiz muito com o forçar o saque. Assim, para os seus adeptos, forçar evoluiu para lançar com força. Mas em que direção? Creio que poucos sabem, isto é, levantam os olhos para a bola, efetuam a corrida, o salto, e uma pancada com o máximo de força em direção à quadra adversária e o que acontece depois é problema do adversário. Ou do seu próprio treinador, pois a sequência de saques errados é grande, mesmo no alto nível. Querem um exemplo? Relembrem a partida Brasil e Rep. Checa, quando no quarto set o treinador brasileiro recomendou não errar mais saques: as bolas praticamente foram colocadas em jogo, em nítida opção tática de ganhar a partida através do bloqueio, sem dar o ponto no saque (errado).     

A partir dos próximos textos recapitularemos o que se passou na História do Voleibol no Brasil a respeito do saque. Aguardem e acompanhem.   

Importância da História. As meninas brasileiras enfrentarão as japonesas agora na fase semifinal. As donas da casa sabemos todos, atuam com jogadas em velocidade e levantamentos baixos. Como deveria sacar o Brasil para dificultar o passe das adversárias? Lembro que em 1968, nas Olimpíadas no México, os tchecos anularam as jogadas de ataque dos japoneses simplesmente com saques altos, dirigidos ao fundo da quadra. Vamos aguardar e ver o que acontecerá 42 anos depois.

Como Sacar?

Saque por baixo. Desenho: Beto.

A História é nossa aliada  

Relembro o artigo Lições do Mundial, Saque Tático. Naquela oportunidade falávamos dos rapazes aproveitando ou não o saque no campeonato mundial. Agora a oportunidade se nos oferece para discorrer sobre a sua aplicação também com as moças. Estaremos aproveitando alguns textos de reportagens, já que as transmissões pela TV atingem o Brasil em plena madrugada, o que torna dificílimo assistir ao vivo as transmissões dos jogos das brasileiras. Mas isto não impede que conversemos a respeito, pois as coisas não mudam da noite para o dia. Este é um longo processo que deve ter origem lá atrás, na iniciação do indivíduo. Chamo de despertar tático (Bené dizia, dou inteligência a ele). Se o professor conhecer um pouco de pedagogia tenho certeza de que saberá ensinar ao seu aluno. Este, por sua vez, com criatividade, saberá desenvolver-se com autonomia neste mister e nos demais. Em outras palavras, Ensinar a Pensar.

Alguns conceitos ditados pela prática: 1) O saque é a primeira manifestação de ataque; 2) Não importa a época  e a circunstância (o tempo), o que é diferente atrapalha, pois não é treinado, funciona na prática como surpresa; 3) A criatividade do atleta se manifesta através da alegria, irreverência e espontaneidade; 4) O tipo de saque a empregar e em que circunstância.

Logan Tom, dos Estados Unidos, em mais um de seus saques. Foto: Fivb/Divulgação.
Marina Katic, da Croácia, é mais uma das musas do Mundial de Vôlei. Foto: Fivb/Divulgação.

 

 

 

   

 

 

 

 

 

Por que o Brasil venceu a Itália? 

Eis alguns comentários colhidos na Internet (Terra e Uol)

Disse o técnico italiano em entrevista a jornalistas: “Temos que mudar totalmente a nossa maneira de jogar e a nossa atitude em quadra. Será difícil vencer todas as nossas partidas na próxima fase para tentar nos classificarmos, mas podemos fazer isto. Não podemos mais perder”. Obviamente, o comandante italiano não deixou de elogiar o adversário desta quarta-feira no Mundial do Japão: “O Brasil jogou muito forte esta noite. Elas nos pressionaram muito com o saque, o bloqueio, a defesa, com tudo… jogamos contra o Brasil duas vezes recentemente e perdemos ambas, então é preciso dizer que elas são melhores que nós”. Enquanto isso, na imprensa italiana colhemos: “Itália demolida pelo Brasil”, estampa o Gazzetta dello Sport em sua página na internet, ressaltando na sequência que a conquista da medalha de ouro ficou muito difícil para a Itália. O periódico classificou o resultado do jogo com um “pesadíssimo 3 a 0”. O Corriere dela Sera, por sua vez, ressaltou que a seleção de Massimo Barbolini foi “pesadamente nocauteada” pelo Brasil, o que significa praticamente o fim das chances de medalha. Se quiser avançar à semifinal, a Itália não pode mais perder e ainda precisa torcer contra Brasil e Estados Unidos.

Jogo contra as cubanas

O Brasil começou a partida muito bem abrindo 3 a 0 no placar através dos bons saques de Thaisa, que complicou a recepção de Cuba. No saque de Natália, a seleção viveu outro bom momento. Com um ace da camisa 12, o time verde e amarelo abriu 6 a 2. Com a larga vantagem imposta pelo Brasil, Cuba acordou na partida e depois de um erro de recepção da líbero Fabi e de um contra-ataque de Sanchez, mais perigosa jogadora caribenha no início da partida, as rivais diminuíram a diferença para 6 a 5. Mesmo assim, o time comandado por Zé Roberto chegou na primeira parada técnica na frente: 8 a 7. A seleção sofria com o saque cubano e viu as caribenhas virarem a partida no saque de Sanchez. Primeiro com um ace, depois em um lance de muito azar, no qual Thaisa atacou com força, a defesa cubana defendeu e acabou voltando para o fundo da quadra das brasileiras, pegando Fabi desprevenida. Depois de mais um ace, desta vez de Silie, as cubanas abriram 12 a 9, o que fez o técnico Zé Roberto parar o jogo para consertar o que estava errado. Mas foram Jaqueline e Fabíola, que já estavam em quadra, que começaram a fazer a diferença. Com os ataques da ponteira e o saque da levantadora, a equipe diminui a desvantagem que chegou a ser de oito pontos para dois: 23 a 21, o que fez o técnico cubano Juan Gala parar o jogo. A bela reação brasileira, porém, não foi suficiente e em um ataque de Palacios, as cubanas fecharam em 25 a 23. Com o bloqueio funcionando bem e em um jogo muito bom da meio de rede Fabiana, a seleção só ia abrindo distância. No saque de Natália, mais uma bela sequência de pontos seguidos levaram a equipe a abrir 22 a 11. Sem conseguir vencer na parte técnica, as cubanas passaram a tentar tirar o controle das brasileiras com provocações.

Comparando com as tailandesas

As características das seleções de Cuba e da Tailândia são completamente diferentes. A média de altura das cubanas sobe em 8cm com relação às tailandesas (1,85 m contra 1,77 m). Respeitando sua tradicional escola, as cubanas prezam mais pelo jogo na base da pancada, sem tanta velocidade, principal arma das asiáticas, e focando seus ataques principalmente na oposto Carcaces e na ponteira/oposto Palacios. “Mudam totalmente as características. O time de Cuba joga mais em um estilo de jogo que estamos acostumados. É um jogo mais no estilo cortadas fortes, porque elas são fortes e exploram isso”, disse o técnico José Roberto Guimarães.

XV Campeonato Mundial de Voleibol Feminino – Surpresa Checa

A atleta Ivana Pichotova da Rep. Checa é uma das musas do campeonato. Foto: Fivb/Divulgação.

Saques e bloqueios: as armas da surpreendente República Checa. 

O Terra acompanhou as duas partidas da equipe checa e traçou um perfil das características principais da equipe. Colaborou Celso Paiva, de Hamamatsu.

Uma incógnita dentro do Grupo B antes do início do Mundial Feminino de Vôlei, a seleção da República Checa se transformou em um azarão bastante indesejável para os dois adversários considerados mais fortes da chave: Brasil e Itália. Primeiro, a seleção brasileira suou muito para conseguir vencê-la na segunda rodada, resultado naquele momento apontado como surpreendente. Nesta terça-feira (2), foi a vez de as italianas sofrerem, mas sem a mesma sorte do Brasil saíram de quadra com uma virada impressionante tomada no tie-break.

Muralha
As duas gigantes meios de rede Pastulova e Plchtova, com 1,97m e 1,92m respectivamente, são a arma para facilitar a recepção das checas e ainda anular as principais atacantes adversárias. A importância da participação das duas pode ser vista nos números da competição: Plchotova é apontada atualmente como a melhor bloqueadora, enquanto Pastulova ocupa a terceira posição.

Bloqueio triplo checo contra as brasileiras. Foto: Fivb/Divulgação.

No duelo contra a Itália, Plchtova fez a incrível marca de 10 bloqueios na partida. “Ficou muito difícil passar pelo bloqueio delas, com certeza foi o que nos complicou mais”, afirmou a italiana Ortolani, maior pontuadora italiana na partida.

 Exterminadora

Tanto contra Brasil como contra a Itália, ficou comprovado que é difícil parar Havlichkova. Com um braço potente e cortadas fulminantes, principalmente no fundo da quadra, ela é a bola de segurança para virar um ataque quando o jogo está complicado. Segunda maior pontuadora da competição até o momento, a atacante checa fez a incrível marca de 34 pontos no duelo contra as italianas. “É o meu trabalho, não é importante que eu tenha feito 34 pontos e sim que o time todo rendeu bem. Foi um sonho ganhar da Itália”, disse.

Foto: Fivb/Divulgação

Saques forçados
O último quesito que faz a equipe ter um bom desempenho é o saque forçado. Contra o Brasil, Jaqueline sofreu com a recepção. No duelo desta terça-feira, foi a vez de Piccinini ser a vítima principal no quesito. Neste fundamento, a República Checa deixa a cargo de Muhlsteinova e da levantadora Barborkova a função de desmontar a defesa adversária.

Notem bem: em outra oportunidade falaremos o que vem a ser “saque forçado”. Mas, até lá, não deixem de ler sobre “saque tático”, já comentado no Procrie.   

 

 

História. E por falar na altura das atletas checas Pastulova e Plchtova, lembrei-me de uma história que vai publicada no meu livro “História do Voleibol no Brasil”, vol. I, ainda no prelo.

Caça Talentos.  No início da década de 70, José Gil Carneiro de Mendonça empreendeu uma verdadeira revolução na equipe de voleibol feminina do Fluminense F. C., no Rio de Janeiro. Teve início uma operação de recrutamento de talentos. A preferência recaiu em moças com idade de 16 anos, altas e que se dispusessem a enfrentar a maratona de treinos e jogos que adviriam daí. No Rio, várias atletas se transferiram para o clube e em anos subsequentes, atraídas pelo sucesso do empreendimento e as perspectivas de grandes jogos, principalmente no exterior. Anna Lílian, um destaque surgido em Brusque, no Estado de Santa Catarina, foi também convidada e aceitou vir para o Rio (1967). Eunice Rondino e suas irmãs, Ivani e Cidinhas, todas no Botafogo, também se transferiram para o clube tricolor. Teve ainda a contribuição de Célia Garritano, que atuava pelo Tijuca T. C. e assídua atleta da seleção brasileira. Foi uma verdadeira garimpagem nos clubes, embora “nenhuma das atletas jamais recebeu dinheiro para jogar”, afirma Gil. Pela primeira vez no Brasil surgiria a figura do preparador físico especializado, o Professor e Comandante, Manoel Tubino.

Jogos e treinos. Eram diários (17h às 22h), inclusive aos sábados e domingos, estes com menos cargas. Para que não houvesse problemas com horários escolares, foi providencada bolsa de estudo para todas as atletas em colégio. Em todo período de atuação do projeto, foram visitados 36 países. A primeira excursão foi realizada pela América do Sul, tendo como destinos o Uruguai e a Argentina. Em outra oportunidade, Chile, Uruguai, Paraguai, Argentina e Peru. Mais tarde foram visitados Estados Unidos, Japão, Holanda, Alemanha (ambas), Bélgica, Suíça, França, Bulgária e Turquia. Na terceira vez, jogaram no Japão, Polônia, França, Espanha e Tcheco-Eslováquia. Na foto, do acervo da atleta Anna Lílian, ela comentou: “Como são altas as tchecas”!

Lições do Mundial, Saque Tático

Recordo aos leitores que já destacamos o valor do saque tático na postagem sob o título “Saque: técnica, tática & marketing”. Darei continuidade após as observações do recente Mundial na Itália. Para tanto, reportemo-nos a 1968.

 

 

 

Jogos Olímpicos, cidade do México. Primeira realização na América Latina, os Jogos foram realizados na cidade do México, em uma altitude de 2.300m acima do nível do mar, entre 12 e 17 de outubro. Gerou alguma controvérsia a influência e os danos que o ar mais rarefeito poderia causar no desempenho dos atletas. Os cinco mil lugares do ginásio olímpico ficaram lotados durante os jogos matinais e vespertinos dos nove dias de competição. Repetiu-se a dobradinha de Tóquio (1964) no pódio: URSS no masculino e Japão no feminino. Ainda no masculino, o Japão obteve a segunda colocação e a Tchecoslováquia, a terceira. A equipe brasileira masculina obteve a nona colocação, enquanto que a feminina não logrou classificação para participar do certame.

Saque Tático. Uma das sensações era a equipe japonesa masculina comandada por Matsudaira e que buscava o título máximo com extrema competência. Na partida contra a (antiga) Tchecoslováquia estavam vencendo por 2 sets a zero. Antes de iniciar o set seguinte, o treinador tcheco determinou que sua equipe fizesse uso de saques altíssimos, inclusive aproveitando-se das dimensões do ginásio. A estratégia deu certa, pois desbaratou as combinações de ataque japonês, sua principal arma contra bloqueadores europeus. Ao final, Tchecoslováquia 3, Japão 2. E uma grande lição que poucos aprenderam e até hoje tampam os olhos para não ver as evidências: “O que é diferente, atrapalha, pois não é treinado”. E mais: “Criatividade sempre será válida, não importa a época e o tempo em que for usada”.

História: spin service, paraquedas e jornada nas estrelas.

Pesquisadores relatam que já existia nos EUA, na década de 40, o saque denominado spin service. Conforme relatava o professor Sílvio Raso, em Belo Horizonte empregavam um tipo de saque cognominado paraquedas, que chegava a atingir a altura de 8m em alguns casos. Sua recepção era bastante dificultosa e foi empregado no Campeonato Brasileiro de Porto Alegre (RS), em 1952. Como existiam poucos ginásios em 1953 – a maioria das quadras era aberta – Paulo Castelo Branco, atleta do clube Sírio e Libanês (Rio), realizava este tipo de saque e, do outro lado da quadra, Borboleta era um dos poucos a recepcionar com seu incrível toque de bola. Em 1960, jogando no Botafogo, também o autor fez uso dele na quadra aberta (junto ao mar), anterior à construção do ginásio do Mourisco. Possivelmente, atingia altura aproximada de 12m-15m sem muito esforço. Na década de 80 foi consagrado no Brasil pelo jogador Bernard, que o praticava nas areias de Copacabana: a bola atingia uma altura de 25m e descia a uma velocidade de 72km/h (acrescente-se o efeito que ele imprimia à trajetória da bola). Só conseguia fazê-lo em ginásios com teto muito alto, como o Maracanãzinho. Foi cognominado Jornada nas Estrelas.

Saque diferente. Mundial da Itália, 2010. Ao que parece, qualquer saque atualmente que não utilize o salto e a batida forte na bola, passou a ser tático. Isto é, todos sacam da mesma forma e o que for diferente, é tático. Pelo menos, para os locutores e analistas da TV. Vimos isso na partida Brasil e Rep. Checa. No tie-break vários jogadores brasileiros passaram a colocar a bola em jogo. Incrível é que a simples reposição da bola de forma diferente atrapalhou a equipe checa na recepção, inclusive de seu líbero, possivelmente o mais habilitado na recepção por toque. Contra Cuba não foi diferente: os saques direcionados para o jovem Leon anularam seu ataque potente, alijando-o da partida. E por mais verossímil que possa parecer, se a bola fosse lançada mais próxima da rede (posição IV) do lado cubano, mais dificuldade representaria. É pena que nenhum deles saiba fazê-lo com maestria.

Voltarei a falar sobre a tática do saque – beach e indoor – mais adiante. Esperem até lá!

Saque: técnica, tática & marketing

Ser ou não ser, eis a questão

Adquirindo conhecimento. Atualmente ando interessado em estabelecer relações entre a natureza dos textos e aprendizagens. Daí minha motivação em ampliar o diálogo com os interessados. Percebo que o estilo que se imprima ao blogue tem a ver com a busca conjunta de um domínio dos assuntos. Alie-se a isto a própria natureza da mídia – escrita ágil, com poucas palavras, que informa enquanto analisa e faz crítica. É uma escrita que tem o ritmo incessante dos acontecimentos e compatível com a dinâmica da vida atual. No meu caso, isso me ajuda a ficar informado, atualizado e aprender. Fica a sugestão para os meus leitores, que agora são muitos, para que participem, indaguem, discutam e aproveitem esta excelente ferramenta em que se pretende aprender e a compartilhar algum conhecimento. Chama-se a isto “troca de experiências”.

Bola ou búrica? Sorte ou azar? Quando criança, jogávamos muito o jogo bola de gude e num determinado tipo era necessária a escolha antecipada que o menino deveria fazer: ele lançaria a bola sobre a bola do adversário ou diretamente na búrica (pequeno buraco no chão de terra)? Esta providência foi resultado de muitas discussões, pois até então o jogador lançava a bola e no que acertasse – bola adversária ou búrica – estaria valendo. A partir dali, passou-se a definir a escolha antecipada. Isto redundou em providências táticas, pois passaram a examinar o contexto e a decidir o que seria melhor para eles. Essa regra foi também inserida no jogo de sinuca: o jogador deve enunciar a priori em que bola vai jogar e até mesmo a caçapa em que a bola vai “morrer”.

Ace! Brasil campeão mundial! Essas lembranças me foram inspiradas pelo excelente trabalho do Professor João Crisóstomo sobre a final do Mundial de Voleibol de 2002 na Argentina entre Brasil e Rússia: placar 14X13 para os brasileiros, no quinto set. Giovane, atleta que até dois pontos atrás se encontrava na reserva foi encarregado do saque para o Brasil. A partir da posição um (I), próximo à linha lateral, lançou a bola para o alto e para o lado – em direção à posição seis (VI) – em um salto com deslocamento em diagonal surpreendente, sacou em direção à posição quatro (IV) da quadra russa. “Ace”! Brasil campeão mundial!

Faço pequeno reparo à descrição do lance, pois assisti à cena no vídeo marqueteiro do próprio Giovane por duas vezes, em Florianópolis. Segundo ele, Giovane, “senti no ar que deveria inovar e alterar a direção do saque”. A bola tocou o chão adversário sobre a linha lateral correspondente, entre as posições IV e V. Mas tal não importa, pois talvez minha memória possa estar me traindo uma vez mais.

Saque marqueteiro. O lance citado – em que o Giovane decidiu a partida, e o campeonato – pode ser analisado com a mesma profundidade atribuída, mas de outros ângulos, isto é, consignando-se novas visões e, por isso, chegando-se a conclusões variadas. Um mesmo fato nunca é visto do mesmo modo pelos indivíduos presentes. Dentro de um shopingue, ouvi-o relatar esta história, a qual me atrevo a tirar possíveis interpretações. Naquele momento limitei-me a ouvir e esboçar um leve sorriso, pois não o conheço o suficiente para julgar. Contudo, como atleta de alto nível, suas qualificações estavam demasiadamente reduzidas, isto é, era um excelente “passador” e “atacante de entrada de rede” que, como dizíamos antigamente, “atacante de uma bola só”. Invariavelmente, os levantamentos para ele – sempre na “entrada da rede” (IV) – eram de bolas “chutadas” (rápidas) à meia altura e suas cortadas orientadas para a “diagonal” (entrada de rede adversária). Raríssimas vezes foi visto buscando outros pontos da quadra. Bem mais tarde, foi lançado como “atacante de bolas chutadas no meio de rede” com excelente aproveitamento, pois ninguém até então realizava este tipo de ataque. Seu saque nunca foi o ponto forte e, numa final, no ponto decisivo, não acredito mesmo. O atleta russo de entrada de rede (IV) fez golpe de vista e a bola tocou a linha. “Incrível, mas valeu”!

Conclusão. Voltando aos comentários do saque que decidiu um mundial, em igualdade de condições um detalhe pode fazer a diferença numa partida de voleibol. E no alto nível temos visto inúmeros casos através dos anos. Sorte, acaso, fatalidade? O leitor saberá tirar suas conclusões. Um cronista de basquetebol disse certa vez: “O jogo deveria ter um minuto de duração e o placar inicial partiria de 100 a 100”! Parece que estamos todos habituados a só perceber os detalhes no final das partidas; as outras fases parecem ser dispensáveis. Além disso, considere-se que um atleta fora de série não é aquele que ostenta o maior número de títulos, mas o que possui todos, ou quase todos os fatores necessários para a prática de uma modalidade esportiva, em altíssimo grau de adequação. Dessa forma, será muito pouco provável encontrar no voleibol moderno alguém com tais características, haja vista que os diferentes fatores – podemos dizer os fundamentos – estão distribuídos taticamente entre os componentes de uma equipe. Assim, são premiados (estatisticamente) “o melhor passador”, “melhor defesa”, “melhor levantador”, “melhor atacante”, e por aí vai… Isto me faz lembrar dois fatos que deixo para os leitores pensarem:

) Conversa com excelente profissional da equipe técnica da seleção brasileira masculina; indagado sobre o desempenho de um dos atletas no Mundial da Argentina (2002) disse-me categoricamente: “Ele foi eleito o melhor atacante do torneio”! No que retruquei: “Na minha primeira aula de Estatística o professor nos alertou para o perigo das conclusões apressadas, pois há que ter bom senso para interpretá-las”. E nova pergunta: “Por que então o atleta não jogou as duas últimas partidas, as finais”? Não houve resposta… (e não estava contundido)

) No início do apogeu do vôlei nacional – em 1984 – as atenções gerais estavam voltadas para três excelentes jogadores, os destaques da equipe: Bernard, Renam e Xandó. Os dois últimos com características semelhantes de ataque, principalmente vindos do fundo da quadra. Nessas circunstâncias, eram desobrigados da recepção do saque, com a missão exclusiva de ataque pela saída de rede com extrema potência. Ocorre que para não sofrerem a ação de bloqueio duplo, o que lhes prejudicava a eficiência, fazia-se necessária a participação do não menos excelente Bernard pelo meio da rede atraindo para si o respectivo bloqueador, pois era ágil e hábil em bolas rápidas, tendo para isto muita velocidade de braço. Isto fazia com que lhe fosse dada especial atenção, o que contribuía para liberar os atacantes de “ponta” (da rede) de bloqueios duplos, inclusive os que vinham do fundo (Renam e Xandó). Em muitos jogos pude ver a dificuldade que ambos possuíam e mais ainda, até de atacar com eficiência quando não tinham a possibilidade das “corridas de impulsão”. Enquanto isto, Bernard era o melhor passador – recepcionava e imediatamente atacava – e o mais eficiente, ainda que com bloqueio altíssimo à sua frente pelo meio de rede. Com certeza as estatísticas não detectavam as fintas (sem bola) que liberavam os dois “pontas” para as suas potentes cortadas.

No excelente texto do português Arlindo Miranda (sovolei/A Nossa Missão, Zona 7), ele reporta ao mesmo lance, agora com alguns detalhes do técnico Bernardo: “Perfeito: golpe forte, bola dentro, quase na linha (15-13). Éramos Campeões do Mundo. Uma curiosidade. Na manhã do jogo tínhamos acabado de treinar quando Giovane continuou se exercitando mais um pouco nos saques. Todo o mundo já estava se encaminhando para o ônibus e ele lá, testando um golpe, mais outro, outro mais. Acredite ou não, ele confidenciou aos companheiros qual era o objetivo do treinamento extra: ‘Estou caprichando no saque que vai acabar com o jogo’. A quem pensar que dei a Giovane uma instrução do tipo ‘Vai lá e saca na linha’ esclareço que não sou um estrategista tão poderoso. O que eu disse a ele foi muito diferente: ‘Giovane, entra e não perde o saque, pelo amor de Deus’. E quem pensa que ele fez somente o último ponto do jogo também se engana: os últimos 3 pontos foram dele”.

Antes do Mundial da Argentina a que me referi anteriormente, fui conversar com o Bernardo na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, onde estava treinando a seleção. Queria mostrar-lhe que o atleta André Nascimento, canhoto, apesar de ser um dos melhores atacantes do mundo, apresentava (a meu ver) deficiências contornáveis que, se sanadas, aumentariam o seu potencial de acertos. Disse-me o treinador: “Infelizmente não há tempo agora para corrigi-lo”. E lá foram para a Argentina, retornaram campeões do mundo e o referido atleta, o “maior pontuador” dos jogos. E, pasmem, não atuou nas duas últimas partidas (as finais). Passados alguns anos, de repente o Giovane treina alguns saques antes de um jogo e é endeusado. Parece milagre?

Estratégias em jogo. E, por falar em ser ou não ser estrategista poderoso, tenho certeza de que o Bernardo é. Sabe liderar, mexer no time, fazê-lo vibrar e, mais importante, sabe conquistar a confiança do grupo. Mas isto não o torna o dono da verdade. A seu favor, lembrem-se do último set em que o Brasil venceu a Rússia na recente Liga Mundial: a equipe passou a colocar a bola em jogo no momento do saque, preocupando-se somente com os bloqueios. O que mudou o rumo do set e da partida. Sorte, azar? Não, pura competência estratégica. Quando se iniciou no voleibol, treinou no Fluminense, no Rio, com o competente Bené (artigo no Procrie). Com ele aprendeu a utilizar o saque estrategicamente. Quando treinador do feminino, no momento do saque, exibia uma placa de cartolina com a numeração correspondente onde a atleta brasileira deveria direcionar o saque, providência que funcionou por bom período. Todavia, se ele (Bernardo) prestou atenção, provavelmente deverá providenciar o aprendizado do saque tático que, positivamente a equipe brasileira ainda não aprendeu (ou não houve tempo para aprender).

O tempo, a memória, os interesses e as interpretações – a história de cada um – muitas vezes são antagonistas; em outras, nos auxiliam. Você conseguiria distingui-las umas das outras?