Jabulani vs. Mikasa

Influência da Bola no Saque

Imagem: The University of Adelaide.

Durante os jogos da Copa do Mundo na África do Sul, as atenções estiveram voltadas especialmente para a bola oficial do certame – a Jabulani. Em alguns momentos, estive dialogando (entre blogues e e-mails) com um amigo que, de certa forma provocou-me. Dizia ele que (…)”Para atletas em alto nível, a bola do jogo tem muitos mistérios já desvendados com grande esforço e que, devidamente aproveitados, levam à vitória. Uma alteração importante em suas características – como parece ter ocorrido agora – pode anular anos de treinamento e tirar-lhes uma arma tática preciosa”. E concluía que os futebolistas de técnica individual mais refinada  são os que mais têm a perder com a mudança. A seguir relata suas experiências de busca de uma “intimidade” com a bola de voleibol, pois foi exímio atleta nas décadas de 50 e 60. Eis alguns trechos: ” A curiosidade decorreu em relação ao saque… com a observação do fabuloso e temido serviço das japonesas”; “Bola e saque, com aquela precisão nipônica, sugeria aplicações da Física, sobretudo da Dinâmica, com o uso dos conceitos de quantidade de movimento, velocidade e turbulência entre outros”. Pretendia melhorar seu desempenho e concluiu que “deveria executar um saque em que a bola se deslocasse parada, sem movimento de rotação”. (A bola que se jogava no Brasil na década de 60 era fabricada pela Drible G-18, com 18 gomos em sua face externa.) Percebeu, então, que a bola não era “homogênea, porque havia um peso um pouco maior no ponto em que a válvula era colocada e seu posicionamento em relação à área do golpe na bola teria influência sobre o desvio objetivado na fase final da trajetória, imediatamente antes de chegar ao defensor”.  E concluiu que por ensaios e erros descobriria qual o melhor ponto de impacto que deveria sofrer a bola: “Foi o que eu fiz para chegar a um saque desagradável para meus adversários: aquele em que o movimento da bola se tornava instável ao chegar ao defensor e descrevia o chamado swing, isto é, flutuava aleatoriamente”. Resgato, ainda, o comentário final que pretendo debater mais adiante: “Atualmente, o saque passou a ser predominantemente violento (dado com pulo e gesto de cortada). Saques que tenham swing (flutuantes ou bola parada) e confundam os defensores são cada vez menos relevantes, inclusive porque a sua defesa de toque é agora permitida e o toque não precisa ser perfeito como na regra antiga, o que facilita a recepção”.

Comentário por Roberto Pimentel (9.6.2010)

Destaco alguns aspectos que influenciam a flutuação da bola e que não me passaram despercebidos também no meu empirismo ao tentar ensinar o saque dos japoneses para crianças no Tijuca Tênis Clube em 1971. Inicialmente, a distância que a bola percorrerá (por isso o recuo máximo do atleta que o executa). Em seguida, a trajetória mais conveniente que se deve imprimir à bola. Em terceiro, o movimento balanceado do braço de modo a preservar as articulações do executor e, ao mesmo tempo, imprimir velocidade à bola. Por último, o toque na bola, com uma única flexão do polegar, de modo que se evite o impacto com a palma da mão, o que se traduziria em movimento de rotação na bola qual o saque americano muito bem executado pelo russo camisa 6, Yury Pojarkov no Mundial de 60 no Brasil. Além disso, o dedo flexionado no momento do impacto de alguma forma penetra na bola produzindo um movimento elástico, isto é, de ida e volta imediato, provocando um possível balançar, que será acrescido na sua descendência na quadra adversária pelas desigualdades da camada de ar. Não são estudos cinesiológicos, mecânicos ou físicos, apenas livre pensar. Espero ter contribuído se não para esclarecer, mas para acirrar um debate construtivo graças à sua brilhante e oportuna apreciação sobre a influência da bola no jogo.

Comentário do interlocutor:

“No saque atuam sobre a bola em movimento – quando ela se desloca parada – duas forças componentes: uma horizontal decorrente de sua quantidade de movimento; outra vertical, devida ao seu peso. Há um momento em que a bola, depois de percorrer certa distância (e ultrapassar a rede), atinge a velocidade crítica, em que a resultante dessas duas forças passa a dirigi-la para o solo. Nesse momento, as variações de resistência do ar, a heterogeneidade da bola e as forças turbilhonares que sobre ela atuam podem gerar a flutuação. Distância da linha de saque, altura e intensidade do golpe na bola definem o lugar do campo adversário em que a velocidade crítica será atingida. Esse dedo flexionado que penetra na bola é science fiction ou algo psicológico que não posso explicar muito bem… Aliás, cuidado com ele”.

Foi-me sugerida a leitura do seguinte artigo, que pode ser visto na íntegra no endereço: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/ Destaco um trecho interessante ao nosso diálogo:

Bola e aerodinâmica (Redação do Site Inovação Tecnológica, 10/06/2010 – Físicos explicam aerodinâmica da Jabulani, a bola da Copa) – “A Jabulani tem uma textura com pequenos sulcos e ‘aero ranhuras’, e representa uma ruptura radical com a bola Teamgeist ultra-suave, que foi utilizada na última Copa do Mundo. A nova bola é de fato mais rápida, faz curvas de forma imprevisível e é sentida como sendo mais dura no impacto. Os físicos afirmam que a maior dificuldade em lidar com a Jabulani deverá ser sentida pelos goleiros. Embora a Fifa tenha normas rígidas sobre o tamanho e o peso das bolas, eles não dispõem de regulamentação sobre a superfície externa das bolas. A Jabulani tem uma textura com pequenos sulcos e ‘aero ranhuras’, e representa uma ruptura radical com a bola Teamgeist ultra-suave, que foi utilizada na última Copa do Mundo. A Teamgeist foi uma grande tacada na última Copa do Mundo. Como ela era muito lisa – muito mais lisa do que uma bola de futebol comum – ela tinha uma tendência a seguir uma trajetória mais curva do que a bola convencional, e a cair mais repentinamente no fim da sua trajetória. Em comparação, os sulcos aerodinâmicos na Jabulani têm tendência a criar uma turbulência em volta da bola suficiente para sustentar seu vôo por uma distância maior, e é uma bola mais rápida, mais dura no jogo. A expectativa é que a Jabulani faça mais curvas do que qualquer bola encontrada anteriormente. Os jogadores também estão descobrindo novas oportunidades para lançar a bola de maneira errática, para desespero dos melhores goleiros do mundo. Ao atingir o goleiro, a Jabulani terá desviado e mergulhado, chegando com mais força e energia do que a Teamgeist, conclui o físico”.

Comentário por Roberto Pimentel (29/6/2010)

Destaco duas assertivas dos físicos, encampadas pelo meu interlocutor: 1) A nova bola (…)  é sentida como sendo mais dura no impacto; 2) Ao atingir o goleiro, a Jabulani terá desviado e mergulhado, chegando com mais força e energia do que a Teamgeist. Não pretendo polemizar, pois me falta a instrução científica. Quando coloquei o assunto pensei estar-me aculturando e estendi-me pensando também nos meus leitores. Futuramente colocarei este assunto no procrie. Como pude observar pela leitura da revista Veja, há coisas acontecendo que os olhos não podem ver. Esta é uma delas. Assim, se a cabeça de um indivíduo pode “entrar” na bola (dura), por que não o seu dedo numa bola mais macia? Como diria o Padre António Vieira, “há olhos de ver e olhos de enxergar”. Ainda bem que a ciência não é mais exata como antigamente e, sendo assim, tudo pode acontecer apesar das tentativas de explicação, que certamente não passam de teorias ainda não comprovadas. Lembro ainda que a FIVB alterou a calibragem (para menos) das bolas, tanto na praia como no indoor visando preservar os atletas dos impactos. Dessa forma, bola mais vazia, penetrações mais profundas.

(Para ampliar clique na imagem)

Imagem: Revista Veja.

E agora, o que dizer às crianças sobre o aprendizado do saque japonês, aquele balanceado? Devem ou não colocar o dedo? Vamos fazer uma enquete a esse respeito? Aguardo a opinião de todos vocês!

 

Mundiais de Voleibol no Brasil, 1960 (V)

Aleksandra Tchoudina recebe o troféu de campeã mundial em Paris, 1956.

Curiosidades e Histórias

Curiosidades

  • Mesmo como país-sede, participamos da fase classificatória. Nesta fase, a equipe masculina atuou em Santos (SP). No total, foram dezessete seleções inscritas no masculino e onze no feminino. A Índia (masculino) não compareceu, bem como a seleção feminina do Paraguai.
  • Alguns atletas brasileiros, potencialmente em condições de serem titulares, solicitaram dispensa da seleção; a expectativa deles sempre foi em torno de poder viajar para o exterior. Dizia-se à época que se jogava sempre com um olhar na “busca pelo passaporte”. E, como veremos, este clima perdurou por muitas gerações. Muitos atletas e principalmente dirigentes não retornavam no mesmo avião, permanecendo de férias pela Europa. O fim deste procedimento deu-se somente a partir de 1975, com Nuzman na presidência da CBV.
  • Os atletas não eram dispensados de suas funções nas empresas ou entidades em que trabalhavam. Aqueles que podiam, acertavam com seus empregadores com pedidos de férias ou folgas. Outros continuaram trabalhando, mesmo durante os jogos, como Lúcio, professor de Educação Física da Associação Comercial dos Empregados do Comércio, no Rio.
  • Os “alojamentos” destinados às delegações – no ginásio do Caio Martins – eram precários, incômodos, não oferecendo qualquer conforto. Outra dependência destinada à acomodação era o antigo Hotel Casino Icaraí, que atualmente abriga a Reitoria da Universidade Federal Fluminense e o velho Hotel Roma, na praia de Icaraí. Os dirigentes, delegados e presidente da FIVB, todos se hospedaram em hotéis do Rio de Janeiro. Também a equipe masculina da URSS, que necessitava, certamente por motivos políticos, da conquista do campeonato.
  • A cidade de Niterói só tinha três ginásios precários para a realização de treinos das equipes: Icaraí Praia Club (IPC), Faculdade de Direito e o SEDA – Sociedade Esportiva da Diretoria de Armamento da Marinha. Além desses, o do 3° Regimento de Infantaria, em São Gonçalo, município vizinho a Niterói. A travessia entre o Rio e Niterói era realizada somente por meio de barcas ou lanchas, em meia hora. Para azar dos dirigentes, até uma greve dos marítimos foi desencadeada no período dos jogos, no dia 8/11, à zero hora. A Marinha colocou um “Aviso” (tipo de lancha) para o deslocamento das delegações. As seleções da Polônia e da Rússia, que encerraram o jogo naquela madrugada, ficaram em hotéis reservados com antecedência pela CBV.
  • A bola utilizada nos jogos era de fabricação nacional – Drible –, de couro e com 18 gomos.
  • A equipe americana veio por conta própria, financiada por um dos atletas – Gene Selznick (camisa 2) – em seu próprio avião. Divertiam-se e algumas vezes dormiam em hotel de Copacabana, no Rio de Janeiro, pois os alojamentos em Niterói tinham horário para fechar.
  • A URSS, sempre comandada pela prestigiosa Aleksandra Tchoudina (5 medalhas olímpicas no atletismo até 1956), foi campeã mundial feminina de voleibol em Paris e agora no Brasil.
  • O Japão, que se adaptara às regras internacionais do vôlei em 1955 (atuavam com 9 jogadores), começa a brigar pelos primeiros lugares nos mundiais e olimpíadas que se sucederam. Suas atuações se destacavam pela graça e agilidade na defesa, bem diferente do jogo de força dos europeus e, principalmente, pelo saque “flutuante”, uma novidade na época. Inclusive, a equipe feminina foi visivelmente prejudicada pela arbitragem brasileira no jogo final contra as russas. Na fase classificatória realizada em Santos (SP), venceram as polonesas – campeãs europeias e uma das equipes candidatas ao título – por contundente 3×0, sendo um set de 15×0.
  • O mundial marcou a despedida do técnico francês Marcel Maturré, autor dos primeiros livros sobre voleibol que apareceram no Brasil.

Histórias

  • Um oportuno observador assistiu, ao longe, a conversa que dirigentes russos tiveram com os responsáveis pela equipe da Tchecoslováquia, no ginásio do Caio Martins, na manhã do jogo decisivo. Num dado momento, em plena quadra, o técnico tcheco esbraveja e chuta a bola que tinha nas mãos com raiva e indignação. Os russos venceram os tchecos por 3×2 nesta mesma noite, no Maracanãzinho. Os atletas dos países socialistas eram quase todos militares, mantidos pelo Estado. Inclusive, por modalidade de esporte, servindo nas mesmas unidades, portanto, com tempo integral e sem preocupações de treinamento. Suas carreiras estavam vinculadas aos resultados que viessem a obter nas competições internacionais. “Ganhou, era promovido. Perdeu, ganhava o gulak siberiano” (hic! Campo de concentração para prisioneiros políticos da União Soviética).
  • Alguns atletas brasileiros pediram dispensa da seleção, alegando motivos particulares. Contudo, era voz corrente que não se exporiam a vexames e não “ganhariam a viagem” para o exterior.
  • Antes da final dos jogos, juizes (auxiliares e mesários) brasileiros decidiram fazer uma greve: não receberam ingressos grátis para seus amigos e familiares. Foram requisitados árbitros estrangeiros para atuar.
  • O cerimonial que antecede os jogos previa a execução de parte dos hinos nacionais. No jogo URSS x EUA houve um fato curioso. Momentos antes, Hilda Lassen (atleta do Fluminense F.C.), que colaborava como intérprete, sentou-se sobre o disco de vinil que continha o hino soviético. Savin, representante soviético, foi chamado imediatamente e alguém descobriu alguns componentes de uma banda. Savin assobiou os acordes do hino para que tentassem reproduzi-lo. E conseguiram.