Vôlei de Praia em Nictheroy

Sócios do IPC clicados na Praia de Icaraí, 1950.

“Redes de Praia”  [1]   

O esporte tinha duas vitrines em Nictheroy: a primeira, o próprio clube, berço para o seu desenvolvimento; por último, a Praia de Icaraí, aonde até nossos tempos transformou-se num quintal recreativo. Embora houvesse discussões quanto ao placar, a escolha dos times, os lances dúbios, tudo era encarado da forma mais amistosa possível, sendo raríssimos os casos de desavenças graves. O vôlei era praticado essencialmente por lazer e dispensada a arbitragem: os próprios jogadores se policiavam e assinalavam suas próprias faltas. Aliás, a regra era devidamente modificada para que se permitisse um jogo fluido e alegre, com ralis longos: “valia tudo, exceto tocar na rede e xingar a mãe!” Em meados da década de 50 e durante muito tempo, o voleibol atraía muitos adeptos aos domingos para a praia de Icaraí. Eram várias as Redese algumas sobressaíam em valores técnicos de seus participantes, sem contudo tirar o brilho das longas e animadas partidas. Os grupos eram formados segundo suas próprias simpatias e a finalidade era o lazer após uma semana de trabalho. O trabalho aos sábados só findou para a maioria nos primeiros anos da década de 60, o que despertou mais ainda a prática das peladas na areia.      

Além do Rio, também em Nictheroy praticava-se o voleibol na praia, especialmente aos domingos, o que contribuía, não só para um bom preparo físico – jogar na areia fofa é muito estafante – como acrescentava excelente desenvolvimento tático, uma vez que “valia tudo” nas partidas. Para colocar a bola no chão da quadra adversária era preciso, além de tudo, imaginação e criatividade. Esta prática favoreceu e fez diferença durante muitos anos nos confrontos contra paulistas ou mineiros. Em suma, eram quatro treinos por semana – acrescentou-se o sábado a partir do início da década de 60 –, sendo que o preparo físico era dado pela prática na areia. Formava-se uma geração bastante competente que, em disputas na década seguinte contra atletas de seleção do Rio competiam de igual para igual, muitas vezes até em vantagem. Foi o período dos torneios de praia do Jornal dos Sports nas areias de Copacabana.      

A Rede do IPC foi fundada em 1937 em frente à Travessa Coelho Gomes. Em pé, à esquerda, Milton Braga, Vital Imbassahy e Aguinaldo Mendonça; agachados, Nelsinho, Otávio Botafogo e Klauss.

Circo na Praia. A rapaziada, já não tão novinha assim, se reunia aos domingos na praia de Icaraí, na Rede do IPC, entre as ruas Álvares de Azevedo e Pereira da Silva e ali era armado um verdadeiro “Circo”, atraindo passantes e famílias, que se divertiam com as “travessuras” dos velhinhos. Sua algazarra, alegria e espontaneidade eram contagiantes, atraindo sorrisos e olhares de simpatia.      

Almoço dos Crentes. Falar da Ala dos Crentes é relembrar um passado que não volta mais. Todo último domingo de cada mês realizava-se o almoço no clube IPC. O Crente era designado na reunião anterior para  pagar todas as despesas do almoço seguinte, sempre em clima de grande alegria e descontração. Uma crônica (provavelmente de 1959) de um observador privilegiado – Francisco Pimentel (meu tio), o Chicão, ou Peru –, retrata a vida e o humor de quantos apreciavam o voleibol e faziam dele um momento de alegria, de encontro e confraternização:        

“Voleybol Society – Manhã de sol radiante. Domingo. Em nosso footing habitual divisamos, em certo ponto da praia, tremenda e assustadora aglomeração. Gritos histéricos. Vaias. Correrias. Tiros… A princípio julgamos tratar-se de algum conflito provocado, talvez, por banhistas conquistadores. Qual a minha surpresa, quando no meio do burburinho, notei pela originalidade da figura, um tipo que poder-se-ia considerar como sósia do Governador Jânio Quadros. Aspecto tenebroso. Cabelos desgrenhados. Bigode vassoura. Não era briga. Não havia mortes. Apenas disputava-se uma peleja do simpático esporte da rede, o voleibol, na quadra que é já conhecida como “O Circo”.  Muito antigo o espetáculo. Cerca de vinte anos de atividades incessantes. O dono do “CIRCO” é o tipo que tivemos ensejo de salientar. Quando moço ainda jogava bem, gritava pouco. Agora, velho alquebrado, joga pouco e grita muito. A sua chegada no picadeiro é espetacular. Muletas a bordo, esparadrapos, remendos etc., mas, por incrível que pareça, sem dúvida um paradoxo, é um tipo querido, estimado, e imprescindível. Sem ele o espetáculo é frio, insosso. O movimento é dele, e a vitória sempre. Como todo “Circo” este também tem, além do clown principal, a famosa macacaaranha, sósia de Jânio Quadros, vários espécimes de notável raridade. Senão, vejamos. O Elefante Marinho que é o Boto, cortador emérito. Um Padeiro, estilista. Um Pretinho, saliente, que nas horas vagas é dentista e que levanta muito bem… a sua cadeira profissional. Um Alemão, cortador (atacante) notável, que dorme, às vezes, na quadra, acompanhado de um “…(? ilegível)) de pobre” para cuja deglutição conta sempre com a solidariedade do Piolin. Um jovem lunático, também cortador, mas que tem a mania de ser locutor de rádio (imita Oduvaldo Cozzi). O outro louco da rede, companheiro do Joãozinho Biruta, é o player do Flamengo que corta quando levanta e levanta quando corta, dono de excentricidades e fan do Alemão. Outro figurante, um tipo apolônico, mas conhecido como Mr. América (embora seja luso) e que quando chega na rede (é levantador… de sacos no cais do porto) é um verdadeiro figurino, short estampado, cordão de ouro, óculos ray-ban, joelheira, caneleira, coxeira, pulseira, dedeira, balangandãs e gorro. Enfim, é um desfile interminável de beldades. Mas o que merece, realmente, a nossa atenção é o desenrolar do espetáculo. Primeiro, a escolha dos times. Jânio de revólver em punho, no meio do campo, selecionando os figurantes. Nem um pio. Todos seguem cabisbaixos as suas ordens. Inicia-se o prélio. Barulho surdo, como a queda de um fardo de “carne seca”: Jânio foi defender uma cortada e estatelou-se na areia. Primeiro ponto para o adversário. Uma cortada do Boto. Procura-se o Miquinho e o menino está enterrado na areia, mas defendeu a cortada.”      

Quem é Quem      

  1. Jânio Quadros e macaaranha é Aguinaldo Mendonça, o dono do Circo (da Rede) e o mais antigo; nascido em 1911, foi o principal informante dessas saudosas declarações. Residia em Icaraí, casado com Olga desde 1949, veio a falecer em setembro de 2004.
  2. Elefante Marinho ou Boto, ou Lula (Lulu), ou melhor, Luís Carlos Silva Santos, mergulhador, mas que sofria do coração, sobrinho de Carmela Dutra, mulher do presidente Dutra (1945-50).
  3. Padeiro, um estilista, era o José Fernandes, também levantador da equipe do IPC.
  4. Pretinho, o capitão-dentista do Exército, é Alcides Saraiva, único fundador do IPC ainda vivo. 
  5.  Alemão ou Berner, tremendo cortador, era Bernard Wohrle.
  6. Piolin era Hugo Limoeiro.
  7. Jovem lunático, imitador do Oduvaldo Cozzi, o mais famoso locutor de partidas de futebol, também conhecido por “Joãozinho Biruta”, era alto, elegante…
  8. Player do Flamengo, não era outro senão Ornani. 
  9. Mr. América, um tipo “apolônico”, era Manoel Loureiro, verdadeiro figurino…
  10. Miquinho, o Nelsinho, canhoto, exímio levantador, também companheiro (do Autor) de jornadas de voleibol no início da década de 60 em torneios de vôlei de praia (6×6) do Jornal dos Sports, no Rio de Janeiro.

[1] Local na praia onde era armado o campo de jogo.

Voleibol em Nichteroy

Equipe do Icaraí Praia Clube (IPC). Em pé, da esquerda para a direita, Milton Braga, Vital Imbassahy e Aguinaldo Mendonça; agachados, Nelsinho, Otávio Botafogo e Klauss. A equipe venceu o 2º Torneio Aberto da ACM, no Rio, em 1939. Ao fundo, a Rede do IPC na praia. Acervo Aguinaldo Mendonça.  

 

 

Vôlei na Praia de Icaraí (I)

Esporte e Lazer. O esporte tinha duas vitrines em Nictheroy: a primeira, os clubes, berço para o seu desenvolvimento; em segundo, a Praia de Icaraí, onde até nossos tempos transformou-se num quintal recreativo. O vôlei era praticado essencialmente por laser e dispensada a arbitragem: os próprios jogadores se policiavam e assinalavam suas próprias faltas. Embora houvesse discussões quanto ao placar, a escolha dos times, os lances dúbios, tudo era encarado da forma mais amistosa possível, sendo raríssimos os casos de desavenças graves. Aliás, a regra era devidamente modificada para que se permitisse um jogo fluido e alegre, com ralis longos: “valia tudo, exceto tocar na rede e xingar a mãe!”

As Redes. Fora do ambiente escolar praticava-se o futebol e o voleibol nas praias. Este começava a exercer sua influência sobre os jovens. Quanto às crianças, estas observavam atentas as partidas e somente nos intervalos lhes era permitido praticarem alguns rudimentos. Durante longos anos a prática do vôlei na praia fez a diferença entre cariocas, niteroienses e seus maiores rivais, paulistas e mineiros. Dizia-se que eram “ratos de praia”, uma referência à malandragem dos praticantes.

Ratos de Praia. No Rio, alguns privilegiados, com horários de trabalho flexíveis ou simplesmente que não trabalhavam, jogavam duplas diariamente muitas vezes com apostas em dinheiro. Eram chamados Ratos de Praia. Também em Nictheroy praticava-se o voleibol na praia, especialmente aos domingos, o que contribuía, não só para um bom preparo físico – jogar na areia fofa é muito estafante – como acrescentava excelente desenvolvimento tático, uma vez que “valia tudo” nas partidas. Para colocar a bola no chão da quadra adversária era preciso, além de tudo, imaginação e criatividade. Esta prática favoreceu e fez diferença durante muitos anos nos confrontos contra paulistas ou mineiros. Em suma, eram quatro treinos por semana – acrescentou-se o sábado a partir do início da década de 60 –, sendo que o preparo físico era dado pela prática na areia. Formava-se uma geração bastante competente que, em disputas na década seguinte contra atletas de seleção do Rio competiam de igual para igual, muitas vezes até em vantagem. Foi o período dos torneios de praia do Jornal dos Sports nas areias de Copacabana.

Em meados da década de 50 e durante muito tempo, o voleibol atraía muitos adeptos aos domingos para a praia de Icaraí. Eram muitas as redes e algumas sobressaíam em valores técnicos de seus participantes sem tirar o brilho das longas e animadas partidas. Os grupos eram formados segundo suas próprias simpatias e a finalidade era o lazer após uma semana de trabalho. Como até hoje, existiam os “donos da Rede”, aqueles abnegados que armavam, desarmavam e administravam a atividade. Os rapazes que começavam a se destacar no voleibol de praia – sempre jogado seis contra seis – eram invariavelmente convidados a participar de equipes de clubes, um fato que perdurou por gerações. Esses campeonatos tiveram início em 1938 congregando diversas Redes, onde atuavam vários ases do esporte.

História do Vôlei de Praia

 

 

 

 

 

Breve relato de época. Desde 1946, Mário Filho, dono do Jornal dos Sports, incentivava os esportes amadores. O Vôlei de Praia tinha dois torneios: um só para homens e outro, misto, mesclando três homens e três mulheres, que perduraram com sucesso até o início da década de 60 onde competiam centenas de atletas e, inclusive, os melhores do país. Na sua época, destacavam-se as redes do BEBÊ BARRETO e a AMENDOEIRA. Como até hoje, existia o “dono da rede”, aquele abnegado que armava, desarmava e administrava a atividade. Em Ipanema, na rede do Ipanema Praia Clube, quem mandava era o Rinaldo Toselly. Outros famosos, mais tarde, foram o Frazão, no Posto 6 (Copacabana) e, depois, a tia Leha. Os rapazes que começavam a se destacar no voleibol de praia – sempre jogado seis contra seis – eram invariavelmente convidados a participar de equipes de clubes, um fato que perdurou por gerações. Assim João Athayde foi jogar no Flamengo, sob a direção técnica de Zoulo Rabello. Em 1948, Zoulo conquistou todos os títulos do voleibol carioca disputados por suas equipes: masculinas (principal e juvenil) e feminina. Independente delas havia as equipes de ASPIRANTE e o TIME DE RESERVA (2a Divisão). Alguns passavam diretamente à equipe principal, como foi o caso de Lúcio Figueiredo, John e João Athayde (João Manivela), um pouco mais novo que aqueles. João (1932), com 1,86m, era o mais alto atleta de sua época, mais do que Lúcio, rivalizando-se com Coqueiro e Evereste, apelidos de atletas consagrados, que lhes foram outorgados por sua estatura.  

I TORNEIO DE VOLLEYBALL DE PRAIA, Praia de Copacabana, Rio de Janeiro (Jornal dos Sports, 5.12.1946)

ANTECEDENTES & PREPARAÇÃO . “Os Professores Paulo Azeredo e Jonas Corrêa na direção técnica das Seleções. Amanhã, pela manhã, nas Praias de Copacabana e Ipanema, O primeiro “test” dos ases do nosso Volleyball”.

Recebida com entusiasmo e aprovada por unanimidade na reunião dos representantes (…) a idéia de abertura do “I TORNEIO DE VOLLEYBALL DE PRAIA” com uma exibição de duas seleções. (…) Jogarão, como já se divulgou, as seleções de “Copacabana-Urca” x “Ipanema-Leblon-Botafogo-Zona Norte-Niterói”. Um confronto verdadeiramente sensacional, em que atuarão os maiores “ases” do nosso volleyball. Para orientar as seleções, foram escolhidos pelo árbitro-geral, Sr. Ivan Raposo, os técnicos Paulo Azeredo e Jonas Corrêa, professores da Escola Nacional de Educação Física e autoridades no assunto. Na preliminar, como é sabido, participarão as “estrelas” de nossas praias.

Convocação. O professor Jonas Corrêa da Costa, responsável pela seleção de Copacabana-Urca, considera desde já convocados os seguintes jogadores, cujo comparecimento é solicitado amanhã, às 9 horas, no campo do Grupo dos Tatuís, no Posto 4, defronte ao Luxor Hotel: Rede Mar (Frederich Mumbe); Rede Amendoeira (Idacio Leite Pereira, Paulo Pinto, Luiz Souza); Rede Bebê Barreto (Nelson Santos, Wellinton Dias, Newton Marques Coelho, Sylvio P. Nunes, Ignaldo Rodrigues e Zoulo Rabello); Rede Belfort (Giusepe Feliponi); Urca P. C. (Alberto e Virgílio Damazio Sá, irmãos, Gilberto de Araújo Cunha, Coqueiro, Betinho e Evereste). Pelo técnico Paulo Azeredo foram convocados os seguintes jogadores, os quais deverão comparecer amanhã, às 9 horas, na sede do Ipanema Praia Clube, na praia de Ipanema, defronte à Rua Joana Angélica: Clube Atlético Juventus (Calil Chueiri); Ipanema Praia Clube (Carlos José da Silva, Eurico de Castro Surerus, Walter Angus Moore, Joelsio Reis Ferreira Viana); Ipanema Beach Club (José Gil Carneiro de Mendonça, João Chrysóstomo, Nelio Cox, Alfredo Tovar Bicudo de Castro, Helio da Silva Cerqueira, o Corrente); Arpoador Praia Clube (Patrick Seidl); Icaraí Praia Clube, de Niterói (Nelson Abreu, Berni Whorle, Klaus Whorle, Ornani Pinto).

Bairros com Redes de Praia. Nesta época o vôlei de praia vinha sendo praticado nos fins de semana em diversos bairros: Copacabana, Leme, Icaraí (Niterói), Ipanema, Leblon, Urca, Botafogo, Praia Vermelha, Flamengo e Centro. Muitas equipes se inscreviam para os torneios do Jornal dos Sports, aglutinando considerável número de adeptos: 

Masculino: A. A. Burroughs; Amendoeira (Idacio Leite Pereira, Paulo Pinto, Luiz Souza); Arpoador Praia Clube (Patrick Seidl); Belfort (Giusepe Feliponi); Clube Atlético Juventus (Calil Chueiri); Dona Bebê, Bebê Barreto ( Nelson Santos, Wellinton Dias, Newton Marques Coelho, Sylvio P. Nunes, Ignaldo Rodrigues, Zoulo Rabello); Guaporé; Icaraí Praia Clube, Niterói (Nelson Abreu, Berni Whorle, Klaus Whorle, Ornani Pinto); Ipanema Praia Clube, 2 equipes (Carlos José da Silva, Eurico de Castro Surerus, Walter Angus Moore, Joelsio Reis Ferreira Viana; Ipanema Beach Club (José Gil Carneiro de Mendonça, João Chrysóstomo, Nelio Cox, Alfredo Tovar Bicudo de Castro, Helio da Silva Cerqueira); Rede Mar; Rio Basket Clube; Samarang; Grupo dosTatuís; Tuiuti; Urca Praia Clube (Alberto e Virgílio Damazio Sá), Gilberto de Araújo Cunha, Coqueiro, Betinho e Evereste.

Feminino: Amendoeira; Ipanema Beach Club; Ipasiarios (e outras, que se formavam repentinamente).

Década de 50 – Criada a Rede Caçula. Destaques nos torneios eram Gabriel, Betinho, Isnaldo, Idácio, Rodolfo, Evereste, Coqueiro, Bicudo, Passarinho, Hélio Cerqueira, Paulinho, Glader, Gastão, Bolonha, Rodolfo, Otávio, Henio. Entre as mulheres, Efigência, Lígia, Ludy, Romacilda, Celma, Helena, Benjamim.