Aprender a Ensinar – Memória

Memória e Movimento

Que importância tem a memória quando realizamos algum movimento? Por que relembro com facilidade as coisas boas?

Como já disse, participei de Congresso Nacional de Mini Voleibol em Buenos Aires em 1984 (ver Cursos de Minivoleibol, 9.9.2010). Ali conheci um dos participantes – Pitera – técnico de voleibol italiano, que fez explanações teóricas sobre a iniciação e, especialmente, sobre a importância da memória no aprendizado e desenvolvimento do indivíduo. Embora sucinto, encantei-me com o assunto e me dispus a estudá-lo mais profundamente quando retornasse ao Brasil. Já no Rio, reservava parte do horário de almoço a frequentar livrarias do Centro da cidade e buscar nas prateleiras especializadas de Psicologia o tema que tanto me despertara interesse. Nada consegui e, durante anos, envolvido com tantos assuntos, deixei este repousando lá no fundo da minha cabeça. Mas não me esqueci dele. Eis que passados muitos anos, talvez em 2006, descobri o livro didático – Psicologia Pedagógica – em que o seu autor L. S. Vigotski discorre sobre a memória como eu estava a procurar.  A parte teórica, então, que transcrevo abaixo é de autoria desse psicólogo russo, que espero contribuir para despertar o interesse de todos no seu aprofundamento. Boa leitura!

Conceito 

Em termos psicológicos, memória significa uma relação estabelecida entre uma reação e outra. No conceito atual, o que antes se denominava memória representa uma forma complexa e combinada de comportamento, começando pela reação simples e terminando em reflexos mentais complexos.

Reprodução das reações. Exercícios ou ensaios são meras reproduções calcadas no conceito de plasticidade da matéria. Toda matéria é mais ou menos plástica, ou seja, possui a propriedade de modificar-se, de mudar a constituição e a disposição das células e conservar os vestígios das mudanças sobre o efeito de influências. Poder-se-ia dizer que uma estrada de terra lembra que passaram rodas sobre ela porque ela manteve a marca das mudanças na distribuição das suas partículas provocada pela pressão das rodas. Assim, a plasticidade significa três propriedades fundamentais da matéria: 1) a capacidade de mudar a disposição das partículas; 2) a conservação das marcas dessas mudanças; e 3) a predisposição para repetir as mudanças. Reparem que a trilha facilita uma nova passagem para as rodas, uma folha de papel dobrada em determinado lugar tem a tendência de repetir a dobra no mesmo lugar ao mínimo impulso. Nossa matéria nervosa é, ao que tudo indica, o que há de mais plástico de tudo o que conhecemos na natureza.

Natureza psicológica da memória. A velha psicologia distinguia duas espécies de memória: a memória mecânica e a lógica (ou associativa). Por memória mecânica entendia a capacidade do organismo para conservar o vestígio de reações muito repetidas, produzir as respectivas mudanças nas vias nervosas. Era o processo semelhante a uma trilha de caminho (trilhamento dos caminhos) como fundamento para a acumulação da experiência individual. Toda a soma de habilidades individuais, hábitos, movimentos e reações de que dispomos, não passa de resultado desse trilhamento. Um movimento muitas vezes repetido como que deixa vestígios no sistema nervoso e atenua a passagem de novas excitações pelos mesmos caminhos.

Comentário. O destaque no texto acima é de minha autoria. Quero assinalar um fato demasiadamente desprezado no ensino: a busca da QUALIDADE. Invariavelmente, os exercícios são “decorados ou copiados” e aplicados sobre os alunos ou atletas, cumprindo-se uma rotina diria curricular, as famosas receitas técnicas. Em geral a participação do professor ou treinador é meramente dar uma atividade aos seus alunos e esperar que aprendam pelas repetições. Entretanto, como acentua Vigotski, este trilhamento se não for produzido almejando a busca da perfeição dos gestos deixará vestígios no sistema nervoso nada recomendáveis e prejudicando o avanço no desenvolvimento técnico do praticante. E todos nós sabemos o quanto é desprezado este conceito nas práticas diárias. Por isto, escuta-se a todo instante treinadores de alto nível a dizer: ” O atleta chega à seleção repleto de defeitos e não há tempo para corrigi-los”! Poderão ainda ilustrar-se na série de artigos que estou produzindo sobre “Treinamento de Defesa”.

Estaremos a seguir a produzir mais uma vez texto sobre a importância de o professor (ou treinador) permanentemente despertar o interesse de seus alunos. Descortinarão o que seja treinar ou jogar com alegria e o que representa para o indivíduo o colorido emocional. Acompanhem-me!

Sistemas de Informação no Voleibol

             

Informação e Estatística     

Meu primeiro contato com as chamadas “Estatísticas” do voleibol ocorreu às vésperas do XII Campeonato Mundial masculino realizado no Brasil, em 1990. As “chaves” se desenvolveram em várias cidades – Curitiba, Brasília e Rio de Janeiro – culminando com os jogos finais no Maracanãzinho. A FIVB enviou o seu mais destacado técnico especialista (talvez o criador) do sistema Horst Baacke, um alemão da ex-Alemanha Oriental. Efetuou cursos nas três cidades assessorado pelo presidente do Conselho de Treinadores da CBV, o Comandante Célio Cordeiro Filho. Participei do curso no Rio como ouvinte, uma vez que não me interessava atuar na especialidade durante os jogos. Foi muito interessante, apesar de alguns problemas na tradução com a intérprete, sem qualquer intimidade com o jargão do voleibol. Não me recordo quantos dias, mas creio que não passou de uma semana. Foi utilizado o ginásio principal da Escola de Educação Física do Exército, desde aquela época a quadra principal da CBV. Coincidentemente, num daqueles dias recebemos a visita da seleção principal da Itália que realizou treino amistoso com uma seleção brasileira de novos, concentrada naquela unidade militar.          

O curso desenrolou-se na parte da tarde com algumas aulas teóricas e as práticas, sempre no ginásio, com a utilização de equipes infanto juvenis de clubes cariocas, especialmente do Fluminense. Contudo, não tenho certeza, mas tenho a vaga impressão que o técnico alemão atribuía 5 valores – de zero a 4 – para representar cada intervenção de uma atleta. Assim, em caso de erro absoluto (nota zero); algum resultado, mas ainda bastante deficiente (nota 1); relativo sucesso, mas com defeito (nota 2); quase perfeito, mas podendo melhorar (nota 3); e finalmente, nota 4 para a atuação perfeita. Ora, era tarefa impossível de ser assimilado rapidamente por olhos estranhos ao vôlei, representado pelo contingente de estagiários universitários, ávidos somente pelo diploma de participação para enriquecimento de currículo. E quando havia ralys extensos as dificuldades se multiplicavam. Enfim, quem cria alguma coisa sabe também como manipular.          

Felizmente, pelo que veremos a seguir, as notas – agora denominadas NÍVEIS – foram reduzidas a somente três. O bom senso parece ter prevalecido, muito embora o sistema não consiga (a meu ver) prevenir ou apontar detalhes importantes que escapam ao observador com menos vivência. Números são números, nada mais. Sempre se disse no Brasil que as estatísticas servem àqueles que as produzem, especialmente quando não devidamente interpretadas. Lembro-me de minha primeira aula na Faculdade e a história contada pelo professor: “Jovem acadêmico realizou um levantamento estatístico na cidade do interior, tendo constado ao final do trabalho que 50% dos médicos morriam”. Indagado como chegou tão rápido à conclusão, disse: “Na cidade só encontrou dois médicos e um deles morrera.”  Podemos apreciar a seguir o que a Fivb decidiu duas décadas depois. Sirvo-me da tradução de Luís Melo, do site português Sovolei, onde tenho a primazia de assinar artigos técnicos.          

Sistemas de Informação no Voleibol (SIV). As tecnologias tiveram um avanço imenso nas últimas décadas, e nunca mais o mundo saberá funcionar sem, por exemplo, os Sistemas de Informação (SI). Esses sistemas estão presentes nas nossas vidas, mesmo se por vezes não nos damos conta por eles. Servem para recolher, processar, transmitir e divulgar dados que representam informação relevante para o utilizador. No voleibol também se utilizam os SI. O VIS (Volleyball Information Systems) é um software da FIVB que foi inicialmente produzido para fins estatísticos nos jogos de voleibol. Está preparado para recolher dados de todas as ações de jogo e também do nível das mesmas. A FIVB considerou que existem 6 ações de jogo… Serviço, Recepção, Passe (leia-se Levantamento), Ataque, Bloqueio e Defesa. Estas podem ter 3 níveis: Excelente, Normal e Erro.           

Três das ações de jogo são consideradas como competências para pontuar (serviço, ataque e bloqueio), e as outras três competências para evitar o ponto (recepção, levantamento, defesa). Para que uma ação pontuadora seja excelente, ela deve terminar a jogada e conquistar o ponto. Uma ação normal permitirá que a jogada continue. Para ações que evitam o ponto, será excelente aquela recepção que permita ao levantador ter todas as opções de ataque disponíveis. Quanto ao levantamento, este será excelente se apenas existir um jogador no bloqueio. Esta informação será importante para, por exemplo, nomear os melhores atletas em jogos ou competições. Existem 7 rankings diferentes:           

1. Maior pontuador… atleta que marca mais pontos, por ações de ataque, bloqueio ou serviço; 2. Melhor ataque… calculado pelo nº de pontos, menos o nº de faltas, dividido pelo total de tentativas; 3. Melhor bloqueio… atleta com melhor média de bloqueios, com ponto, por parcial; 4. Melhor serviço… atleta com melhor média de aces por parcial; 5. Melhor defesa… atleta com melhor média de defesas por parcial; 6. Melhor distribuição… atleta com melhor média de passes perfeitos por parcial; 7. Melhor recepção… calculado pelo nº de recepções perfeitas, menos o nº de faltas, dividida pelo total de tentativas. Atualmente o VIS já consiste numa base de dados e um conjunto de portais web. Através de um simples interface (aplicação ou browser web) o utilizador pode criar competições, introduzir informação sobre clubes, equipes, atletas, árbitros ou ginásios. Também já é possível adicionar fotografias para todos estes itens. A última versão do VIS contém também calendários, comunicados de imprensa e transferências. Todas as transferências de jogadores serão feitas eletronicamente através do VIS, acabando com os certificados de transferência em papel. Uma explicação de como tudo se processará pode ser vista em vídeo.       

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Repetição ou Qualidade nos Treinos?        

Dois ou três anos depois que me iniciei no voleibol, solicitava quase sempre a um ou mais amigos que me acompanhavam – ou solicitava de um conhecido na arquibancada – que anotasse os meus ERROS. Felizmente não eram muitos, apesar de participar da maioria dos lances do jogo. Lembro que estou falando da década de 60. E cada vez passaram a ser menores, a ponto de dispensarem lápis e papel. Como consegui tal façanha? Treinando com QUALIDADE, isto é, exigia-me demasiadamente nos treinos em qualquer lance de que participasse e sempre buscando a bola. O nível de exigência chegava a extremos, inclusive nos jogos na praia, pelos quais fui convocado para a seleção brasileira. Que tal os treinadores e jogadores (individualmente) adotarem esse comportamento? Em outra oportunidade falarei sobre nível de exigência nos treinamentos e tentarei estabelecer uma relação com as “estatísticas” comentadas nessa postagem. Se algum dos leitores tiver conhecimento de causa ou mesmo outra ideia, seria uma boa oportunidade de nos comunicarmos e nos locupletarmos todos.      

Conduta do jogador. Chamo a atenção para um outro detalhe embutido na afirmação acima: (…) “sempre buscando a bola”. Veremos isto no desenvolvimento do tema Defesa em Voleibol, ou a qualquer momento caso se manifestem. Até breve.