Higiene Pedagógica

Esforço e Êxito 

Faço uma alerta aos profissionais do ensino, especialmente para crianças, quanto aos aspectos médicos e cuidados que devem prevalecer no que tange às práticas desportivas. Quase sempre o ídolo ou campeão é instado a ser copiado nas suas ações  nem sempre as mais saudáveis. Infelizmente muitos professores e treinadores, especialmente os que realizam estágios em Centros de Treinamentos de ponta, quase sempre não têm o tirocínio de se ajustarem às suas próprias realidades e muitas vezes oferecem treinamentos inadequados. 

Qual a participação da equipe médica da seleção de um país nos aspectos pertinentes ao treinamento? Até que ponto opina? A parte física está entregue exclusivamente ao professor de Educação Física?   

Levanto esta questão para debates, pois confesso que até hoje jamais ouvi relato a respeito desse assunto. O que se pode observar é aquilo divulgado na imprensa, são os chamados exames médicos de avaliação preliminar e, a seguir, um acompanhamento mais de perto pelos fisioterapeutas de plantão. Estes surgiram recentemente, em substituição ao tradicional massagista, que fazia papel também de enfermeiro. Não acredito que o fisioterapeuta ainda hoje tenha sorte diferente. Um outro profissional de plantão é o psicólogo. Creio que deveria ser o que mais trabalha em função das inúmeras tatuagens espalhadas pelos esguios e alongados corpos dos nossos heróis. Mas como fui buscar subsídios em livro de Psicologia Pedagógica, imagino que o psicólogo especializado possa dar uma contribuição talvez nunca percebida pelos treinadores e preparadores físicos.

Esforço coroado de êxito.  Treinar, treinar e treinar… até que ponto?  Tenham extremo cuidado com quem diz isso, pois pode ser um inconsequente que ignora as sequelas que mais tarde os jovens atletas terão que se haver. Daí advém também a necessidade das famosas “peças de reposição”. Ninguém, corpo algum suporta tantos saltos, quedas e cortadas violentas sem pagar um preço. Além disso, invariavelmente as quedas após os saltos se realizam sobre uma das pernas, o que contribui para futuras consequências em tornozelos, joelhos e quadris. Têm a seu favor tênis especiais melhor equipados com amortecedores e o piso emborrachado. Mas não creio que seja suficiente, pois os impactos são enormes. Além disso e os outros, que não pertencem ao seleto clube tricampeão? Como todos tendem a ouvir e, pior, a copiar os seus heróis, acautelem-se aqueles que forem espertos, uma vez que os dirigentes e treinadores certamente não estarão preocupados com pequenos detalhes diante das competições importantes para eles. O fisioterapeuta que dê um jeito. A conferir, pois se desconhece a verdade e já não sabemos em quem confiar dada as diferentes afirmações. Relembrem o caso no recente campeonato mundial masculino realizado em solo italiano protagonizado pela equipe brasileira. Não quero entrar em detalhes, pois o que sabemos é através da imprensa e, como disse, a cada momento existe uma versão. O fato maior para nós, neste momento, foram as contusões (ou antes, ou durante os jogos preparatórios da Liga Mundial) em que vários atletas sucumbiram às lesões de algum tipo. Um deles tornou-se auxiliar técnico por incapacidade de poder atuar.

O psicólogo David Wood nos ensina alguns procedimentos e cuidados:           

Regra psicológica. O exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. O esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar. De outro modo se transformaria numa cansativa repetição, contra a qual se rebela o organismo.  

Significado pedagógico. Todo caso de plena satisfação com os resultados acarreta certas mudanças no mecanismo nervoso da adaptação. Sugere que apenas uma simples repetição ainda não assegura o momento do êxito, uma vez que só a execução bem sucedida de alguma ação propicia a formação da organização desejável no sistema nervoso central. Traduzindo, há que se exigir dos treinadores “exercícios de QUALIDADE”. Se o mesmo movimento se repete a cada instante, a exaustão leva a resultados insatisfatórios que impedem diretamente a formação de novos caminhos de menor resistência. Observe e avalie os progressos e as novas exigências.           

Exaustão. A exaustão é um antagonista do exercício. O processo do exercício pode exigir simultaneamente uma atividade conjunta de vários dos nossos órgãos. Qualquer atividade que desenvolvemos mobiliza o trabalho, não de um órgão qualquer, mas de uma série conjunta de órgãos e, cada ato de atenção é acompanhado de um ativo retardamento e da inibição das demais reações. Isso determina que, paralelamente à exaustão puramente muscular que se desenvolve no órgão de trabalho, existam manifestações de exaustão nervosa geral que se dilui amplamente e inabilita todo o nosso corpo para continuar em atividade. Nesse caso cabe distinguir três conceitos básicos: cansaço, estafa e exaustão.           

Cansaço. É um estado nervoso que pode surgir até quando não existe nenhum fundamento fisiológico para o surgimento da estafa. Pode ocorrer depois de um bom sono, ser induzido e decorrer do desinteresse e do tédio provocados pelos processos que se desenvolvem diante de nós. Nos casos normais o cansaço é para nós um sinal de chegada da estafa.           

Estafa. É um fator puramente fisiológico e alguns supõem que ela esteja ligada ao surgimento de venenos específicos no sistema nervoso. É amplamente conhecido que todo o trabalho nervoso se realiza à custa de certas substâncias materiais que se encontram no nosso sistema nervoso e, consequentemente, o esgotamento dessas substâncias deve, mais dia menos dia, pôr fim ao trabalho que se desenvolve em nós. Nesse caso, o sistema nervoso, necessitando restaurar a alimentação gasta, cai em certa apatia e numa espécie de torpor que, em formas diluídas, assume o caráter de sono. Assim, a estafa é um fato absolutamente normal e necessário, que regula o nosso comportamento no sentido da suspensão do trabalho quando este se torna prejudicial ao organismo. O pedagogo não deve se assustar com ela, mas temer aqueles casos em que se manifesta uma estafa excessiva sem cansaço. Isto acontece quando, por um esforço da vontade, reprimimos em nós o cansaço e o superamos, quando temos pela frente algum trabalho complexo e difícil ou quando uma grande tensão nos leva a experimentar uma excitação que nos impede de dormir. 

Tudo indica que o cansaço é uma reação subjetiva e a estafa o estado objetivo do nosso organismo. A estafa não se manifesta logo, mas aos poucos e pode ser paralisada por pequenos intervalos no trabalho e pela mudança da forma das ocupações. Daí ser sumamente importante para o pedagogo estabelecer a quantidade máxima de tempo que o aluno pode trabalhar seguidamente sem cair em estafa. A estafa nas crianças pequenas é bem superior à das crianças maiores e por isso é necessário reconhecer como grande erro pedagógico o fato de que a duração das aulas no primeiro e no segundo grupo seja idêntica, apesar de que a estafa numa criança de 8 anos e em outra de 6, nem de longe seja igual.           

Estafa e trabalho. Surge a exigência de mudança, ou seja, de intervalos particulares no trabalho e a “substituição de um tipo de trabalho por outro” para que a uniformidade do trabalho não provoque estafa cedo demais. Em si mesma, a estafa é a pior condição no trabalho. Ela parece anunciar um protesto do organismo contra o trabalho, desorganiza esse trabalho, retarda-o, diminui a sua precisão, reduz a qualidade e os resultados do exercício.            

Higiene pedagógica. Por isso, uma importantíssima exigência passa a ser uma higiene pedagógica especial, na qual as ocupações sejam distribuídas de modo a levar o aluno a uma estafa normal, mas não carregá-lo de trabalho quando ele já estiver com estafa. Neste sentido, a estafa em si mesma é um fator desejável porque cria fortes estímulos para o repouso, o descanso, o sono e propicia da forma mais enérgica a restauração das forças esgotadas. É bem mais útil aquele trabalho que leva o aluno ao pleno limiar da estafa, mas o mantém a alguns passos desse limiar.           

Exaustão. Ao contrário, a exaustão significa uma perda anormal de forças na qual a sua plena restauração já não é possível. Neste caso surge um aspecto negativo, uma perda irrecuperável de energia que ameaça o organismo com consequências mórbidas. Cria-se, então, a mais profunda contraposição de todo organismo ao trabalho que provoca estafa.           

Repetição e exaustão. Paralelamente à utilidade biológica da ação costumeira estável, o sistema nervoso dispõe de um mecanismo de exaustão biologicamente importante, mas inteiramente oposto pelo significado e sentido. Sua função consiste em “destruir o hábito”, barrar-lhe as vias nervosas e facilitar o surgimento de novas reações. A necessidade de ambos os mecanismos é evidente e está relacionado para o normal desenrolar do nosso comportamento.

Lesão e Superação

Problemas médicos

Como os interesses políticos, os favorecimentos e o excesso de atividades podem influenciar e prejudicar o rendimento de um atleta em qualquer modalidade? O médico da delegação tem poder de veto? E o fisioterapeuta é o “faz-tudo”?  

Histórias 

1) Na primeira olimpíada em que o voleibol se fez presente foi em Tóquio, Japão, no ano de 1964. A delegação brasileira masculina se fez presente somente com dez atletas. Dias antes do embarque, o COB informou à CBV sobre esta decisão, alegando contenção de despesas. Nunca foi justificado até porque foi o ano da entrada no poder dos militares e o COB já tinha em suas fileiras vários generais. Aliás, todos os postos chaves do esporte, como o Conselho Nacional dos Desportos (CND). No que se refere à equipe de voleibol, era comentário geral que um dos atletas estava lesionado no joelho ainda nos treinamentos precários no Brasil. Certamente, agravado pelo emprego de exercícios hoje totalmente condenados, como o canguru, além de subidas e descidas de degraus de arquibancadas. Diga-se ainda que a equipe ficou reduzida a seis atletas por contusões durante os jogos.

2) Em 1984, na Olimpíada de Los Angeles, mais uma vez a delegação estava composta com pelo menos dois atletas sem condições ideais para a competição antes de embarcarem e, ainda assim, viajaram. Até então, a seleção era um grupo fechadíssimo em torno de seu treinador que detinha todo o poder. E sabíamos todos que dos 12, somente dez tinham condições de atuar na equipe.  

3) Há muitos anos, em conversa com um dos supervisores da CBV, ele comentava que um dos problemas com o estado físico dos atletas residia na má execução das atividades nos próprios clubes, ou até mesmo, na sua ausência. Quando convocados, tinham que passar por um período de reavaliação e tratamento. Interessante, que anos depois, inclusive com melhor aparato de equipamentos e equipe médica adequada, alguns problemas surgiram na seleção, como o caso de Schanke (?), que saiu de quadra em um jogo pela seleção direto para a mesa de cirurgia de um hospital, com problemas de circulação na mão.  

4) Dois anos após a conquista olímpica de 1992 houve um êxodo dos atletas atraídos pelo milionário voleibol italiano. Não durou muito e após a temporada italiana, creio que ainda em 94, Nuzman promoveu uma festa com toda pompa no Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio, com jornais, TVs, autoridades e convidados. Ele, ainda presidente da CBV, sugeriu e engendrou o retorno dos cinco atletas campeões olímpicos que atuavam na Itália – Carlão, Maurício, Tande, Giovane e Marcelo Negrão. O Banco do Brasil, tendo a frente o seu presidente Andréa Calabi, arcou com as despesas, inclusive os seus salários. A CBV distribuiu os atletas por diversos clubes/empresas. Interessante foi um dos argumentos invocado: “Estaria protegendo os atletas – citou o Tande – de maus tratos, isto é, era obrigado a atuar sem condições físicas adequadas, mesmo estropiado”. O sexto atleta titular daquela olimpíada, Paulão, que não se transferira para a Itália, tornou-se presidente de um clube no Paraná, além de também atuar na equipe que conseguiu a duras penas montar. Foi esquecido solenemente, não tinha carisma e por isso a imprensa não lhe dava a mínima atenção. Caiu no esquecimento. 

5) A história se repetiria após a virada do século: da equipe bicampeã mundial (2006), somente um jogador atuava no país. Para atenuar a busca de dólares e euros no exterior, foi montado um esquema marqueteiro com a principal emissora de TV brasileira para transmissões dos jogos da Liga Nacional. Com isto, os salários em reais tornaram-se razoavelmente competitivos, especialmente por estarem em casa e falarem a mesma língua. Ainda assim, um ou outro abdicou como o jogador Tande que logo após o campeonato mundial da Itália retornou ao seu time na Rússia. Como a situação econômica do país é estável e até invejável diante das maiores economias mundiais, é natural que se possam oferecer melhores salários aos “nossos heróis”. 

6) A emoção de Murilo quando foi anunciado o melhor jogador do Mundial de Vôlei (2010) tinha uma razão. O ponteiro teve de superar ao longo da competição uma dor interminável na panturrilha, que causou cãimbras e o fez jogar no sufoco em algumas partidas. Com o alívio do dever cumprido, o camisa número 8 afirmou que nunca viu a seleção passar por tanta dificuldade em um torneio em que saiu vitoriosa. Foi a mais difícil pelos problemas físicos. Até em 2009 nós conversávamos que nunca tinha acontecido muitos problemas físicos na equipe ao longo das competições, dizíamos que éramos muito sortudos por isso. Mas neste mundial foi complicado. Primeiro já pelo problema do Marlon, que não era um problema físico e sim fisiológico, e ele superou… Depois o problema do Bruno na semifinal, quando sentiu o tornozelo esquerdo e o meu na panturrilha e hoje também sentindo o tornozelo. “Isso é ainda melhor para gente tentar se ajudar em quadra”.  

7) O atleta Giba, desde os jogos da Liga não atuava e não atuou efetivamente nesse mundial, possivelmente poupado por motivos médicos. Passou a ser o “segundo” do técnico, dando apoio e instruções aos seus colegas. Todavia, no Brasil, deixou escapar uma brincadeira pouco saudável para um atleta de seu nível: “Creio que a Fivb deveria daqui para frente realizar um campeonato mundial com todos os outros países; aquele que vencer, disputará com o Brasil quem será o campeão”. Lamento, mas notei certa empáfia em suas palavras. Como deve ser difícil voltar a por os pés no chão após vôos tão altos! E lembrar que em 2002 foi pego no exame antidoping na Itália, fato este abafado na grande imprensa, inclusive com a ida de um bombeiro à Bota. Certamente a divulgação do fato comprometeria a boa imagem do garoto-propaganda do patrocinador oficial.