Primeiros Campeonatos Mundiais

Os Campeonatos do Mundo de Voleibol em Paris

Les Championnats du Monde de Volleyball à Paris, M. Lenoir, Administrador Geral da Federação Francesa de Voleibol, out., 1956. Tradução livre do autor. Acervo João Carlos da Costa Quaresma.

A História dos Primeiros Campeonatos. Voleibol, Esporte Preferido da Mulher!

Os Campeonatos do Mundo de Voleibol são realizados de quatro em quatro anos. Depois de Moscou em 1952, Paris neste ano de 1956, 1960 talvez sejam realizados nos EUA; em 1964… Não se sabe ainda ao certo. Mas o desejo (secreto) dos dirigentes desse esporte que está crescendo não seria… “Olimpíadas”, de ver o voleibol assumir o título de esporte de equipe incluído no programa dos Jogos Olímpicos? O Senhor presidente da Federação Internacional, o presidente da Federação Francesa e o tesoureiro do Comitê Nacional dos Esportes certamente não envidarão esforços em tal proposição no momento em que o voleibol se torna um novo empreendimento. Assim, em seu último número, a revista Sport et Beauté apresenta os Campeonatos do Mundo de Voleibol.

Hoje me obrigo a retornar à competição internacional, liberado para remeter-me mais tarde ao estudo que terei prazer em escrever: voleibol, esporte preferido da mulher!

Qual seria a impressão do inventor do voleibol, William Morgan, se assistisse, em 30 de agosto, à abertura dos Campeonatos? Em 1895, William Morgan havia imaginado um jogo acessível a todos e para todos; jogo bem diferente deste praticado atualmente em nossas praças ensolaradas por nossos belos praticantes. Depois, o esporte sofreu uma metamorfose e, improvável, essa nova versão fosse adotada com entusiasmo pela elite esportiva feminina. Portanto, a evolução do voleibol feminino é recente. Eu me prendo ao primeiro Campeonato Europeu feminino, em Praga. Foi em 1949. Penso que esse ano foi o da descoberta. Abri bastante os olhos assim que encontrei as equipes femininas da URSS, da Polônia e da Tchecoslováquia. Para ilustrar é que cito estes três países, onde a evolução já se produzia, mas praticamente entre eles, pois quase não havia competições internacionais antes desses primeiros campeonatos. Nossas meninas, como as da Romênia, da Hungria e da Holanda, nessa época aplicavam as diretrizes do velho William Morgan. Por exemplo, nossa seleção francesa estava constituída de jogadoras internacionais – caso de casamento entre jogadores felizmente são frequentes – e também os melhores dentre os praticantes de nossas praias mediterrâneas. Entretanto, não fizemos má figura, pois ganhamos da Hungria (3×1), da Holanda (3×0) e resistimos à Romênia (1×3).  Naturalmente, não houve por que inquietar a elite: URSS, Tchecoslováquia e Polônia, que se classificaram respectivamente nos três primeiros lugares. A URSS ganhou os primeiros Campeonatos Europeus sem perder qualquer set. A Tchecoslováquia teve grande dificuldade em ganhar da Polônia; quanto a nós, estávamos na quinta colocação entre os sete, o que me parece bastante razoável e honroso.

Depois em Sófia, 1950, os Campeonatos de 1949 deviam marcar uma evolução no voleibol feminino de competição praticado em nosso país. Alguns países no nosso nível em 1949 (Hungria, Romênia) se beneficiaram da experiência adquirida e marcaram seus progressos já no segundo Campeonato Europeu disputado em Sófia, em 1950. Nós estivemos ausentes desse segundo Campeonato Europeu. Penso que tenha sido um erro. A competição nos teria permitido manter um contato. Como quer que seja, esses jogos marcaram uma nítida superioridade da URSS, vencedora de seus adversários sem perder sequer um set. Mas a Polônia desbancou sua rival, a Tchecoslováquia.

Noblesse oblige. Organizadores, deveríamos apresentar uma equipe feminina em 1951. Entretanto, outras federações, conscientes de seu prestígio nacional, se abstiveram seja por força da preparação – foram os casos da Polônia e da Romênia – seja por considerações extraesportivas, como a Tchecoslováquia. A luta pelo título estava, então, circunscrita à URSS e à Polônia. Superioridade reafirmada da URSS, que, mais uma vez, não perdeu nenhum set. A França ganhou da Holanda e da Itália. Mas venceu fácil, sem qualquer risco. O abismo aumentou. Nós conseguimos 4 pontos diante da URSS e 29 diante da Polônia. E temos que nos render às evidências: em dois anos nossa equipe se deixou distanciar. Decidimos, dessa feita, comparecer a Moscou por ocasião dos Campeonatos Mundiais. Certo, a URSS conservou sua supremacia invicta, sem perder qualquer set, mas a dificuldade foi colocada. Os encontros se prolongaram por duas horas entre a equipe campeã e suas rivais, Polônia e Tchecoslováquia, que se classificaram nesta ordem. Quanto à França, ganhamos tão somente de uma equipe debutante: a Índia.

VoleiDynamo
Campeonato feminino de volley-ball no estádio do Dynamo, Moscou: 80 mil espectadores!

Quando teremos tal afluência na França?

Colocou-se para a Federação Francesa uma lição salutar, uma vez que, desde então, sistematicamente, passamos a cuidar da preparação de nossa equipe. De 1953 a 1955, decidimos disputar uma série de jogos bastante difíceis contra adversários reconhecidamente superiores. Naturalmente, cada vez que atuávamos, sempre terminávamos em desvantagem no marcador.

Equipe Francesa ausente de Bucareste, 1955.

Havíamos também decidido não comparecer com a equipe feminina nos Campeonatos Europeus realizados em junho, em Bucareste. E não fomos somente nós: a Iugoslávia, a Holanda, a Bélgica também se abstiveram. Além disso, esses Campeonatos, que consagraram a melhoria das equipes do Leste Europeu, só conseguiram reunir um número mínimo de participantes – a qualidade suplantando a quantidade – somente as equipes que competiam pelo primeiro lugar. Não havia mais do que seis equipes, que tiveram a seguinte classificação: Tchecoslováquia, campeã da Europa, URSS, Polônia, Romênia, Bulgária e Hungria.

VoleiParis56Revista1A vitória da Tchecoslováquia constituiu-se numa surpresa conquistada depois de 2h 5min de luta contra a URSS (3×2), 2h 10min contra a Bulgária (3×2) e 2h 5min ainda contra a Polônia (3×2). Esta vitória marcou definitivamente o realinhamento das equipes femininas do Leste Europeu que, todas, exceto a Hungria, alcançaram uma eficácia e uma técnica comparáveis às melhores equipes masculinas do mundo. Mas a representação francesa, pouco a pouco, fazia seu caminho. Um trabalho metódico e uma acrescida camaradagem lhe permitiriam compensar sua inferioridade técnica e física. Seu melhor resultado em fins de 1955 foi uma derrota justa contra a equipe iugoslava em Liubliana.

 

Campeonatos do Mundo, Paris, 30/agosto-12/setembro.

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Tchoudina capitã da equipe russa campeã mundial. Acervo João Carlos da Costa Quaresma.

Se não lhe fosse possível contrabalançar as pretensões das equipes desde 1950, (destaque para as equipes classificadas no fim da tabela – Hungria e Iugoslávia – que estiveram prudentemente ausentes este ano), a equipe francesa limitou suas ambições a vitórias sobre os EUA, Alemanha, Coreia, Bélgica, Luxemburgo, Holanda e, quem sabe, Brasil e China. Devemos, então, nesses Campeonatos do Mundo, fazer bem melhor figura do que nas competições internacionais que disputamos até aqui. Quanto ao título de campeão do mundo, se me é permitido fazer um prognóstico, a URSS, sempre comandada pela prestigiosa Tchoudina (5 medalhas olímpicas), não sairá de Paris sem o primeiro lugar. A equipe vem para vingar sua derrota em Bucareste, talvez injustificada. Mas os jogos estão longe de estarem definidos. A Tchecoslováquia, a Polônia, como também a Bulgária e a Romênia podem criar um fogo cruzado, onde o vencedor sairá de um cômputo matemático, e quem sabe se eu não subestimo o valor de equipes que não conheço suficientemente bem: a do Brasil, da China ou dos EUA. Para essas, meus prognósticos estão calcados, sobretudo na falta de competições acirradas, habituais entre equipes representativas do Leste Europeu. No final das contas o grande vencedor será o voleibol. Ele demonstrará sem contestação que é em muitos países o primeiro esporte coletivo feminino e persuadirá franceses e francesas de que ele merece também se tornar popular entre nós.