Importância de um Bom Ensino (II)

Lições de entrevistas

Sou um dos colaboradores do sovolei e deveras interessado no voleibol português. Acompanho suas notícias, entrevistas e resoluções desde 2005. Recentemente, meu interesse recaiu sobre entrevistas de dois de seus personagens atuantes. Reporto-me agora à entrevista de Valdir Sequeira em 25.3.2010, um dos atletas portugueses com mais sucesso e o único que no momento joga no mais competitivo campeonato da Europa. (www.sovolei.com/Entrevistasovolei). Com este texto, complemento os comentários da outra entrevista, do treinador e Professor de Educação Física português, Arlindo Miranda, sob o título “A Nossa Missão”, vinculada em www.sovolei.com/Zona7 em abril de 2010. Meus comentários estão neste Procrie/Fórum, sob o título “Importância de um Bom Ensino” (9.5.2010). Ao Valdir Sequeira, peço humildemente sua clemência por imiscuir-me em seus pensamentos e dizeres, mas tocou-me fundo sua espontaneidade e sinceridade. Imagino que após esta leitura poderá aquilatar mais propostas para o seu filhinho Valdir André. Perdoe este vovô distante. Lembrarei a todos sobre a pedagogia dos exercícios, metodologia e os cuidados de seu emprego não só no voleibol, mas em qualquer desporto. E mais, para o próprio desenvolvimento do indivíduo.

No Brasil, e penso que em muitos países, o ensino de qualquer desporto continua encontrando as mesmas dificuldades de outrora, isto é, sabe-se mais a respeito das técnicas de execução dos gestos, das táticas a empregar, de quase todos os ingredientes científicos, mas pouca atenção se dá – diria que nenhuma – aos primeiros aspectos da Formação dos futuros praticantes. Defino futuro praticante aquele indivíduo de pouca idade que se propõem a aprender algum tipo de esporte para o seu lazer e, quiçá, até como profissão. Em voleibol, como em qualquer outro desporto, o embasamento teórico está voltado para que as respectivas técnicas de execução dos gestos – as habilidades motoras específicas – devem ser aprendidas, aperfeiçoadas e exaustivamente treinadas por adestramento. Entretanto, essas habilidades motoras atuam em consonância com uma outra componente, a educação dos sentimentos ou do comportamento emocional, totalmente negligenciada.

“Educar sempre significa mudar”. Se não houvesse nada para mudar não haveria nada para educar. Que mudanças educativas devem realizar-se nos sentimentos? Todo sentimento é um mecanismo de reação, ou seja, é certa resposta do organismo a algum estímulo do meio. Logo, o mecanismo de educação dos sentimentos é, em linhas gerais, o mesmo para todas as demais reações. Estabelecendo estímulos diversos sempre podemos fechar novos vínculos entre a reação emocional e algum elemento do meio. A primeira ação educativa será a mudança daqueles estímulos com os quais está vinculada a reação. Este tema indica uma das regras psicológicas de suma importância: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. De outro modo se transformaria numa cansativa repetição, contra a qual se rebela o organismo. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”. Nas minhas práticas foi assim que procedi ao construir meus exercícios quando treinava solitariamente: tinha-os como verdadeiros desafios a serem conquistados com muita obstinação e esforço, plenamente recompensados. Nos treinamentos que realizei na minha carreira de treinador exigia individualmente o cumprimento de todas as fases do exercício, especialmente o ritmo, o que importava em repetição desde o início se houvesse algum deslize no seu desenvolvimento. E, detalhe, os companheiros não envolvidos acompanhavam toda a execução, apoiando e incentivando. Os exercícios tinham verdadeira produção teatral, ricos em plasticidade e descontração, traduzidas na alegria e satisfação dos indivíduos, inclusive, gerando plateia. Há alguns anos encontrei-me com um deles (em 1981 tinha 18 anos), que me agraciou com uma declaração demasiadamente generosa ao apresentar-me ao amigo: “Este foi o melhor e maior técnico que já tive”. Valeu a pena! Creio que na fase adulta de sua vida deve estar colocando em prática tudo que emocionalmente vivenciou naqueles tempos. Este é o verdadeiro campeão que buscamos!

Comentários e lições

O fato de ter passado na infância por outros desportos – atletismo, natação, basquete –, certamente contribuiu para a formação de uma memória motora ampla e variada. Em tese, para a prática do voleibol de alto rendimento requer-se um repertório de recursos técnicos somente possíveis para atletas que possuem memória motora compatível. Por isto os treinadores de seleções nacionais dizem sempre: ”Não há como treiná-los para refinar este ou aquele fundamento, pois estamos próximos da competição”. E acrescentam: “O erro vem da base (Formação)”. Pessoalmente tenho vários registros desse pensamento em diversas épocas. Alguns problemas estão detectados:

–    O treinamento precoce por adestramento surte os efeitos desejados, ou estaria agindo contra o próprio aprendizado?

–    O sistema de competições em que se valorizam os campeões em detrimento da grande maioria de vencidos, não seria mais desestimulante do que agregador?

–    A peneira – seleção e filtragem – de jovens aspirantes à prática competitiva, aliada à busca de indivíduos altos, não seria fator de limitação e desestímulo para milhares de crianças?

–    Como conciliar a prática desportiva com os estudos e o convívio social?

Essas observações nos convidam a examinar cada pensamento, cada palavra do jovem que se aproxima de qualquer desporto pela primeira vez. São os momentos de sua formação, em que cabe ao professor/treinador estar atento e bastante instruído para que não se percam possíveis candidatos pelo emprego de uma técnica de ensino inadequada. Como dissemos anteriormente, a metodologia do treinamento suscita uma das importantes regras psicológicas: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”.

(…) Bater parede… Exercitar-se contra uma parede é algo que traumatiza qualquer indivíduo, seja criança, jovem ou adulto. Era uma prática muito empregada no tênis, o famoso bater parede. É preciso muita força de vontade para superar tal castigo imposto a uma pessoa que está ali inicialmente para aprender a jogar e divertir-se. Todavia, entendo que muitos treinadores não dispõem de tempo para dedicar-se a este ou aquele candidato em determinadas fases de suas atividades à frente de uma equipe. Há momentos e brechas no calendário para fazê-lo com mais carinho e atenção. Mas jogar o indivíduo contra uma parede parece-me sádico. Já passei por esta situação quando tinha 20 anos. O treinador disse-me “Volte no início do ano que vem, pois agora estamos terminando nossas competições”. No ano seguinte encontrei-o como adversário num campeonato universitário brasileiro, pois ele também atuava. Surpreso, disse-me após o jogo em que perdera para a minha equipe: “Continuo esperando-o, volte lá”. Deve estar aguardando até hoje, pois nunca mais apareci. Receber a visita de um aspirante ao grupo é algo delicado, mas muito negligenciado pela maioria dos treinadores. Comparo ao atendimento de uma recepcionista numa grande empresa quando atende um telefonema. Como não sabe com quem está falando, torna-se o fiel da balança: dependendo de como atenda, a empresa poderá perder uma grande oportunidade de negócio. Há várias formas criativas de envolvermos um jovem iniciante entre os adultos de uma equipe, mesmo que ainda não possua uma técnica compatível com os demais. Mas nenhuma delas deve incluir a parede, ou o isolamento, pelo contrário, deve-se incentivar o maior contato com o grupo. Esteja sempre desperto para proceder da forma mais amistosa e carinhosa, ainda que isto seja motivo de mais trabalho. No futuro, certamente será recompensado. Resta aprender como fazê-lo de forma eficiente.

Treinos aborrecidos… Costuma-se dizer que “treino é coisa séria” e, então, não deve haver brincadeiras, falta de atenção ou empenho. A fase mais criativa de minha breve carreira de treinador foi em minha passagem por um clube carioca, em 1981. Conseguimos, todos nós – dirigentes, funcionários, atletas – formar um grupo coeso através da criatividade dos treinos. Mais ainda, ganhei o respeito e a admiração não só dos rapazes, mas da comunidade do voleibol, pois recebíamos diversos elogios pelas atuações nos campeonatos de que participamos. “Como foi possível”? Na maior parte, dando ludicidade aos treinos, conquistando a confiança, amizade e o respeito de todos, o que se traduziu em máxima atenção, empenho e dedicação. E um detalhe: na equipe adulta contávamos com quatro atletas juvenis eficientíssimos (18 anos). Isto sugere progressos e novas exigências, além de um significado pedagógico: todo caso de plena satisfação com os resultados acarreta certas mudanças no mecanismo nervoso da adaptação. Sugere ainda que apenas uma simples repetição ainda não assegura o momento do êxito, uma vez que só a execução bem sucedida de alguma ação propicia a formação da organização desejável no sistema nervoso central. Se o mesmo movimento se repete a cada instante, a exaustão leva a resultados insatisfatórios que impedem diretamente a formação de novos caminhos de menor resistência. Este pequeno grande detalhe nos leva a tergiversações infindáveis. Todos já devem ter assistido em cursos ou treinamentos de adultos a aplicação de inumeráveis exercícios objetivando este ou aquele elemento do jogo, implicando um ou mais jogadores, numa sequência às vezes variada de movimentos repetitivos. Por exemplo, assistindo um dos treinos de seleção brasileira (não me recordo o ano), analisei a sua construção e o seu objetivo. Era um treino de defesa individualizado para jogadores que, invariavelmente, ocupam a mesma posição ou área da quadra (I e II). No caso em questão tratava-se de atletas especialistas em ataques de “saída de rede”. Eram dois que se revezavam a cada ciclo de cortadas produzidas por três auxiliares situados no outro campo, posicionados sobre uma mesa; cada um deles nas posições de ataque convencionais. Invariavelmente, os ataques se sucediam em profusão, mas em constante monotonia, o que me pareceu comprometer a validade (qualidade) dos exercícios. Acertos ou erros, especialmente estes, não tinham o necessário diálogo entre treinador e atleta. Assim, cumpriu-se o ritual do treinamento (50 vezes), mas não creio que aqueles dois indivíduos tenham acrescentado qualquer aspecto de desenvolvimento no quesito defesa. Mas saíram bem cansados e, pior, teriam que repetir a mesma coisa nos dias seguintes. A meu ver, não acrescentaram nada ao seu cabedal técnico que, com certeza, não incluía saber defender. Lembrei-me do saudoso Adolfo Guilherme (Minas T. C.), que em 1966 à beira da piscina do Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, me dizia após nosso jogo pelo campeonato de clubes campeões: “Não sei o que vocês de Niterói fazem (treinos), mas sempre encontramos muitas dificuldades para levá-los de vencida; como defendem”! Uma de nossas vantagens sabia ele, é que atuávamos impreterivelmente duas vezes na semana no voleibol de praia de forma descontraída e moleque.

(…) Melhor modo para aprender as bases do voleibol. Faço este destaque porque se trata de uma observação de um atleta experimentado, com 28 anos de idade, com passagens por diversas equipes do melhor campeonato do mundo, o italiano. Imagino que ele tenha presenciado métodos mais condizentes do que bater parede e não queira colocá-lo uma vez mais para os aspirantes ao voleibol? Qual seria, então, o melhor modo de se aprender as bases do jogo?

(…) As motivações... Percebe-se a influência dos grandes eventos na conquista de novos adeptos para um desporto. Os japoneses, marqueteiros por excelência, muito contribuíram para a divulgação do voleibol no mundo graças à atuação de Matsudaira nas décadas de 60 e 70, quando revolucionaram as técnicas do voleibol, foram campeões olímpicos – feminino e masculino –, além de encantarem o mundo com o seu “Circo”. Em 1975 (ou76?) ele esteve no Rio de Janeiro onde realizou um curso. Junto, deixou conosco um curta metragem sobre como foi feito o seu “plano de treinamento de oito anos” para transformar o Japão numa potência olímpica no voleibol. Posteriormente, fui o único no Brasil a ter acesso ao filme e, sempre que podia, levava-o a escolas e clubes para exibi-lo, inclusive com comentários. Hoje transformei-o em DVD. Assim, entendi que quanto mais pompa, mais envolvimento de pessoas e um trabalho correto, sério, mais adeptos vamos cooptar para o desporto. Pensando dessa forma, construí projetos em praias para até 400 crianças simultaneamente. Em 1991, projetei para a CBV curso para 1.200 crianças por várias praias do Brasil. Sucesso absoluto!

(…) Superação diária nos treinos… Pode ocorrer que o que se está propondo fazer não é o melhor para o indivíduo, invariavelmente, um padrão de comportamentos estereotipados, receitas técnicas, ou como dizemos por aqui, receitas de bolo. Quase sempre não há diálogo entre treinador e atleta, o que acarreta uma simples imposição dos exercícios, tornando uma repetição cansativa que invariavelmente leva ao cansaço e ao descaso. Despertar o interesse do indivíduo por uma tarefa é torná-lo corresponsável por ela, senão o único a executá-la, corrigir-se até que atinja a perfeita técnica da sua execução. Este deve ser o seu objetivo e prêmio: aperfeiçoar-se e descobrir novos desafios. Assim, treinar com nível de exigência definido e acessível é diferente de repetir exercícios, onde o nível de exigência é quase sempre relegado. A isto se chama Treino Profundo (ou de Qualidade). Destacam-se dois aspectos: 1) O indivíduo não é levado a pensar para decidir sobre a nova situação.  2) Sendo repetitivos, tornam-se exaustivos e, então, em que ponto devemos evitá-los?

(…) Antes de decidirem… pelo voleibol, quero que estudem e que terminem os estudos. Sábias palavras! Para não cansá-los em demasia, deixo meu testemunho: abdiquei de figurar na seleção brasileira na década de 60 (tinha 22 anos) em favor da opção de estudar, trabalhar no Banco do Brasil e constituir minha família. Continuei a prática do voleibol em clubes, cursei a Universidade, realizei pós-graduação em Técnica de Voleibol e tornei-me especialista na Formação, sendo pioneiro do mini voleibol no Brasil. Visitem www.procrie.com.br

Exercícios (II) – Bons Hábitos

Formação de bons hábitos . Diz-nos a Psicologia que o homem é um complexo vivo de hábitos e que em seu comportamento – espécie de reações organizadas – apenas 0,001 dessas reações é determinada por alguma coisa além do hábito. Por isso o objetivo do professor é infundir no aluno hábitos que na vida possam trazer proveitos. Pode-se afirmar, então, que 99% dos nossos atos são executados de modo automático ou por hábito. Todos os nossos atos e até mesmo as falas comuns consolidaram-se em nós graças à repetição em forma tão típica que podemos vê-los quase como movimentos reflexos: Para toda sorte de impressões temos uma resposta pronta, que damos automaticamente. Seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos. Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade? (D. Wood)

Primeiro movimento. Quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”. Este sentimento é uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. Temos a sensação de que o movimento foi suscitado pela nossa própria vontade, porque o resultado final obtido corresponde à concepção anterior sobre o objetivo. (D. Wood)

Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus alunos: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente, deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico. “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência (os ensaios, as resoluções de problemas). Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.

Finalmente, ainda considerando a formação de bons hábitos, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, pode-se criar um novo hábito a partir de novos motivos. Na prática, conduzi o grupo de atletas do América a tomar consciência desse “despertar” para o sentimento do impulso. Desde o início de nossos treinos percebi que nenhum deles atentou para o fato. Imagino que raríssimos treinadores no Brasil percebam esse detalhe, fundamental para uma boa técnica de defesa. As primeiras instruções levaram-nos a descobrir e a tomar conhecimento teórico específico. A seguir, passamos à prática regular com exercícios simples e repetitivos – deixar a bola cair da mão a uma distância de 3m – e observar como e quando o indivíduo se desloca; em que altura toca na bola e, finalmente, como realiza este toque. A pouco e pouco foram formando-se novos hábitos e através de brincadeiras e desafios – componente emocional – alcançaram níveis nunca antes imaginados. Esses e outros detalhes contribuiram para ao final da temporada receberem os maiores elogios dos próprios adversários. Eu mesmo fui contemplado, quando o saudoso Adolfo Guilherme, técnico mineiro consagrado, indagou-me após um de nossos jogos: “O que fazem vocês que tanto defendem”? Em outras palavras, “Como treinam para defender tanto”?

O hábito é a nossa segunda natureza. Observe-se que o novo sistema de ações (primeiros ensaios), é de muita observação e estudos. A atenção é elevada. Cabe ao professor atenuar o sentido da atividade facilitando ao educando trilhar novos caminhos. Por isso, o exercício se desenvolve inicialmente de forma lenta e depois cada vez mais rápido, aperfeiçoando-se aos saltos, provocando mudanças na disposição das moléculas do cérebro: a parte principal consiste em fazer do sistema nervoso nosso aliado e não inimigo. Na medida do possível, tornar habituais e automáticos o maior número de ações úteis e combater a consolidação de hábitos que possam trazer danos à ação (correções necessárias e cabíveis). Quanto maior for o número de hábitos corriqueiros que consigamos tornar automáticos e fazer com que dispensem esforços desnecessários, tanto mais as nossas capacidades intelectuais superiores terão liberdade para a sua atividade a seguir.  (D. Wood)

Movimento imperceptível. Chamo a atenção para o detalhe da posição de pernas e pés do atleta, ainda na posição de expectativa e, a seguir, no seu primeiro movimento a partir do movimento de impulso. Invariavelmente, há o que chamo de um sobre-passo, uma troca de posição dos pés subrreptícia, imperceptível a olhares menos atentos e ao próprio executor. Ao que me parece, trata-se de movimento nocivo que deve ser eliminado da memória do atleta a favor de um outro, mais eficaz e benéfico (técnica).

Aprendizagem ativa. O que o professor diz na sala de aula não é de forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam nascer na mente dos alunos e o professor devia agir apenas como uma parteira. Este é o clássico preceito socrático e a forma de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo socrático. “Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – permita que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que descubram por si mesmos, tanto quanto for possível”. (Pólya)

Voltemos à praia. Pelos idos de 1997-98 fui convidado a treinar alguns rapazes e moças que desejavam figurar no Circuito de Vôlei de Praia do Banco do Brasil. Treinamentos diários, das 7h às 11h, de 2ª à 6ª e, aos sábados, compromisso de realização de um jogo sem interferência do técnico. Após ensaios de exercícios básicos durante um período razoável, passamos a sugerir que os próprios participantes incentivassem e corrigissem seus colegas, o que se tornou uma constante. Mais à frente, estimulamos que participassem e decidissem a formulação de um ou outro exercício específico, do qual tirava proveito de seus comentários – nada mais do que uma desejável atitude de pensamento.

Uma atitude interessante a este respeito – não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – o que para nós trata-se de “uma carta na manga”, pude realizar com o grupo em relação ao gesto técnico utilizado em momentos de defesa de bolas que denomino ‘em situação limite’: arremessada à distância considerável, pouco veloz, ou mal rebatida por um companheiro. Como recuperá-las eficientemente? Após alguns ensaios e uma vez que não encontravam uma solução para efetuarem a defesa e o passe adjacente conversamos a respeito chegando-se à seguinte conclusão: 1) nos casos limites a recuperação da bola deve ser com o emprego de uma das mãos, e não de manchete; 2) a mão que tocar a bola deverá ser a que facilite o passe para sua própria quadra, recuperada para o companheiro; 3) o toque na bola propriamente dito deverá ser executado o mais rente ao solo, permitindo ganho de tempo para a decisão: “para onde enviar a bola”? Imagino ter feito o trabalho de parteira de que fala Pólya. Daquele grupo nunca me preocupei que despontasse um campeão, mas estou certo que ganharam muito mais como indivíduos conscientes com elevada auto-estima… E aprenderam a pensar.

Conclusão. A partir desse conhecimento e independentemente do assunto, caberá ao professor (ou treinador) despertar seus pequenos alunos para a aquisição de bons hábitos, entendidos aqui como “boa técnica”. Esta é Educação de Base, verdadeiro contributo ao desenvolvimento pleno do indivíduo para a vida.