Voleibol na Escola (IV)

Iniciação & Formação. Problemas e Soluções

 

6. Como atacar?

No caso de iniciantes, os ataques por cortada são raros, especialmente se o jogo se desenvolve em quadra oficial. Nesse caso, a percepção desenvolvida para defender sua própria quadra poderá servir de base para decisões a serem tomadas. Primeiramente, atente-se para o fato de que, se não orientadas, as alunas devolverão as bolas no 3º momento simplesmente de manchete ou de toque, passando-a para o outro lado sem a mínima preocupação de ataque proposital. É a situação mais comum nos jogos de principiantes, especialmente entre meninas.

A professora poderá leva-las a perceber que os ataques necessariamente não têm que ser por cortada e assim, desperta-las  para ações mais eficientes. Se ainda não dominam a recepção do saque e o respectivo passe à levantadora e se esta por sua vez também não domina o toque de levantamento, pouco adiantará para a equipe possuir excelentes cortadoras. A incidência de erros naqueles fundamentos fará com que a equipe reponha a bola em jogo quase sempre de manchete, simplesmente passando a bola para o outro lado. Basta assistir a um jogo entre principiantes – mesmo entre federadas – para constatar o número elevado de casos da natureza. Aliás, isto era muito comum ainda na década de 60, quando equipes (e seleções) brasileiras femininas atuavam contra as japonesas. Não conseguiam sucesso nas recepções de saques balanceados. (simplesmente porque os treinadores esqueciam-se de fazê-lo).  

É conveniente que as alunas aprendam a VER a outra equipe, aonde se colocam as suas jogadoras, especialmente quando atacadas: que posição adotam? Quem é a mais fraca na defesa? Colocam-se muito perto das linhas? Existem grandes espaços entre elas? E o fundo da quadra? Conseguem recuperar bolas lançadas próximas à rede? E, principalmente, onde está e para aonde vai a levantadora?

Construir exercícios específicos nesse sentido: uma equipe em expectativa de defesa e outro grupo de alunas realiza sucessivos ataques por toque de diversas posições da sua quadra em bolas lançadas, ora pela professora, ora por uma colega. Proceder a vários rodízios entre elas antes de trocarem de funções. Enquanto realizam os movimentos, fazer que as demais observem e detectem os “vazios”, isto é, os espaços entre atletas, a rede e as linhas demarcatórias.

7. Como ver a outra equipe no momento do ataque?

Esta é uma percepção bastante difícil de ser ensinada. Ela pressupõe, a meu ver, o desenvolvimento da visão periférica, onde a jogadora, ao se conjugar com o movimento da bola que será tocada em seguida, percebe a posição ou movimentação de uma ou mais jogadoras adversárias. É passível de ser treinada, resultando em acréscimo no desenvolvimento tático de qualquer atleta. Normalmente, é mais utilizada pela levantadora que, ao receber um passe favorável junto à rede pode discernir para que posição efetuar o levantamento em função da movimentação das bloqueadoras. A observação da equipe adversária logo após sofrer um ataque também contribui para memorizarem as posições mais adotadas pelas adversárias: a tática da equipe é repetitiva. A partir dessa observação, permite-se uma orientação dos ataques, tanto por cortada, como de toque. E, ainda que nem todas as atletas tenham esta percepção, não será difícil que se orientem e se desenvolvam neste mister mutuamente. Existem vários exercícios que propiciam a visão periférica. Ex.: toques, 3 a 3, com duas bolas; toques, 2 a 2, todas em círculo.

8. Como defender?

As contramedidas necessárias a qualquer tipo de ataque – entenda-se que ataque é qualquer bola lançada em direção à quadra adversária (exceto o saque) – devem fazer parte da tática individual das atletas e da equipe. No caso de iniciantes, onde os ataques por cortada são escassos e não muito fortes – especialmente em se tratando de equipes femininas – recomenda-se até a dispensa da formação de qualquer bloqueio. É mais eficaz para a equipe contar com todas as suas jogadoras em posição de defesa, com exceção para as bolas muito próximas à rede e, assim mesmo, nos casos em que as atletas de ambas as equipes tenham condições de alcançá-las com saltos. Um dos treinamentos mais eficazes para desenvolver uma boa defesa é o da rede coberta com um pano, onde uma equipe não vê a outra e somente uma realiza as ações de defesa: a outra produz sucessivos ataques de posições relativamente afastadas da rede. A professora comanda os exercícios de trás da quadra da equipe que defende, corrigindo posicionamentos e medindo a velocidade de reação de suas atletas. Estas, por sua vez, imaginam para onde suas colegas adversárias provavelmente devem dirigir as bolas e qual seria a minha área de defesa. (ver item 6, como atacar?) Aceleram-se medidas preventivas, de expectativa ou de antecipação. Multiplicam-se soluções criativas de lado a lado, produzindo-se um incremento tático invejável.

9. Ritmo de jogo

Inicialmente, a sucessão de movimentos requerida pelo voleibol assusta. Entretanto, as experiências sucessivas e renovadas nos jogos, a obtenção de uma técnica individual razoável através de exercitação conveniente, podem transformar as alunas em exímias jogadoras. Facilitadas pela diminuição dos espaços e pelo número de jogadoras, o mini vôlei (quadra menor) pode conduzi-las rapidamente à observância da ocupação apropriada do terreno de jogo e a um repertório inimaginável de soluções e criatividade. A sensação, neste estágio, é que aprendem sozinhas, sem a participação da professora. Neste propósito, caso necessite, poderá acelerar este processo, promovendo algumas aulas com exercícios específicos de movimentação em quadra: somente uma equipe realiza sucessivas tentativas de recepção e troca de passes, até o consequente ataque. As bolas podem ser arremessadas pela professora ou alunas especialmente designadas. Dependendo do número de participantes, pode-se realizar uma competição: “Que equipe consegue realizar mais ações sem erro”? Ou, então, errou duas vezes, sai e dá lugar à outra. Nestes momentos, é interessante que a professora oriente de perto, muito próxima das crianças. A posição mais favorável é dentro da quadra, atrás das alunas, mostrando às defensoras como ocupar ou diminuir os espaços. Observar o tempo ou intensidade com que é feita a reposição das bolas, conduzindo o exercício num ritmo satisfatório, nem aquém, mas tampouco demasiadamente exigente.

Na sequência, estarei comentando sobre os gestos técnicos, as emoções e a posição de expectativa. Até lá!

Empenho e Sucesso

Empenho e sucesso

Aproveite o primeiro caso favorável que aparecer para por em prática a decisão tomada e procure atender a toda aspiração emocional que surja em você no sentido daqueles hábitos que você quer adquirir. As decisões e empenhos deixam no cérebro certo vestígio não quando surgem, mas no momento em que produzem alguns efeitos motores. O empenho de agir lança raízes em nós com tanto mais intensidade quanto mais frequente e continuamente nós repetimos de fato as ações e quanto mais cresce a capacidade do cérebro para suscitá-las”. (D. Wood)

Empenho. Sempre considerei inadmissível a falta de empenho nos treinos. A partir do momento que me predispus a treinar atletas de Vôlei de Praia deixei bem claro para os mesmos – eram em número de seis – que não toleraria atrasos, faltas e empenho. Esta última particularidade considero também responsabilidade do próprio treinador, que dita e imprime a dinâmica das aulas. Utilizei sempre dois recursos pedagógicos. Primeiro, o incentivo de todos em prol de determinado colega na ação. Segundo, minha própria exigência, reavaliando constantemente os limites de cada indivíduo e buscando sempre sua superação. Assim, alguns ensaios colocados em tempos certos, contribuíam para mantê-los atentos para tais desafios. Por exemplo, iniciamos com o lançamento da bola próxima à rede à determinada distância do atleta. Sua tarefa, tocar a bola como pudesse de modo que ela retornasse à sua própria quadra. A posição inicial era junto à rede e da antena. Quando dos lançamentos, procurava ocultar-me, localizando-me atrás dele, a 2m-3m de distância; e ainda, para que não desse a partida para a corrida antes do arremesso, tinham instruções de realizar um salto de bloqueio. Antes de sua queda, ainda no alto, arremessava a bola. Inicialmente, a 5m-6m para todos, com altura aferida de modo que tivessem sucesso e se preocupassem tão somente com a memorização do exercício. A cada duas sessões era incrementada uma nova distância e, em 2-3 semanas conseguiram – TODOS –, tocar a bola no limite considerado ótimo de 9m, isto é, de antena à antena. Contudo, isto não bastava, uma vez que a segunda condição imposta determinava que a bola tocada retornasse à própria quadra. Para tanto, mantivemos os ensaios diários, acrescido de novos elementos e exigência: deveriam deslocar-se tanto à direita, como à esquerda, considerando ainda os toques com uma das mãos, esquerda ou direita, respectivamente. Concluindo, observamos que o comportamento técnico dos atletas experimentou melhoria considerável, a ponto de não mais ocorrer a denominada “bola perdida” (de impossível recuperação) do jargão voleibolístico.

Olhando com olhos de ver. Numa manhã ensolarada observava atento o treinamento de uma dupla na praia. O treinador, diante do treinando arremessava a bola alta atrás do mesmo e aguardava sua recuperação com devolução por manchete; e assim sucessivamente. Ocorre que o atleta, sabedor que a bola seria lançada sempre à mesma altura e no mesmo espaço, adquiria um postura inicial de lateralidade que o facilitava no deslocamento para trás. E assim, um parecia estar a enganar o outro. Parecia a mim um “faz de conta que estou ensinando e, o outro, aprendendo”. Ocorre que, logo a seguir a este exercício, os atletas iniciaram um coletivo. A certa altura, estando na posição de expectativa para defesa, aquele atleta foi surpreendido com um lançamento da bola alta, nas suas costas. Qual foi sua reação? Quem apostou que ficou parado acertou.

Ainda sobre princípios do ensino. Este e outros fatos aguçaram minha curiosidade em como deveria ensinar alguém a reagir eficazmente diante de lances inesperados (até certo ponto). Por isso também estou aqui a ocupá-lo com esta leitura. Juntar a teoria com a prática num projeto que minha experiência como jogador, professor e técnico pode vir a ter valia para jovens educadores.

O professor deve conhecer estas formas de aprendizagem. Deve evitar as formas ineficazes e aproveitar as formas eficazes. Deste modo, pode dar bom uso aos três princípios que analisamos nos últimos textos. Tais princípios da aprendizagem são também princípios do ensino. Existe, contudo, uma condição: para tirar proveito de um determinado princípio o professor não deve apenas conhecê-lo por ouvir dizer. Deve entendê-lo intimamente, com base na sua importante experiência pessoal. (Pólya)

Técnicas de Ensino do Voleibol

Pedagogia do exercício (para qualquer desporto)
No Brasil, e penso que em muitos países, o ensino de qualquer desporto continua encontrando as mesmas dificuldades de outrora, isto é, sabe-se mais a respeito das técnicas de execução dos gestos, das táticas a empregar, de quase todos os ingredientes científicos, mas pouca atenção se dá – diria que nenhuma – aos primeiros aspectos da formação dos futuros praticantes. Defino “futuro praticantes” aqueles indivíduos de pouca idade que se propõem a aprender algum tipo de esporte para o seu lazer e, quiçá, até como profissão.
Repetir exercícios
Em voleibol, como em qualquer outro desporto, o embasamento teórico está voltado para que as respectivas técnicas de execução dos gestos – as habilidades motoras específicas – devem ser aprendidas, aperfeiçoadas e exaustivamente treinadas. Entretanto, essas habilidades motoras atuam em consonância com uma outra componente, a educação dos sentimentos ou do comportamento emocional.
Educação do comportamento emocional
“Educar sempre significa mudar”. Se não houvesse nada para mudar não haveria nada para educar. Que mudanças educativas devem realizar-se nos sentimentos? Todo sentimento é um mecanismo de reação, ou seja, é certa resposta do organismo a algum estímulo do meio. Logo, o mecanismo de educação dos sentimentos é, em linhas gerais, o mesmo para todas as demais reações. Estabelecendo estímulos diversos sempre podemos fechar novos vínculos entre a reação emocional e algum elemento do meio. A primeira ação educativa será a mudança daqueles estímulos com os quais está vinculada a reação. Qualquer pessoa sabe que o que nos causa medo na infância não nos causa depois. Aquilo que provocava pavor e assustava deixa de ser perigoso. (Vygotsky)
Treinar com qualidade
Pode ocorrer que o que se está propondo fazer não é o melhor para o indivíduo, invariavelmente, um padrão de comportamentos estereotipados, “receitas técnicas”, ou como dizemos por aqui, “receitas de bolo”. Quase sempre não há diálogo entre professor e aluno, o que acarreta uma simples imposição dos exercícios, tornando uma repetição cansativa que invariavelmente leva ao cansaço e ao descaso. Despertar o interesse do indivíduo por uma tarefa é torná-lo corresponsável por ela, senão o único a executá-la, corrigir-se até que atinja a perfeita técnica da sua execução. Este deve ser o seu objetivo e prêmio: aperfeiçoar-se e descobrir novos desafios. Assim, treinar com nível de exigência definido e acessível é diferente de “repetir exercícios”, onde o nível de exigência é quase sempre relegado. Destacam-se dois aspectos:
– O indivíduo não é levado a pensar para decidir sobre a nova situação.
– Sendo repetitivos, tornam-se exaustivos.
Progressos e novas exigências
Isto tem um significado pedagógico: todo caso de plena satisfação com os resultados acarreta certas mudanças no mecanismo nervoso da adaptação. Sugere que apenas uma simples repetição ainda não assegura o momento do êxito, uma vez que só a execução “bem sucedida” de alguma ação propicia a formação da organização desejável no sistema nervoso central. Se o mesmo movimento se repete a cada instante, a exaustão leva a resultados insatisfatórios que impedem diretamente a formação de novos caminhos de menor resistência. Este pequeno grande detalhe nos leva a tergiversações infindáveis. Todos já devem ter assistido em cursos ou treinamentos de adultos a aplicação de inumeráveis exercícios objetivando este ou aquele elemento do jogo, implicando um ou mais jogadores, numa sequência às vezes variada de movimentos repetitivos. Por exemplo, assistindo um dos treinos de seleção brasileira (não me recordo o ano), analisei a sua construção e o seu objetivo. Era um treino de defesa individualizado para jogadores que, invariavelmente, ocupam a mesma posição ou área da quadra (I e II). No caso em questão tratava-se de atletas especialistas em ataques de “saída de rede”. Eram dois que se revezavam a cada ciclo de cortadas produzidas por três auxiliares situados no outro campo, posicionados sobre uma mesa; cada um deles nas posições de ataque convencionais. Invariavelmente, os “ataques” se sucediam em profusão, mas em constante monotonia, o que me pareceu comprometer a validade (qualidade) dos exercícios. Acertos ou erros, especialmente estes, não tinham o necessário diálogo entre treinador e atleta. Assim, cumpriu-se o ritual do treinamento, mas não creio que aqueles dois indivíduos tenham acrescentado qualquer aspecto de desenvolvimento no quesito defesa. Mas saíram bem cansados e, pior, certamente teriam que repetir a mesma coisa nos dias seguintes. A meu ver, não acrescentaram nada ao seu cabedal técnico que, com certeza, não incluía saber defender. Lembrei-me do saudoso Adolfo Guilherme (Minas T. C.), que em 1966 à beira da piscina do Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, me dizia após nosso jogo pelo campeonato de clubes campeões: “Não sei o que vocês de Niterói fazem (treinos), mas sempre encontramos muitas dificuldades para levá-los de vencida; como defendem”! Uma de nossas vantagens sabia ele, é que atuávamos impreterivelmente duas vezes na semana no voleibol de praia de forma descontraída e moleque.

Esforço e satisfação
Num dos capítulos consagrados aos exercícios, Vygotsky analisa o tema em epígrafe e indica uma das regras psicológicas de importância: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. E vai além, afirmando que de outro modo se transformaria numa cansativa repetição, contra a qual se rebela o organismo. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”.
Nas minhas práticas foi assim que procedi ao construir meus exercícios quando treinava solitariamente: tinha-os como verdadeiros desafios a serem conquistados com muita obstinação e esforço, plenamente recompensados. Nos treinamentos que realizei no América F. C., no Rio de Janeiro, e na Praia de Icaraí quando treinava atletas de Vôlei de Praia, imagino ter sido os momentos mais criativos de minha carreira de treinador. Exigia individualmente o cumprimento de todas as fases do exercício, especialmente o “ritmo”, o que importava em repetição desde o início se houvesse algum deslize no seu desenvolvimento. E, detalhe, os companheiros não envolvidos acompanhavam toda a execução, apoiando e incentivando. Os exercícios tinham verdadeira produção teatral, ricos em plasticidade e descontração, traduzidas na alegria e satisfação dos indivíduos, inclusive, gerando plateia. Há alguns anos encontrei-me com um deles (em 1981 tinha 18 anos), que me agraciou com uma declaração demasiadamente generosa ao apresentar-me ao amigo: “Este foi o melhor e maior técnico que já tive”. Valeu a pena! Creio que na fase adulta de sua vida deve estar colocando em prática tudo que emocionalmente vivenciou naqueles tempos. Este é o verdadeiro campeão que buscamos!
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A seguir estarei comentando alguns temas pouco abordados e, por isso, bastante difíceis. Creio que ao compartilhar, opinar, sugerir temas, todos poderemos nos locupletar. Vejam algumas proposições e, se for o caso, coloque o assunto do seu interesse imediato: 1) Será que certas tentativas de ensinar as crianças fracassam porque as técnicas de ensino utilizadas são fracas? 2) Como avaliar a qualidade dos estilos de ensino utilizados? 3) Que critério usaremos para caracterizar o sucesso? 4) Como definir a instrução eficaz? 5) Como e quando as crianças generalizam o que lhes é ensinado, aplicando-o a outros problemas?
Aguardem.