Defesa em Voleibol – Lição II

Atletas POLONESAS ROUBAM A CENADURANTE mUNDIAL DE VOLEI
Atletas polonesas roubam a cena durante mundial de vôlei. Foto: Fivb/Divulgação.

Revendo Métodos e Conceitos Pedagógicos 

Após  observações sobre a maneira comportamental em DEFESA de atletas de alto nível – p. ex. final da Superliga feminina – animei-me ainda mais a levar aos respectivos treinadores minhas pesquisas e, se de acordo, compartilharmos novas experiências pedagógicas no que se refere ao respectivo treinamento. Seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos, daí a razão de buscarmos ajuda em bons conselheiros como verão a seguir. Tenho certeza de que encontraremos juntos formas de treinar para evitar aquilo que mais vimos durante os jogos, em masculinos ou femininos, atletas literalmente plantados no chão, pernas e pés paralelos e, muitas vezes, quedando os joelhos ao chão, inertes para qualquer ação. Podemos, inclusive, chamar a isto de “aprender com os erros”. Se conseguirmos, talvez venhamos a realizar a proeza de somar 25 pontos (de defesa) em uma só partida! Que tal?

A vontade e o primeiro movimento

Atleta em posição de expectativa E Deus criou a mulher
Foto: Fivb/Divulgação.

Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro na estante antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade?

Assim também, quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”. Este sentimento é uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado.

Lembro-me, quando ainda na prática competitiva do voleibol, aguardando a execução do saque adversário me auto estimulava em diálogo silencioso: “Tomara que o saque seja em mim ou na minha direção”! A ação subsequente já não habitava meus pensamentos, uma vez que estava alojada na memória operacional: “se for curto avanço uma das pernas e em seguida, flexiono-as a fundo; se longo e forte, recuo uma das pernas, flexiono-as, e deixo-me cair em rolamento para trás”. Lembro que na época – início da década de 60 – não se empregava a manchete no Brasil. Em suma, a preparação em expectativa (sentimento de impulso) pressupõe um mínimo de técnica (réplica) para que o executante tenha êxito na ação: “o ato volitivo é antecedido de certo pensamento (diálogo interno), que determina o primeiro passo”. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. (D. Wood)

Formação de bons hábitos

Fundamento Defesa e Recepção
Foto: Fivb/Divulgação.

Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus alunos: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente, deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico. “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência – os ensaios, as resoluções de problemas. Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.

Finalmente, ainda considerando a formação de bons hábitos, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, pode-se criar um novo hábito a partir de novos motivos. Na prática, conduzi um grupo de atletas do América F. C. a tomar consciência desse “despertar” para o sentimento do impulso. Desde o início de nossos treinos percebi que nenhum deles atentou para o fato. Imagino que raríssimos treinadores no Brasil percebam esse detalhe, fundamental para uma boa técnica de defesa. Se percebem, tenho certeza de que ainda não aprenderam a ensinar.

As primeiras instruções ao indivíduo devem ser no sentido de levá-lo a descobrir e a tomar conhecimento teórico específico. Deve aprender a pensar aquilo a que se dispõe realizar; criamos nele o diálogo interno. A seguir, passamos à prática regular com exercícios simples e repetitivos – deixar a bola cair da mão a uma distância de 3m – e observar como e quando o indivíduo se desloca; em que altura toca na bola e, finalmente, como realiza este toque. A pouco e pouco foram formando-se novos hábitos e através de brincadeiras e desafios – componente emocional – alcançaram níveis nunca antes imaginados. Esses e outros detalhes contribuíram para ao final da temporada receberem os maiores elogios dos próprios adversários. Ainda na década de 60, fui contemplado quando o saudoso Adolfo Guilherme, técnico mineiro consagrado, indagou-me após um de nossos jogos: “O que fazem vocês que tanto defendem”? Em outras palavras, “Como treinam para defender tanto”?

Exercícios-chave, educativos, transferência (transfert)

DEFESA Atletas AMMERICANAS ver punhos
Atletas americanas tentam efetuar defesa. Foto: Fivb/Divulgação.

Ensina-nos Jean Le Boulch abandonar as tentativas inúteis de procurar exercícios-chave com alto poder de transferência. Suas observações tenderam a mostrar que a aprendizagem adquirida relativamente a uma parte da situação não o é relativamente a esta mesma parte inserida num todo novo. Em outras palavras, “as partes reais do estímulo objetivo não são necessariamente partes reais da situação vivida pelo indivíduo”. A consequência desta opção na aprendizagem é imediata e pode ser traduzida por aquilo que expressou M. RYAN (EUA), treinador de atletismo por ocasião de um congresso mundial após uma pergunta que lhe solicitava exercícios próprios para facilitar a aprendizagem do salto com vara: “Apenas o salto com vara prepara para o salto com vara e qualquer exercício que se lhe avizinhe, quanto mais próximo, tanto mais prejudica a aprendizagem”. Esta é uma concepção a que nos associamos de bom grado, mas repõe em discussão a utilização dos chamados exercícios educativos que ainda precedem a aprendizagem de um gesto técnico complexo nas progressões de muitos instrutores.

Fábrica de talentos

MiniSG3
Alunos divertem-se no recreio. Foto: Roberto Pimentel.

Nas viagens feitas às fábricas de talento, Daniel Coyle (O código do talento) testemunhou uma série de saltos significativos no nível de habilidade dos alunos. Como se percorresse uma série de dioramas, ia encontrando espécies cada vez mais evoluídas: os pré-adolescentes (que eram muito bons), os adolescentes de 15 a 17 anos e, por fim, os adolescentes acima dessa faixa, verdadeiros ases. Ele conheceu isto com o nome Efeito Caramba. A rapidez com que progrediam era assombrosa: cada grupo era incrivelmente mais forte, mais veloz e mais talentoso que o anterior, o que não o impedia de exclamar: “Caramba“! Coyle observou que existe um padrão, uma regularidade na percepção do próprio talento por seu detentor que a torna característica do processo de aquisição de habilidade. Daí vem uma importante questão: qual a natureza desse processo capaz de gerar duas realidades tão díspares? Como esses indivíduos, que parecem ser iguais a nós, de repente se tornam talentosos, embora não tenham consciência disso, ignorando a verdadeira dimensão desse talento?

Aprender a ensinar

Jogando na rua
Figura: Beto Pimentel.

O que importa é o trabalho de tatear efetuado pelo indivíduo, muito mais do que a resultante desse trabalho – aquisição ou aprimoramento de habilidades motoras. Portanto, é um grave erro pedagógico querer acelerar os processos de aprendizagem por meio de uma ação intempestiva e invasora. O papel do educador é o de suscitar, favorecer as tentativas, os erros e o ajustamento… , e não o de substituir o mecanismo particularmente educativo desse processo adaptativo por suas técnicas. Tocamos aqui no cerne do problema: “a parte que cabe ao mestre”. É preciso propor, mas não impor, porém é preciso propor ao indivíduo no momento oportuno, no momento em que ele estiver sensibilizado, pronto para receber, aí está a parte do mestre, parte delicada sem dúvida. (Le Boulch).

VoleiBeneCanto do Rio

Aqui reside a grande diferença entre a metodologia empregada pelo falecido Bené no Fluminense F. C. (Rio de Janeiro) e os demais treinadores: “Aproximando sistematicamente as condições de jogo aos treinos observava discretamente o trabalho de cada indivíduo na busca de suas próprias soluções diante de algum obstáculo”. Metodologia similar realiza-se em algumas escolas de Niterói sob inspiração do Autor. Vemo-los na foto quando receberam uma Comenda do Clube Canto do Rio pelos serviços prestados ao voleibol niteroiense.

Afinal, ensinar não é uma arte?

PS: A importância de um comentário em mandarim, recebido em 26.4.2013:

Chinês Mandarim

 Aprecio muito as suas opiniões, beneficiam a aprendizagem.

Evolução do Voleibol – Parte I

Jogo Itália vs. Rússia. Foto: Fivb/Divulgação.

Da série “Olhar Pedagógico

Um cronista esportivo disse certa feita com alguma ironia que o jogo de basquete  deveria ser disputado somente em um minuto, com o placar inicial em 100 a 100. E justificou: “somente no minuto final é que são decididos os grandes jogos e aí se concentram as grandes emoções”.

Mas, aconteceu no jogo da Copa Yeltsin entre as equipes femininas da Polônia e da Holanda algo que podemos considerar similar. O locutor brasileiro querendo sempre emprestar ares de dramaticidade e muita emoção em cada lance não media esforços. Então, quando uma das equipes atingiu o vigésimo ponto, estando a uma diferença de 2-3 pontos da adversária, comentou: “a partir de agora cada ponto é importante…” Aliás, tomem muito cuidado com os comentaristas também, nem sempre com boas condições técnicas de análise. Um ex-medalhista não significa um expert no jogo. Uma coisa é falar sobre o que acontece e, se necessário, descortinar soluções para a superação do adversário. Outra é deixar acontecer o lance e, então, afirmar que deveria ter feito de outra forma. Deve ser a influência nefasta dos locutores e comentaristas de futebol. 

Tanto num dos exemplos dado como no outro, especialmente com a adoção do sistema de “pontos por rali” no voleibol, cada ponto (ou cesta) é importante desde o início da partida e até que termine o jogo, pois, aritmeticamente, têm o mesmo peso e influem no resultado de qualquer partida, seja obtido no início, na metade, ou mesmo no final. No caso do voleibol, muitos técnicos e jogadores em atividade ainda atuaram com a regra da “vantagem”, o que induzia muitos atletas a não se concentrarem tanto num dado instante, pois sabiam que seu erro não contabilizaria imediatamente em ponto para o adversário: “podemos recuperar na ação seguinte e tudo estará bem”! Então os mais displicentes ou pouco envolvidos com o andar do placar na partida negligenciavam nos primeiros movimentos ou arriscavam demais certas jogadas, como bater fortemente contra o bloqueio adversário uma bola nitidamente mal levantada e, em seguida (se errassem), abrir os braços e reclamar do seu levantador. Outros reclamavam porque não recebiam bolas para a cortada final e, quando recebiam, eram demasiadamente mal levantadas.  

No basquete casos similares referiam-se aos arremessos tidos como livres para qualquer atleta. Assim, havia uma competição interna para ver quem fazia mais pontos, pois a regra do jogo faculta ao indivíduo caminhar com a bola e arremessá-la diretamente à cesta sem qualquer participação dos companheiros. Mas, diante de severas reclamações, os treinadores elegiam quem deveria arremessar e este atleta tinha, então, status diferenciado na equipe, que atuava quase que exclusivamente para fornecer-lhe boas oportunidades de arremessos. Era o caso do jogador brasileiro Oscar.

Flagrante do campeonato feminino de voleibol disputado no estádio do Dínamo, em Moscou, provavelmente no final da década de 40 (80 mil espectadores). Acervo: João Carlos da Costa Quaresma.

E você – treinador ou atleta – como enxerga tais situações?

Imagino que deva ser muito difícil entrar no mérito sem conhecer um pouco da história do jogo e as suas circunstâncias. Alguns ex-medalhistas, quando instados a falar sobre a evolução do jogo propriamente dito, invocam um passado recente, muito próximo a eles mesmos, esquecendo-se (ou não sabem) que o “antigamente” é um pouco mais longo do que os seus fios de cabelos. O tempo nos ensina muita coisa e olhar para trás não é ser retrógrado, mas sábio. Ao apreciar diante da tv os jogos femininos de Polônia, Holanda, Rússia e China, não consigo destacar grande evolução em muitos aspectos, mas percebo a forma de treinar e suas consequências durante uma partida. Sinto que não se produzem atletas técnicos, mas fazedores de arremessos potentes ou outdoor de tatuagens por todo o corpo. Parecem atuar para a mídia.

É uma pena que não se produzam jogadores como antigamente! Saudosismo? Se conversar com qualquer dos treinadores atuais a esse respeito tenho certeza de que me responderão: “Reconheço, mas não tenho tempo para treinar esse ou aquele detalhe”. E tudo fica como está. O vencedor fica com os louros (e o dinheiro), enquanto os vencidos tentam copiá-lo. E a roda da vida continua a girar. E, todos reconhecem, no alto nível o detalhe faz a diferença. 

No próximo texto estaremos comentando… Não, vou aguardar que algum dos leitores faça uma indagação e, inclusive, discordem de algo! Creio que será melhor para cooptarmos mais informações e deixá-los à vontade. Até lá, apressem-se!