Jogando com o Regulamento

O brasileiro é esperto ou malandro?

Alguns dirão que é normal neste país as pessoas deixarem as coisas para a última hora e, como o serviço público é burocrático ao extremo e muito lento, com isso abrem-se as “oportunidades” àqueles que querem “vender facilidades”. Outros vão dizer que o brasileiro gosta de se mostrar “esperto” e conseguir mostrar a todos que tem “bons contatos” para conseguir resolver os diversos problemas relacionados à área pública. Neste caso, ser “esperto” é ser “in”. E não pagar intermediários é ser “out”. 

Entendo o seguinte: só existe o corrupto se existir o corruptor ou alguém interessado em fazer as coisas de outra forma, que não de acordo com os passos legais e corretos. Mas, será que isso é apenas uma ilusão? Será que as pessoas trocariam a comodidade e a rapidez de pagar um intermediário para darem exemplos para nós mesmos e para os nossos filhos de como este país poderia e deveria ser? Será que somos tão individualistas a este ponto e será que a sociedade do “levar vantagem em tudo” já não permite que existam gestos como estes?  

O rancor dos brasileiros não era apenas contra a arbitragem polêmica do duelo. O ponteiro Murilo ainda guardava na memória as críticas do povo italiano contra a forma que a Seleção perdeu para a Bulgária, quando poupou alguns jogadores importantes como ele próprio e o levantador Bruno, que teve de ser substituído pelo oposto Théo, já que Marlon ainda se recuperava de uma doença no intestino. “Não foi apenas a nossa justiça, mas a de todo mundo. A imprensa italiana falou que a Rússia foi alvo da justiça por ficar fora da briga pelo título porque escolheram o caminho mais fácil. E o que foi hoje? Se não foi justiça, eu não sei o que é. Porque teve alteração nos grupos, no ranking e eles tiveram o caminho mais fácil. Eu acho que, se realmente foi feita justiça, fizemos por todo mundo”. O meio de rede Rodrigão preferiu amenizar o fato. “Eles não tiveram culpa não são eles que escolhem isso aí, são os dirigentes. Os jogadores não têm culpa do que aconteceu. A gente jogou para ir para final. Passou, importante é que cumpriu nosso primeiro objetivo”. 

Geração de Prata. Resultados do Brasil nas Olimpíadas de 1984, Los Angeles (EUA). Considere-se que houve boicote dos países socialistas liderados pela Rússia. 

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Brasil x Argentina     3x1 15x8  15x8  16x18 15x13
Brasil x Tunísia       3x0 15x5  15x9  15x2
Coreia do Sul x Brasil 1x3 4x15  13x15 15x13 8x15
Brasil x EUA           3x0 15x10 15x11 15x2
Brasil x Itália        3x1 12x15 15x2  15x3  15x5
EUA x Brasil (final)   3x0 15x6  15x6  15x7
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Noticiário jornalístico. Depois da derrota inesperada contra a Coreia do Sul, o Brasil voltava à quadra com a obrigação de vencer os Estados Unidos para poder passar para as semifinais. Veja relato jornalístico brasileiro da época:

“Quando pisou a quadra, o sexteto brasileiro sabia que precisaria jogar tudo o que sabia e, ainda recorrer à garra para obter a vitória obrigatória. O Brasil ganhou por 3 a 0, com parciais de 15×10, 15×11 e 15×2. O segundo set foi o mais longo disputado pelo Brasil em Los Angeles: durou 46 min. Surpreendentemente, o terceiro set foi o mais fácil de toda a Olimpíada para o Brasil, que repetiu o 15 a 2 que impôs à fraca Tunísia. Os Estados Unidos não esboçaram qualquer reação diante da superioridade brasileira. Este set durou 24 min. Foi uma partida perfeita e que levantou o moral dos brasileiros para a fase semifinal. Era a decisão da medalha. Passando pela Itália, o Brasil teria garantido uma medalha: de prata ou de ouro. O time ganhou de 3×1, com parciais de 12×15, 15×2, 15×3 e 15×5. A derrota para os Estados Unidos por 3×0, com parciais de 6×15, 6×15 e 7×15, não refletiu a realidade do atual estágio do vôlei masculino brasileiro. Sem tirar o mérito dos campeões, o fato é que o Brasil jogou mal e, normalmente, não perderia com tanta facilidade para a equipe norte-americana ou qualquer outro adversário, como aconteceu na final de dia 11 de agosto, pela decisão da medalha de ouro. Nesta partida, a seleção dos EUA devolveu a derrota sofrida na fase inicial dos Jogos. Nada deu certo para os brasileiros, enquanto os norte-americanos estiveram sempre muito bem”. 

Malandragem Brasileira. E agora, atente para um breve comentário sobre essas duas partidas entre Brasil e Estados Unidos, contada pelo Dr. Victor Matsudo ao repórter Zuba Coutinho em entrevista à revista Placar, de 7.9.84, pág. 37-40:  

– “No vôlei, os EUA entregaram o primeiro jogo contra o Brasil por decisão de um psicólogo. Mas este é apenas um dos segredos que a Olimpíada esconde”. O senhor esteve hospedado na casa do psicólogo-chefe da equipe americana. Descobriu algum “segredo de Estado?”
– O Professor Briant Cratty é o maior autor americano na área de Psicologia do Esporte e teve sob sua orientação a maioria dos profissionais que trabalhavam diretamente com as equipes americanas. Então vou contar algo que soube ali sobre o jogo de vôlei contra os brasileiros. A assessoria psicológica americana sabe que o atleta latino reage de forma diferente diante de um confronto altamente difícil e de outro apenas pouco difícil. Um dos maiores problemas que nós, brasileiros, enfrentamos são as decepções que sofremos nas quadras ou nos campos de futebol, quando diante de equipes reconhecidamente inferiores, ou quando poderíamos opor maior resistência numa partida e misteriosamente jogamos mal e somos derrotados. Então, em função de terem perdido os dois primeiros sets por 15×10 e 15×11, numa noite em que o Brasil apresentou uma de suas melhores atuações, os psicólogos sugeriram que os Estados Unidos entregassem o terceiro set para que, numa possível final, os brasileiros estimassem que as dificuldades para ganhar a medalha de ouro fossem menores que as reais. Nesta final, o Brasil acabou enfrentando um Estados Unidos bem mais forte que o esperado e que apresentou muitas jogadas que antes procuraram esconder dos brasileiros. Eles, ao contrário, conheciam todas as nossas bolas e o nosso potencial. Depois dizem que nós somos os reis da malandragem”. 

Importância de um Bom Ensino

Seleção brasileira de 1984. Foto: Revista Placar.

Psicologia no Esporte 

Conforme o prometido, aqui está parte da entrevista do Dr. Victor Matsudo, um dos 2.400 médicos, psicólogos e pesquisadores de 140 países presentes ao Congresso Olímpico de Los Angeles, em 1984 (Zuba Coutinho, revista Placar, 7.9.84, pág.37-40).

A psicologia esportiva conheceu grandes avanços nos últimos anos?

Quando o nível técnico é muito elevado, como acontece, por exemplo, numa Olimpíada, é que todos os atletas evidentemente são pessoas favorecidas geneticamente e devem ter também técnicos altamente capazes que as fizeram chegar a esse nível. De maneira que a decisão de quem vai ganhar a prova fica dependendo não de fatores orgânicos ou técnicos – todos são de alto nível – mas dos fatores psicológicos. Numa competição comum, é provável que uma pessoa que não esteja bem psicologicamente consiga se sobressair, mas em alto nível a condição psicológica acaba sendo um fator importante. O trabalho feito pelos psicólogos das equipes americanas era o mais democrático possível. Eles ficavam à disposição dos atletas e, quando havia o contato, faziam um serviço de apoio e não uma psicologia intervencionista, dessas que querem mudar a personalidade do atleta e são responsáveis pela má acolhida que os psicólogos têm no esporte. Uma novidade foi também o trabalho de abordagem dos psicólogos, que procuravam trabalhar em cima de suas falhas. Outra coisa muito utilizada foram as técnicas de autorrelaxamento, técnicas de ioga.

– Moses foi visto deitado na pista, momentos antes de uma largada.

Este é um bom exemplo. Ricardo Prado também possui uma técnica de relaxamento muito adequada. A máxima performance de um indivíduo só é conseguida na medida em que ele se abstrair ao máximo e se concentrar ao máximo no ato motor que está programado para executar, especialmente em esportes individuais. Atletas que não possuem o poder de concentração, nessas modalidades, não têm a menor chance de ser bons atletas a nível internacional.

– Mary Lou Retton teve algum trabalho especial de psicólogos?

Até a Olimpíada, ela teve o trabalho normal do grupo que assessorou todas as equipes americanas. Agora, um psicólogo irá trabalhar com ela, especialmente para combater a fobia do sucesso – que é um dos maiores problemas das performances de alto nível. Após um estrondoso sucesso, a pessoa sempre se pergunta: “E agora, será que nas próximas vezes chego lá?” Além disso, surgirão problemas com uma menina que passará a ganhar mais que toda a família junta.

– O psicólogo passou a ser mais aceito, a ter mais poder nas comissões técnicas?

A imagem do psicólogo maluco que quer mudar o comportamento do atleta provocou muitas rejeições nos meios esportivos, mas agora está mudando. O novo psicólogo ajuda o atleta a modular sua energia, suas reações, a enfrentar arbitragens, longos períodos de concentração fora de casa, plateias hostis, ou a expectativa da torcida, como aconteceu com os norte-americanos.

– O senhor esteve hospedado na casa do psicólogo-chefe da equipe americana. Descobriu algum “segredo de Estado”?

O professor Briant Cratty é o maior autor americano na área de psicologia do esporte e teve sob sua orientação a maioria dos profissionais que trabalhavam diretamente com as equipes americanas. Então vou contar algo que soube ali sobre o jogo de vôlei contra os brasileiros. A assessoria psicológica americana sabe que o atleta latino reage de forma diferente diante de um confronto altamente difícil e de outro apenas pouco difícil. Um dos maiores problemas que nós, brasileiros enfrentamos são as decepções que sofremos nas quadras ou nos campos de futebol, quando enfrentamos equipes reconhecidamente inferiores, ou quando poderíamos opor maior resistência numa partida e misteriosamente jogamos mal e somos derrotados. Então, em função de terem perdido os dois primeiros sets por 15×10, numa noite em que o Brasil apresentou uma de suas melhores atuações, os psicólogos sugeriram que os Estados Unidos entregassem o terceiro set para que, numa possível final, os brasileiros estimassem que as dificuldades para ganhar a medalha de ouro fossem menores que as reais. Nesta final, o Brasil acabou enfrentando um Estados Unidos bem mais forte que o esperado e que apresentou muitas jogadas que antes procuraram esconder dos brasileiros. Eles, ao contrário, conheciam todas as nossas bolas e o nosso potencial.