Como se Adquire Habilidade? (Parte II)

Desenho: Beto Pimentel.

Formação de bons hábitos

“A prática não leva à perfeição; uma prática perfeita é que leva à perfeição.”

Como nada é definitivo especialmente em matéria de Educação, cito algumas considerações de autores consagrados em torno do significado pedagógico dos exercícios e sua aplicação. O leitor atento poderá discernir e optar pelas buscas em seu processo educativo e o melhor caminho a seguir. Aliás, caminhos, uma vez que nunca é demais pesquisar e tentar. Boas leituras.

Desde muito tempo, ainda atuava como técnico ou atleta, preconizava que não se deveria treinar muito, mas sim com qualidade. Imaginava que realizar demasiadas vezes um mesmo movimento para criar o hábito o executor poderia incorrer em dois perigos: o desgaste nervoso pelas repetições contínuas e permanentes; e a qualidade ou excelência na prática, isto é, a cada nova tentativa ou ensaio, buscar a perfeição nos gestos. Em suma, a AUTORREGULAÇÃO.

Treinamento reflexivo. Este tipo de treinamento, que o autor denominou treinamento profundo, na prática nos revela a sensação de explorar um quarto escuro e desconhecido. Começamos devagar, esbarramos na mobília, paramos, pensamos e começamos de novo. Lentamente e com certo incômodo, exploramos o espaço repetidas vezes, atentando aos erros, ampliando aos poucos a área do quarto a nosso alcance, desenhando um mapa mental do lugar até conseguirmos nos mover por lá rapida e intuitivamente. A maioria de nós faz um pouco desse treino. O instinto para ir mais devagar e dividir as habilidades em seus componentes é universal. Era o que diziam nossos pais e treinadores quando nos aconselhavam: “Um passo de cada vez”. Ocorre que os professores que adotam essa metodologia, fazem-no segundo três dimensões. Primeiro, os participantes encaram a tarefa como um todo – como um grande bloco, o megacircuito. Segundo, dividem esse bloco nos menores blocos componentes possíveis. Terceiro, brincam com o tempo, retardando a ação, para depois acelerá-la, a fim de conhecer sua arquitetura interna. (D. Coyle, O código do talento)

Significado pedagógico. Ensina-nos a Psicologia que o homem é um complexo vivo de hábitos e que em seu comportamento – espécie de reações organizadas – apenas 0,001 dessas reações é determinada por alguma coisa além do hábito. Por isso o objetivo do professor é infundir no aluno hábitos que na vida possam trazer proveitos. Pode-se afirmar, então, que 99% dos nossos atos são executados de modo automático ou por hábito. Todos os nossos atos e até mesmo as falas comuns consolidaram-se em nós graças à repetição em forma tão típica que podemos vê-los quase como movimentos reflexos: para toda sorte de impressões temos uma resposta pronta, que damos automaticamente. Seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos  (o grifo é meu) na formação de bons hábitos. Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade? (David Wood, Como as crianças pensam e aprendem.)

Nível de exigência. Esta atitude do professor, que podemos denominar nível de exigência (ou de tolerância), nada tem a ver com aspectos disciplinares, mas, ao contrário, calcada em conhecimento prático e científico. O atleta deve internalizar em sua memória o movimento completo. Por outro lado, imagine o treinador que permite e aplaude atuações não condizentes com o nível técnico desejado. Para todos os efeitos, trata-se de complacência e, talvez, insegurança no trato com atletas, especialmente os de ponta. Presenciei vários casos no Rio de Janeiro, inclusive com atletas medalhistas olímpicos de ouro.

Exercícios-chave, educativos, transferência (transfert). Aconselha-nos Jean Le Boulch o abandono das tentativas inúteis de procurar exercícios-chave com alto poder de transferência. Suas observações tenderam a mostrar que a aprendizagem adquirida relativamente a uma parte da situação não o é relativamente a esta mesma parte inserida num todo novo. Em outras palavras, “as partes reais do estímulo objetivo não são necessariamente partes reais da situação vivida pelo indivíduo”. A consequência desta opção na aprendizagem é imediata e pode ser traduzido por aquilo que expressou M. RYAN (EUA), treinador de atletismo por ocasião de um congresso mundial após uma pergunta que lhe solicitava exercícios próprios para facilitar a aprendizagem do salto com vara: “Apenas o salto com vara prepara para o salto com vara e qualquer exercício que se lhe avizinhe, quanto mais próximo, tanto mais prejudica a aprendizagem”. Esta é uma concepção a que nos associamos de bom grado, mas repõe em discussão a utilização dos chamados exercícios educativos que ainda precedem a aprendizagem de um gesto técnico complexo nas progressões de muitos instrutores.

Nota – Atenção que se atribui muitas vezes à palavra talento um sentido vago e repleto de conotações igualmente imprecisas, sobretudo em se tratando de jovens. Por talento definamos em sentido estrito: “a posse de habilidades repetíveis que não dependem do tamanho físico”.

E por fim, como você procederia para criar uma FÁBRICA DE TALENTOS  com um grupo de alunos? E se este grupo fosse constituído de 40 ou 240 crianças? Que exercícios devem ser propostos? Com que significado pedagógico?

Sistemas de Informação no Voleibol

             

Informação e Estatística     

Meu primeiro contato com as chamadas “Estatísticas” do voleibol ocorreu às vésperas do XII Campeonato Mundial masculino realizado no Brasil, em 1990. As “chaves” se desenvolveram em várias cidades – Curitiba, Brasília e Rio de Janeiro – culminando com os jogos finais no Maracanãzinho. A FIVB enviou o seu mais destacado técnico especialista (talvez o criador) do sistema Horst Baacke, um alemão da ex-Alemanha Oriental. Efetuou cursos nas três cidades assessorado pelo presidente do Conselho de Treinadores da CBV, o Comandante Célio Cordeiro Filho. Participei do curso no Rio como ouvinte, uma vez que não me interessava atuar na especialidade durante os jogos. Foi muito interessante, apesar de alguns problemas na tradução com a intérprete, sem qualquer intimidade com o jargão do voleibol. Não me recordo quantos dias, mas creio que não passou de uma semana. Foi utilizado o ginásio principal da Escola de Educação Física do Exército, desde aquela época a quadra principal da CBV. Coincidentemente, num daqueles dias recebemos a visita da seleção principal da Itália que realizou treino amistoso com uma seleção brasileira de novos, concentrada naquela unidade militar.          

O curso desenrolou-se na parte da tarde com algumas aulas teóricas e as práticas, sempre no ginásio, com a utilização de equipes infanto juvenis de clubes cariocas, especialmente do Fluminense. Contudo, não tenho certeza, mas tenho a vaga impressão que o técnico alemão atribuía 5 valores – de zero a 4 – para representar cada intervenção de uma atleta. Assim, em caso de erro absoluto (nota zero); algum resultado, mas ainda bastante deficiente (nota 1); relativo sucesso, mas com defeito (nota 2); quase perfeito, mas podendo melhorar (nota 3); e finalmente, nota 4 para a atuação perfeita. Ora, era tarefa impossível de ser assimilado rapidamente por olhos estranhos ao vôlei, representado pelo contingente de estagiários universitários, ávidos somente pelo diploma de participação para enriquecimento de currículo. E quando havia ralys extensos as dificuldades se multiplicavam. Enfim, quem cria alguma coisa sabe também como manipular.          

Felizmente, pelo que veremos a seguir, as notas – agora denominadas NÍVEIS – foram reduzidas a somente três. O bom senso parece ter prevalecido, muito embora o sistema não consiga (a meu ver) prevenir ou apontar detalhes importantes que escapam ao observador com menos vivência. Números são números, nada mais. Sempre se disse no Brasil que as estatísticas servem àqueles que as produzem, especialmente quando não devidamente interpretadas. Lembro-me de minha primeira aula na Faculdade e a história contada pelo professor: “Jovem acadêmico realizou um levantamento estatístico na cidade do interior, tendo constado ao final do trabalho que 50% dos médicos morriam”. Indagado como chegou tão rápido à conclusão, disse: “Na cidade só encontrou dois médicos e um deles morrera.”  Podemos apreciar a seguir o que a Fivb decidiu duas décadas depois. Sirvo-me da tradução de Luís Melo, do site português Sovolei, onde tenho a primazia de assinar artigos técnicos.          

Sistemas de Informação no Voleibol (SIV). As tecnologias tiveram um avanço imenso nas últimas décadas, e nunca mais o mundo saberá funcionar sem, por exemplo, os Sistemas de Informação (SI). Esses sistemas estão presentes nas nossas vidas, mesmo se por vezes não nos damos conta por eles. Servem para recolher, processar, transmitir e divulgar dados que representam informação relevante para o utilizador. No voleibol também se utilizam os SI. O VIS (Volleyball Information Systems) é um software da FIVB que foi inicialmente produzido para fins estatísticos nos jogos de voleibol. Está preparado para recolher dados de todas as ações de jogo e também do nível das mesmas. A FIVB considerou que existem 6 ações de jogo… Serviço, Recepção, Passe (leia-se Levantamento), Ataque, Bloqueio e Defesa. Estas podem ter 3 níveis: Excelente, Normal e Erro.           

Três das ações de jogo são consideradas como competências para pontuar (serviço, ataque e bloqueio), e as outras três competências para evitar o ponto (recepção, levantamento, defesa). Para que uma ação pontuadora seja excelente, ela deve terminar a jogada e conquistar o ponto. Uma ação normal permitirá que a jogada continue. Para ações que evitam o ponto, será excelente aquela recepção que permita ao levantador ter todas as opções de ataque disponíveis. Quanto ao levantamento, este será excelente se apenas existir um jogador no bloqueio. Esta informação será importante para, por exemplo, nomear os melhores atletas em jogos ou competições. Existem 7 rankings diferentes:           

1. Maior pontuador… atleta que marca mais pontos, por ações de ataque, bloqueio ou serviço; 2. Melhor ataque… calculado pelo nº de pontos, menos o nº de faltas, dividido pelo total de tentativas; 3. Melhor bloqueio… atleta com melhor média de bloqueios, com ponto, por parcial; 4. Melhor serviço… atleta com melhor média de aces por parcial; 5. Melhor defesa… atleta com melhor média de defesas por parcial; 6. Melhor distribuição… atleta com melhor média de passes perfeitos por parcial; 7. Melhor recepção… calculado pelo nº de recepções perfeitas, menos o nº de faltas, dividida pelo total de tentativas. Atualmente o VIS já consiste numa base de dados e um conjunto de portais web. Através de um simples interface (aplicação ou browser web) o utilizador pode criar competições, introduzir informação sobre clubes, equipes, atletas, árbitros ou ginásios. Também já é possível adicionar fotografias para todos estes itens. A última versão do VIS contém também calendários, comunicados de imprensa e transferências. Todas as transferências de jogadores serão feitas eletronicamente através do VIS, acabando com os certificados de transferência em papel. Uma explicação de como tudo se processará pode ser vista em vídeo.       

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Repetição ou Qualidade nos Treinos?        

Dois ou três anos depois que me iniciei no voleibol, solicitava quase sempre a um ou mais amigos que me acompanhavam – ou solicitava de um conhecido na arquibancada – que anotasse os meus ERROS. Felizmente não eram muitos, apesar de participar da maioria dos lances do jogo. Lembro que estou falando da década de 60. E cada vez passaram a ser menores, a ponto de dispensarem lápis e papel. Como consegui tal façanha? Treinando com QUALIDADE, isto é, exigia-me demasiadamente nos treinos em qualquer lance de que participasse e sempre buscando a bola. O nível de exigência chegava a extremos, inclusive nos jogos na praia, pelos quais fui convocado para a seleção brasileira. Que tal os treinadores e jogadores (individualmente) adotarem esse comportamento? Em outra oportunidade falarei sobre nível de exigência nos treinamentos e tentarei estabelecer uma relação com as “estatísticas” comentadas nessa postagem. Se algum dos leitores tiver conhecimento de causa ou mesmo outra ideia, seria uma boa oportunidade de nos comunicarmos e nos locupletarmos todos.      

Conduta do jogador. Chamo a atenção para um outro detalhe embutido na afirmação acima: (…) “sempre buscando a bola”. Veremos isto no desenvolvimento do tema Defesa em Voleibol, ou a qualquer momento caso se manifestem. Até breve.      

      

Treinamento de Defesa

A brasileira Maria Antonelli realiza uma defesa com sucesso. Foto: FIVB/DIVULGAÇÃO.

Segredos do Ensino

Aprendizagem ativa. O matemático húngaro George Pólya nos dá boas lições a respeito de ensino e aprendizagem que bem podemos aplicar ao nosso dia a dia: “O que o professor diz na sala de aula não é de forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam nascer na mente dos alunos e o professor devia agir apenas como uma parteira. Este é o clássico preceito socrático e a forma de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo socrático”. E conclui com sabedoria: “Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – permita que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que descubram por si mesmos, tanto quanto for possível”.

Detalhes que fazem a diferença

Há algum tempo, desde que dei início a treinos de Vôlei de Praia por volta de 1993 venho batalhando num dos aspectos do fundamento defesa que considero básico para qualquer atleta adquirir tal técnica. Nas poucas incursões que fiz a jogos ou mesmo treinos das grandes estrelas – masculino ou feminino – nunca percebi este que é para mim um detalhe fundamental para uma boa defesa. As fotos foram colhidas na Internet por ser um bom exemplo para divagarmos sobre o assunto que será dividido em dois aspectos: a aproximação (chegada) e o toque propriamente dito. Reparem que na primeira foto está suprimida parte da mão esquerda da atleta, impossibilitando a sua leitura, isto é, estaria com a mão aberta ou fechada? Um segundo detalhe, a atleta está em processo de queda, tendo se lançado para interceptar a bola no tempo (altura) que elegeu. Como estamos diante de algo estático (a foto), podemos realizar conjecturas a respeito: 1º) a bola ainda não chegou à mão da atleta; 2º) a atleta já tocou na bola.

A alemã Laura ludwig, 28 anos e 1, 80m, em mais uma intervençao. Foto: FIVB/DIVULGAÇÃO.

Uma segunda apreciação está colocada pela foto ao lado. Ela nos sugere que a atleta efetuou um movimento em direção à trajetória da bola e, percebendo que não teria a melhor posição para efetuar o seu toque, lançou-se com o apoio de ambas as pernas (joelhos) e, em um esforço inaudito, efetua o toque em manchete. Conjectura-se: 1º) Se há tempo para tocar a bola a mais de 1m de altura, inclusive com ambos os braços, por que a queda? 2º) em situações limites, de esforço extremo, em que altura deve-se procurar tocar a bola? Conclamo meus visitantes para conversarmos sobre o assunto, colocando nossas percepções e, dessa forma, aprendermos juntos o melhor caminho para o ensino. Estarei aguardando-os. Enquanto isto relembrem o texto a seguir, uma vez que é muito esclarecedor para o tema atual.

Exercícios e bons hábitos. Uma atleta para chegar a tal nível certamente passou, e deve estar passando, por um treinamento exaustivo. A escolha adequada, a qualidade, a forma de execução e o nível de exigência dos exercícios vão determinar a expressão de seus gestos e, sem dúvida, seu nível técnico neste ou outro fundamento. Assim, cabe ao treinador e à própria atleta decidirem o que treinar, como treinar e avaliar as mudanças de comportamento sem o que os exercícios tornam-se meras repetições. Além disso, se mal formulados ou executados, voltam-se contra a executante. Tanto no voleibol indoor, como no de praia, as atitudes dos protagonistas são similares, isto é, treinadores e atletas se descuidam quanto à necessidade de aprimoramento – Nível de Exigência e Qualidade– das principais deficiências técnicas. Já me entrevistei com vários deles, inclusive de seleções nacionais, e a alegação é sempre a mesma: “Não há tempo para corrigir”. O tempo passa e as consequências parecem não serem notadas. No alto nível do vôlei de praia, em que os atletas são “donos do próprio nariz” (tudo decidem, são os patrões), a figura do treinador é bastante delicada, uma vez que pode ser descartado a qualquer momento. Assim, quase sempre funciona como um “mordomo” de luxo. Como pode ele exigir aprimoramento, busca da perfeição, treinamento exaustivo do seu patrão? Durante treinamento de uma campeã olímpica na Praia de Ipanema (Rio de Janeiro), presenciei o treinador repetir que a sequência de saques em execução estava ótima numa evidente mensagem de puro agrado, embora a técnica empregada pela atleta deixasse muito a desejar. Como ela não errara nenhum dos serviços, para eles estava tudo bem! Em outro caso, eu era o treinador, uma das atletas desculpava-se comigo de não poder atender às minhas exigências, pois já era mãe, “trabalhava fora” e ainda tinha que treinar… Deixei-a brincar de faz-de-conta. Pouco tempo após, já com um jovem treinador, queixava-se de que pouco era exigida.

Antes de dar início às minhas razões, relembro alguns detalhes ditados pela Psicologia a respeito da formação de bons hábitos que fui buscar na obra de David Wood.

Mistério da vontade. Para entender os mistérios da vontade e do comportamento seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos. Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade? “Pode-se afirmar que 99% dos nossos atos são executados de modo automático ou por hábito. Todos os nossos atos e até mesmo as falas comuns consolidaram-se em nós graças à repetição em forma tão típica que podemos vê-los quase como movimentos reflexos: para toda sorte de impressões temos uma resposta pronta, que damos automaticamente”. Por isso o objetivo do professor é infundir no aluno hábitos que na vida possam trazer proveitos.

Primeiro movimento. Reportando-nos à foto, imaginemos o que teria passado na cabeça da atleta antes de ela decidir se movimentar em direção à bola. E o quanto é importante o treinador ou professor saber para melhor avaliar e construir os ensaios necessários ao apuramento da técnica do atleta: “Quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”.

Sentimento do impulso. É uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. Temos a sensação de que esse movimento foi suscitado pela nossa própria vontade, porque o resultado final obtido corresponde à concepção anterior sobre o objetivo. Os primeiros ensaios que vi a esse respeito me transportam ao ano de 1975 durante o curso internacional com o técnico campeão olímpico Yasutaka Matsudaira. Na época foi exibido um filme sobre o sucesso japonês em que relata a metodologia e nuances do treinamento. Creio ser o único no Brasil que possui uma cópia telecinada, só não sei em que estado se encontra.

Trabalho pedagógico. Quem praticou algum desporto sabe que a mente tanto pode nos ajudar como derrotar. Além disso, especialmente os rapazes, poucos se interessam pelos treinamentos de defesa – cumprem-nos curricularmente sem grande empenho – optando por desperdiçar mais energias nas provas de ataque, em que dão vazão à demonstração de sua virilidade: “Quanto mais forte a cortada, mais ‘macho’ é o homem”. Ao treinador cabe a tarefa de desmistificar essa concepção, tal qual fizeram japoneses e americanos, em cujos jogos a plateia valoriza e aplaude efusivamente as grandes defesas, atualmente coisa rara nas equipes masculinas. Imagine quantas vezes deixou de promover algum movimento – especialmente de defesa – quando achava que a bola estava demasiadamente longe e, então, seria pura perda de tempo e desperdício de energia aventurar-se em seu encalço. Esse pensamento negativo certamente se tornará um hábito para o indivíduo não só no voleibol, mas em sua vida cotidiana. Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus atletas: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Inicialmente todos acham impossível alcançá-la; posteriormente tem início alguma reação; e, com a continuidade dos exercícios, todos alcançarão sucesso. Conclusão: abandonam o pensamento negativo (“Não vou conseguir”) para o sucesso da investida: “Eu consigo!”

Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico: “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência – os ensaios, as resoluções de problemas. Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.

Finalmente, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, podemos criar um novo hábito a partir de novos motivos.

Comentários. Quer fazer algum comentário? Pense em voz alta, não se preocupe com o que vai dizer, mas exponha resumidamente suas convicções a respeito do assunto tratado. Esta é a melhor forma de conversarmos: Eu falo e, em seguida, você me diz o que pensa. Não deixe escapar as oportunidades na sua vida.

(continua)

 

Exercícios (I) – Dosagem e Exigência

Exercício e Dosagem

No processo educativo da criança, o mestre faz uso da repetição de determinados atos, transformando-os em hábitos e conferindo a eles propriedades características de movimento automático. Todavia, há que se entender que o exercício não é uma simples memória, mas uma de suas modalidades, e que cria uma predisposição para melhor realização. As dosagens de exercícios empregadas podem ser observadas pela produtividade do trabalho que, via de regra, é crescente. Manipulado, ele atenua ou acelera todas as modalidades de trabalho. A qualidade e a continuidade do exercício constituem o meio principal para tornar infalível a atividade do sistema nervoso. Por isso, nunca deixe de observar um novo hábito enquanto ele não se consolidar em você. Cada violação é comparada à queda do novelo, isto é, um recomeço. (D. Wood)

Aulas práticas na praia 

Considero importante que o professor administre e regule a dosagem e exigências para cada indivíduo. Realizei este trabalho nos treinamentos com um grupo de seis atletas na praia. Sempre que apresentava um novo exercício, além dessa percepção de realização individual, acrescentava o que me pareceu algo inédito para os padrões nacionais: a correção imediata e tempestiva do gesto, sem perder de vista a ação global. Assim, retornávamos imediatamente à nova execução do ensaio completo – repetição correta – mantendo o pensamento do atleta nos gestos, desde o deslocamento inicial ao toque final na bola. A consecução da tarefa viria quase que espontaneamente, como aconteceu. Lembro que os lançamentos eram dosados de acordo com o nível do atleta; entretanto, a execução deveria ser global, isto é, salto, seguido de deslocamento e toque correto na bola (que deveria retornar à quadra) com uma ou outra mão, dependendo do sentido dos lançamentos.

Nível de exigência. Esta atitude do professor, que podemos denominar nível de exigência (ou de tolerância), nada tem a ver com aspectos disciplinares, mas, ao contrário, calcada em conhecimento prático e científico. O atleta deve internalizar em sua memória o movimento completo. Por outro lado, imagine o treinador que permite e aplaude atuações não condizentes com o nível técnico desejado. Para todos os efeitos, trata-se de complacência e, talvez, insegurança no trato com atletas, especialmente os de ponta. Presenciei vários casos no Rio de Janeiro até com atletas medalhistas olímpicos de ouro.

Cuidados no aquecimento. Costumo colocar que “aquecimento é treino”. Tal como qualquer outro movimento em voleibol, o bate-bola que antecede algum jogo constitui-se em aquisição de hábitos. Se se permite a proliferação de maus hábitos há a ocorrência da queda do novelo, isto é, recomeçar todo o trabalho já realizado. Cito como exemplo as simples batidas de bola dois a dois, cada atleta próximo à linha lateral da quadra. Se verificarmos a posição das suas pernas concluiremos que há um retrocesso para hábitos sadios de situações de defesa durante a partida.

Exercícios-chave, educativos, transferência (transfert)

Ensina-nos Jean Le Boulch ao nos aconselhar o abandono das tentativas inúteis de procurar exercícios-chave com alto poder de transferência. Suas observações tenderam a mostrar que a aprendizagem adquirida relativamente a uma parte da situação não o é relativamente a esta mesma parte inserida num todo novo. Em outras palavras, “as partes reais do estímulo objetivo não são necessariamente partes reais da situação vivida pelo indivíduo”. A consequência desta opção na aprendizagem é imediata e pode ser traduzido por aquilo que expressou M. RYAN (EUA), treinador de atletismo por ocasião de um congresso mundial após uma pergunta que lhe solicitava exercícios próprios para facilitar a aprendizagem do salto com vara: “Apenas o salto com vara prepara para o salto com vara e qualquer exercício que se lhe avizinhe, quanto mais próximo, tanto mais prejudica a aprendizagem”. Esta é uma concepção a que nos associamos de bom grado, mas repõe em discussão a utilização dos chamados exercícios educativos que ainda precedem a aprendizagem de um gesto técnico complexo nas progressões de muitos instrutores.

Marketing  japonês. Quando do seu apogeu no voleibol (1964-75), os japoneses exportaram tecnologia para o mundo graças ao seu jogo rápido e fintado. Foi um sucesso de marketing. Muitas de suas equipes e seleções percorreram diversos países mostrando o porquê do seu sucesso. E com isso, tornou transparente um natural processo de assimilação. Em 1975, ainda no primeiro ano da presidência da CBV, Carlos Nuzman trouxe ao Brasil o japonês Yasutaka Matsudaira, principal responsável por este boom no voleibol. Realizou breve curso na EsEFEx, Rio de Janeiro. Nesta oportunidade, exibiu uma película de 20min de duração mostrando a história do sucesso de seu empreendimento. Particularmente, sempre tive pleno acesso a este filme e, se não me engano, somente eu. Até ao ponto de mandar fazer uma telecinagem – passagem para vídeo – a fim de tornar prática a sua exibição frequente em meus cursos ou palestras. Certa vez, em 1981, em pleno ginásio da AABB-Niterói, após uma partida amistosa entre as equipes principais masculinas do América e do Flamengo. Durante a exibição do filme, além de narrar, explicava aos atletas de ambas as equipes como os japoneses chegaram àquele nível de eficiência. Ainda em Niterói, duas outras palestras, num educandário, fazendo parte de uma aula de educação física, e após o treino da equipe juvenil do Clube Canto do Rio. Todavia até hoje não sei como professores e técnicos que participaram do curso ou viram o filme entenderam a sua mensagem. Durante muito tempo preocupei-me com o que poderia transformar-se em mais uma “receita” a ser copiada. Aliás, foi! Atabalhoadamente e, felizmente, por um ou outro treinador. A incorporação da técnica criada pelos japoneses só se concretizou realmente no Brasil a partir da profissionalização dos atletas de voleibol, em 1981-82.