Critérios do treinador
Não tendo intercâmbio internacional, ficou impossível fazer um juízo e se balizar para as dificuldades que por certo iria enfrentar. Assim, Sami estabeleceu que daria preferência a jogadores detentores de agilidade e “toque de bola”. Alguns jogadores consagrados, e altos, foram deixados de lado por não possuírem aquele requisito, pois, a seu ver, poderia também ele surpreender seus adversários. “Se nós não sabíamos como jogavam as grandes forças, também elas nada sabiam sobre nós”. Era comum o sistema empregado pela maioria das equipes, com 4×2. Entretanto, ele esquematizou e treinou num sistema “6×6”, sem levantador fixo e com todos os jogadores se revezando nesta função. Incrementou o que ele chamou de “Trabalho em Suspensão”, caracterizado por levantamentos “de primeira” (a partir da recepção do saque) independentemente da posição em que estivesse o atacante na rede. Os selecionados, ou a sua equipe titular (não havia registros) tinham uma média de altura de 1,82m (sic) que, como constatou mais tarde, era baixa para os padrões das equipes dos países da chamada Cortina de Ferro – Rússia e satélites (Romênia, Bulgária, Hungria, Tchecoslováquia, Polônia).
A partir de observações do último campeonato brasileiro, jogos da cidade e torneios avulsos – os famosos Jogos de Cambuquira, estância hidromineral de Minas Gerais – o treinador estabeleceu uma relação de “convocáveis”. Conseguiu, por sua iniciativa, realizar treinamentos ora em Belo Horizonte, ora em Santos e a maioria no Rio, com os jogadores transportados pela FAB, pois era professor no Campo dos Afonsos (RJ), Finalmente, 45 dias antes do embarque, concentraram-se na AMAN, em Resende (RJ), ao todo 16 atletas. A equipe feminina, comandada por Hélio Cerqueira (Corrente), concentrara-se em Volta Redonda.
Treinamento – as atividades iniciavam-se pela preparação física durante a manhã, coincidindo com o despertar dos próprios cadetes. Em seguida, volta para o café e ida para o ginásio, passando a apuro técnico dos fundamentos. À tarde, 1h 30min de treinamento de bloqueio, cobertura e sistema de jogo. Finalmente, à noite (20h) eram realizados os coletivos. Os amistosos só foram realizados contra equipes domésticas. O último deles, no Maracanãzinho (Rio de Janeiro), contra uma equipe carioca, formada com jogadores de vários clubes, praticamente o time do Fluminense, que venceu a seleção por 3×2, tendo o noticiário jornalístico destacado o fato.
Sistema de jogo – para o Brasil era a primeira participação num Mundial que estava na sua terceira edição. A delegação chegou a Paris quatro dias antes do início da competição, sem qualquer conhecimento dos adversários. “Não tínhamos sequer ideia dos sistemas adotados”. Na equipe brasileira, “todos jogavam atacando e levantando (6×6), inclusive com bolas de primeira”. Isto lhe valeu um elogio em livro publicado pelo técnico holandês após o mundial. Os tchecos (campeões) e a Rússia (vice), jogavam no 5×1, com predominância sempre de jogadores altos. Os tchecos, tradicionalmente uma escola mais técnica.
Comentários – A primeira surpresa acontecera um ano antes, no Pan-Americano do México, em que não foi permitido o ataque de gancho (Lúcio era o nosso mestre neste tipo) e, nesse mundial, estava permitido. Além dessas, a bola rápida de meio, apelidada de mexicana porque foi vista pela primeira vez no México, com a equipe da casa, mas que os europeus e chineses já realizavam com frequência e precisão. No retorno ao Brasil, a evolução prevista não se concretizou, pois esperava-se que algumas equipes passassem a jogar no 5×1. Realmente o que dificultava a transposição de um sistema para o outro era a recepção sem falta – os famosos dois toques –, uma vez que a maioria dos atacantes era deficiente neste fundamento. O Botafogo, uma das melhores equipes, mesmo em 1959-62, ainda jogava no 4×2. Observe-se, ainda, que o sistema com um só levantador nesse período não consistia em jogadas com muitas fintas e ataques ensaiados, o que só veio a acontecer com as equipes japonesas nos anos 60. A partir da profissionalização na década de 80 daríamos primacial importância ao preparo físico e aí muda a formação do atleta. A inteligência e a habilidade passam a ser preteridas pelos treinadores, formando-se gerações sucessivas de jovens preferencialmente “altos e fortes”. O voleibol criativo, alegre e irreverente, visto ainda na figura de raros remanescentes foi definitivamente sepultado.
Preparativos no Brasil – A seleção realizou jogos amistosos em Belo Horizonte (Minas Tênis Clube), em Niterói (Caio Martins) e no Rio (Maracanãzinho), contra as respectivas seleções estaduais. Os mineiros foram batidos por 3×1 e os cariocas venceram a seleção por 3×2 (Ver foto e reportagem). A equipe feminina também atuou, tendo vencido as mineiras (3×2). Estas últimas apresentações se realizaram dias antes do embarque para a Europa. No Caio Martins, a seleção feminina brasileira venceu por 2×0 (15×8, 15×8) uma seleção do Estado do Rio; no masculino, a seleção nacional venceu por 3×1, com parciais de 15×5, 13×15, 15×11 e 15×5.
Curiosidades
- A Alfaiataria Hugo foi quem confeccionou os uniformes do trânsito, também entregues na véspera da despedida.
- Em Resende, na AMAN, uma solenidade simples marcou a despedida dos jogadores. Presentes os srs. Denis Hathaway e o coronel Jerônimo Bastos – membros da Comissão Executiva da CBV – tendo usado da palavra o coronel Arold de Castro, exaltando a maneira exemplar como se conduziram os integrantes da delegação masculina de voleibol durante os 38 dias (5 semanas) passados na Academia. Em nome dos atletas, falou Quaresma.
- O tenente Malta, responsável pelo setor de educação física da AMAN, ofertou duas medalhas que lhe pertenciam e ganhas em competições de voleibol: uma a Sami e outra a Jorginho, por sua colaboração junto aos alunos da Academia.
- A CBV colocaria uma placa no ginásio da AMAN alusiva à permanência de sua equipe masculina naquele local.
- Os atletas completaram o período de concentração na Ilha das Enxadas (Rio).
- As (decantadas) bolas francesas estavam sendo aguardadas pela entidade máxima a fim de servir à parte final dos treinos dos dois selecionados.
- O Ministro da Educação autorizou o Banco do Brasil a fazer uma operação de crédito, pela qual seria fornecida antecipadamente à CBV a verba necessária para que o Brasil comparecesse ao Campeonato Mundial de Voleibol. Posteriormente, quando a verba for concedida pelos meios normais, o Banco do Brasil será reembolsado.
- A delegação brasileira compareceu ao Palácio do Catete (Rio) para agradecer a cooperação do presidente JK e, ao mesmo tempo, apresentar-lhe a despedida oficial.
Veja o texto pinçado do noticiário relativo ao jogo-treino: “Agora que a seleção brasileira de volibol já seguiu para Paris a fim de participar do Campeonato Mundial pode-se e deve-se dizer que não houve justiça na escolha dos nossos defensores, pois elementos como Parker, Gilberto, Coqueiro, Átila e Gil foram preteridos por jovens sem experiência e de categoria técnica inferior. Que a seleção nacional não é a melhor, ficou provado no teste que realizou quinta-feira última no Ginásio do Maracanãzinho, quando o Combinado da FMV venceu brilhantemente, depois de cinco séries (sets). Na gravura, os defensores da FMV”. Fato curioso é que Gil, Áttila e Parker, todos do Fluminense, estavam entre os atletas selecionados, mas que foram cortados pouco antes do embarque (Gil foi dispensado na AMAN, por distensão muscular). No último amistoso, no Maracanãzinho, os três atuaram pelo Fluminense, que venceu (3×2) a seleção, surpreendendo a todos e dando o que falar nos principais jornais da capital.
Sistema de jogo – para o Brasil era a primeira participação num Mundial que estava na sua terceira edição. A delegação chegou a Paris quatro dias antes do início da competição, sem qualquer conhecimento dos adversários. “Não tínhamos sequer ideia dos sistemas adotados”. Na equipe brasileira, “todos jogavam atacando e levantando (6×6), inclusive com bolas de primeira”. Isto lhe valeu um elogio em livro publicado pelo técnico holandês após o mundial. Os tchecos (campeões) e a Rússia (vice), jogavam no 5×1, com predominância sempre de jogadores altos. Os tchecos, tradicionalmente uma escola mais técnica.



