Voleibol na Escola (VI)

Iniciação & Formação. Problemas e Soluções

 

14. As funções das atletas na equipe

Em princípio, espera-se que a professora oportunize a todas as suas atletas experimentarem todos os gestos e fundamentos do voleibol, sem especializá-las precocemente. Se considerarmos a Iniciação como um tempo em que as atletas não competem em torneios federados, poderíamos exercitá-las indiferentemente em todas as funções do jogo. Ao compormos uma equipe para disputar uma partida contra uma outra, inevitavelmente, surgem algumas especializações momentâneas, que são medidas táticas para facilitar algumas jogadas. Com o decorrer desses jogos – e treinos – começam a se definir preferências entre as próprias atletas. Estas preferências é que levam precocemente à especialização. O procedimento, análise e oportunidades que a professora possa oferecer neste início de carreira das suas jovens atletas é fundamental e pode ser marcante. Há alguns anos o técnico da seleção brasileira masculina de vôlei pretendeu modificar a posição na equipe de um dos seus consagrados atletas e deparou-se com um problema inusitado: o atleta pediu dispensa da seleção para não mudar sua forma de jogar.

a) Início de jogo: quem deve sacar? Como sacar?

Quem saca. Não faria diferença que qualquer uma das integrantes da equipe desse início ao jogo com o saque. Entretanto, as próprias alunas começam a perceber que este elemento é deveras importante: talvez o mais importante nesta fase, pois trata-se de uma forma efetiva de ataque e o mais poderoso de que dispõem. Através dele conseguem a maioria de seus pontos. Assim, preferem que a melhor sacadora esteja pronta para sacar: ou na posição do próprio saque (I) ou na (II), primeira a fazê-lo após o rodízio inicial. Recomenda-se que as iniciantes saquem SOMENTE por baixo – previnem-se acidentes físicos (luxações em quem os recepciona) – e facilita um jogo fluido, com muitos ralis, ações de jogo de parte à parte. O pleno conhecimento da regra do saque é importante para um desenvolvimento tático, pois permite realizá-lo de qualquer parte da zona de saque (os 9m atrás da linha de fundo) e impede que se cometam erros, tais como pisar na linha, quem saca, saque preso e tentativa de saque. Recomendo a leitura em voz alta das Regras do Voleibol em dias de aula, destacando o item de interesse, especialmente em dias de chuva.

Como sacar.  A técnica deste tipo de saque não é difícil de aprender. As crianças realizarão alguns ensaios durante as aulas; a professora poderá demonstrá-lo e usar as que já o fazem com relativa maestria para modelo ou demonstração, que alicerçam o aprendizado (imitação) (ver item 13, “Utilização tática do saque por baixo”).  A técnica de sua execução é notoriamente conhecida por quantos militam no voleibol. Entretanto, em nossos contatos com muitas pessoas que lidam com iniciantes percebemos que alguns detalhes passam desapercebidos:

  • Posição do braço e da mão que toca a bola;
  • Peso do corpo na perna que está à frente;
  • Mão que segura a bola;
  • Direção do corpo, para onde vou enviar a bola?
  • Força (velocidade do braço) que devo imprimir à bola?
  • Qual o melhor local da zona de saque para fazê-lo?

b) Recepção do saque: quem deve realizá-la?

Como vimos na apreciação inicial sobre a execução do saque, não deveria haver diferença também para quem vai recepcioná-lo. Todavia, espera-se que os primeiros movimentos de um jogo de iniciantes seja marcado por um nível de nervosismo bem acentuado. É bem possível que as jovens atletas se esqueçam de tudo o que sabem e fiquem grudadas ao chão, esperando uma pela outra para que toquem na bola e se livrem dela o mais rapidamente possível, arremessando-a de qualquer maneira para o outro lado da quadra. A partir da superação dessa primeira fase, quando começam a dominar uma determinada técnica do toque e da manchete, tem início as primeiras situações táticas. As mais confiantes e desinibidas começam a atrair para si a responsabilidade pela tarefa iminente. São as que mais se deslocam e se movimentam pela quadra, na tentativa desesperada de resolver e contribuir na maior parte das soluções. Assim, as demais são coadjuvantes”, realizando raros lances. Participam, quase sempre, na execução do 2º toque. O terceiro é efetuado pela própria receptora do saque. Em princípio, defendo que as crianças devam recepcionar a primeira bola utilizando o toque por cima, com ambas as mãos. Por isso o emprego compulsório do saque por baixo (mais fraco e lento). Esta forma leva a criança a se deslocar e a assumir posições básicas para o voleibol (posição baixa, de expectativa ou de defesa) e ensina-a a realizar os passes angulares (com mudança de direção) tão importantes no seu desenvolvimento futuro. Após essas providências, iniciá-las também na manchete, que deverá ser utilizada em recursos extremos de defesa, ou até mesmo por comodidade para aquelas que a dominam com perfeição.

Mais à frente veremos como organizar o time para recepção do saque e, em seguida, como defender.

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10. O gesto técnico

Como aprender a executar o saque, o toque por cima com ambas as mãos e a manchete? Quando devem ser ensinados? Como ensiná-los?

Naturalmente, quando a criança é atraída para praticar algum esporte, tem alguma motivação a mais do que aquela que a induz a brincar e a se divertir. O motivo maior ainda é de DIVERTIR-SE. Para isso, passa a entender que é necessário aprender a executar alguns gestos pouco naturais imprescindíveis para ela brincar com as outras colegas. Esses gestos fundamentais para que haja um jogo podem ser ensinados de forma lúdica, sem comprometimento de aspectos psicológicos e, pelo contrário, com ganhos cognitivos e sociais. Num segundo estágio, já de formação de equipes, pode-se exigir e incrementar exercícios visando a uma melhor performance técnica. A partir daí, é aconselhável buscar a perfeição dos movimentos (apuro técnico).

11. Final de set, hora de decidir…

Perguntam-me o porquê e o quê fazer diante da indecisão de uma equipe em fechar um set? Muitas vezes, dependendo de um único ponto, perdem o set e a partida! Nesta altura do jogo parece que as mentes das atletas simplesmente tornam-se obnubiladas. Contudo, esses momentos se repetem através do tempo, não sendo exclusivo de determinadas equipes. São peculiaridades do esporte, inclusive do voleibol, quando os times começam a se nivelar entre si. Lembram-me a expressão muito usada em futebol, caixinha de surpresas. Constata-se que este fato não é exclusivo das categorias iniciantes. Ocorre no alto nível, em jogos mundiais e olímpicos, com equipes experientes. Já vimos isso inclusive com a seleção brasileira feminina em jogo contra a Rússia. Como explicar, ou melhor, como solucionar o problema?

Inteligência emocional. “Aprender a racionalizar a emoção ou a processa-la de forma inteligente é a chave do que os especialistas chamam de inteligência emocional. Ao perceber-se diante de uma situação de conflito ou tensão, uma atleta emocionalmente inteligente não se deixa levar pelo impulso, nem “paga na mesma moeda”. Busca detectar que tipo de resultado atingirá com as variadas reações que possa perceber e escolhe a que mais se adequa ao resultado a que se quer obter. Não se trata de dissimular emoções ou reprimi-las, mas de aprender a expressá-las adequadamente. Observa-se que quando a emoção das integrantes de uma equipe é levada em consideração, os resultados são, em geral, mais positivos. Para os psicólogos, são justamente as líderes de uma equipe que mais necessitam de orientação neste sentido”. (“Voleibol na Escola, I / Valorização das emoções nas atividades”) 

Primeiramente, solucionar será bastante difícil ou impossível em equipes iniciantes. Não sabemos quando e onde vai ocorrer. É sempre inesperado. Como explicar, embora seja tarefa para psicólogos, posso fazer uma tentativa para a obtenção de soluções. Assim, penso que a atitude da treinadora é primacial para este estado de coisas. No seu relacionamento diário com suas atletas ela consegue passar a sua personalidade para a equipe que a absorve inconscientemente, especialmente se imatura ou se possui uma capitã com ascendência sobre as colegas. Fazer com que as atletas decidam por elas mesmas é uma das mais eficazes medidas a serem adotadas por uma treinadora experiente, pois vão precisar sempre de soluções inesperadas e criativas em confrontos difíceis. Esperar que a professora tenha soluções para todos os momentos pode não ser uma boa. Gritar, gesticular, esbravejar, atirar a responsabilidade sobre um lance ou atletas também não resolve o problema e tampouco é solução para o futuro. Assim, entendo que a melhor maneira de enfrenta-lo é instruir e fazer com que, diante de situações-problema, as atletas encontrem as melhores soluções por elas mesmas. Ou que, pelo menos, TENTEM. Este é um trabalho diário, de acompanhamento muito próximo e repleto de realizações, pois leva o indivíduo à sua plena realização. Elas, as crianças, passam a pensar, analisar e a decidir por elas mesmas sem a ajuda de quem quer que seja. E enquanto não alcançam esse estágio a professora estará bem próxima para apoia-las e instruí-las, sem protecionismo exagerado. São atitudes que levam à independência do indivíduo.

12. A posição de expectativa

Faça o seguinte teste com qualquer de suas jovens atletas:

a) a uma distância de 2m-3m, lance para ela uma bola para que ela simplesmente a segure;

b) em seguida, faça o mesmo lançamento orientando a trajetória da bola para que fique aquém da atleta. Para alcançá-la deverá fazer um pequeno movimento à frente;

c) observe a posição “de partida” da atleta e veja como realiza os primeiros movimentos em direção à bola: com certeza realizará, primeiramente, um movimento para trás e “desnecessário” com uma das pernas para, em seguida, avançar na direção da bola;

d) assim mesmo, se estiver numa posição inicial de expectativa, isto é, “baixa”: uma das pernas à frente da outra e, tal como o tronco, ligeiramente flexionados. É interessante que o peso do corpo esteja sobre uma das pernas. Braços também semiflexionados à altura dos quadris e as mãos relativamente abertas em forma de concha;

e) é uma posição que guarda uma similaridade com a “posição de partida” de um corredor de 100m no atletismo.

f) a cada movimentação da bola e adversários, “repensar” a sua posição dentro da quadra e em relação às suas colegas; terá facilitada a tarefa cada vez que se “antecipar” no raciocínio, isto é, “naquilo que a adversária pode fazer”.

g) os exercícios com a rede coberta (item 8, “como defender”?) propiciam um desenvolvimento fantástico neste mister.

No próximo post, apresentarei aspectos relativos às funções das jogadoras numa equipe principiante, como sacar e detalhes da recepção.

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6. Como atacar?

No caso de iniciantes, os ataques por cortada são raros, especialmente se o jogo se desenvolve em quadra oficial. Nesse caso, a percepção desenvolvida para defender sua própria quadra poderá servir de base para decisões a serem tomadas. Primeiramente, atente-se para o fato de que, se não orientadas, as alunas devolverão as bolas no 3º momento simplesmente de manchete ou de toque, passando-a para o outro lado sem a mínima preocupação de ataque proposital. É a situação mais comum nos jogos de principiantes, especialmente entre meninas.

A professora poderá leva-las a perceber que os ataques necessariamente não têm que ser por cortada e assim, desperta-las  para ações mais eficientes. Se ainda não dominam a recepção do saque e o respectivo passe à levantadora e se esta por sua vez também não domina o toque de levantamento, pouco adiantará para a equipe possuir excelentes cortadoras. A incidência de erros naqueles fundamentos fará com que a equipe reponha a bola em jogo quase sempre de manchete, simplesmente passando a bola para o outro lado. Basta assistir a um jogo entre principiantes – mesmo entre federadas – para constatar o número elevado de casos da natureza. Aliás, isto era muito comum ainda na década de 60, quando equipes (e seleções) brasileiras femininas atuavam contra as japonesas. Não conseguiam sucesso nas recepções de saques balanceados. (simplesmente porque os treinadores esqueciam-se de fazê-lo).  

É conveniente que as alunas aprendam a VER a outra equipe, aonde se colocam as suas jogadoras, especialmente quando atacadas: que posição adotam? Quem é a mais fraca na defesa? Colocam-se muito perto das linhas? Existem grandes espaços entre elas? E o fundo da quadra? Conseguem recuperar bolas lançadas próximas à rede? E, principalmente, onde está e para aonde vai a levantadora?

Construir exercícios específicos nesse sentido: uma equipe em expectativa de defesa e outro grupo de alunas realiza sucessivos ataques por toque de diversas posições da sua quadra em bolas lançadas, ora pela professora, ora por uma colega. Proceder a vários rodízios entre elas antes de trocarem de funções. Enquanto realizam os movimentos, fazer que as demais observem e detectem os “vazios”, isto é, os espaços entre atletas, a rede e as linhas demarcatórias.

7. Como ver a outra equipe no momento do ataque?

Esta é uma percepção bastante difícil de ser ensinada. Ela pressupõe, a meu ver, o desenvolvimento da visão periférica, onde a jogadora, ao se conjugar com o movimento da bola que será tocada em seguida, percebe a posição ou movimentação de uma ou mais jogadoras adversárias. É passível de ser treinada, resultando em acréscimo no desenvolvimento tático de qualquer atleta. Normalmente, é mais utilizada pela levantadora que, ao receber um passe favorável junto à rede pode discernir para que posição efetuar o levantamento em função da movimentação das bloqueadoras. A observação da equipe adversária logo após sofrer um ataque também contribui para memorizarem as posições mais adotadas pelas adversárias: a tática da equipe é repetitiva. A partir dessa observação, permite-se uma orientação dos ataques, tanto por cortada, como de toque. E, ainda que nem todas as atletas tenham esta percepção, não será difícil que se orientem e se desenvolvam neste mister mutuamente. Existem vários exercícios que propiciam a visão periférica. Ex.: toques, 3 a 3, com duas bolas; toques, 2 a 2, todas em círculo.

8. Como defender?

As contramedidas necessárias a qualquer tipo de ataque – entenda-se que ataque é qualquer bola lançada em direção à quadra adversária (exceto o saque) – devem fazer parte da tática individual das atletas e da equipe. No caso de iniciantes, onde os ataques por cortada são escassos e não muito fortes – especialmente em se tratando de equipes femininas – recomenda-se até a dispensa da formação de qualquer bloqueio. É mais eficaz para a equipe contar com todas as suas jogadoras em posição de defesa, com exceção para as bolas muito próximas à rede e, assim mesmo, nos casos em que as atletas de ambas as equipes tenham condições de alcançá-las com saltos. Um dos treinamentos mais eficazes para desenvolver uma boa defesa é o da rede coberta com um pano, onde uma equipe não vê a outra e somente uma realiza as ações de defesa: a outra produz sucessivos ataques de posições relativamente afastadas da rede. A professora comanda os exercícios de trás da quadra da equipe que defende, corrigindo posicionamentos e medindo a velocidade de reação de suas atletas. Estas, por sua vez, imaginam para onde suas colegas adversárias provavelmente devem dirigir as bolas e qual seria a minha área de defesa. (ver item 6, como atacar?) Aceleram-se medidas preventivas, de expectativa ou de antecipação. Multiplicam-se soluções criativas de lado a lado, produzindo-se um incremento tático invejável.

9. Ritmo de jogo

Inicialmente, a sucessão de movimentos requerida pelo voleibol assusta. Entretanto, as experiências sucessivas e renovadas nos jogos, a obtenção de uma técnica individual razoável através de exercitação conveniente, podem transformar as alunas em exímias jogadoras. Facilitadas pela diminuição dos espaços e pelo número de jogadoras, o mini vôlei (quadra menor) pode conduzi-las rapidamente à observância da ocupação apropriada do terreno de jogo e a um repertório inimaginável de soluções e criatividade. A sensação, neste estágio, é que aprendem sozinhas, sem a participação da professora. Neste propósito, caso necessite, poderá acelerar este processo, promovendo algumas aulas com exercícios específicos de movimentação em quadra: somente uma equipe realiza sucessivas tentativas de recepção e troca de passes, até o consequente ataque. As bolas podem ser arremessadas pela professora ou alunas especialmente designadas. Dependendo do número de participantes, pode-se realizar uma competição: “Que equipe consegue realizar mais ações sem erro”? Ou, então, errou duas vezes, sai e dá lugar à outra. Nestes momentos, é interessante que a professora oriente de perto, muito próxima das crianças. A posição mais favorável é dentro da quadra, atrás das alunas, mostrando às defensoras como ocupar ou diminuir os espaços. Observar o tempo ou intensidade com que é feita a reposição das bolas, conduzindo o exercício num ritmo satisfatório, nem aquém, mas tampouco demasiadamente exigente.

Na sequência, estarei comentando sobre os gestos técnicos, as emoções e a posição de expectativa. Até lá!