Pensar e Aprender (I)

Atividades Inteligentes e Criativas

O desconhecimento pedagógico pode transformar uma aula numa verdadeira tortura, levando ao trauma, à falta de estímulo, à frustração. É fundamental que se leve em conta ao se planejar um curso para crianças, a psicologia funcional – interação humana. É preciso saber, por exemplo, que necessidades a criança tenta satisfazer naquele momento da aula. Inicialmente, ela quer jogar ou brincar?

 

Limitar o aprendizado de um esporte por repetição de modelos, decorar gestos ou movimentos prontos, não determina proficiência em esporte algum. A lógica da criança não é a lógica do adulto. Construir os conceitos sobre um assunto compreendê-lo e agir sobre ele é, antes de tudo, anterior à etapa da verbalização. Ler e escrever, p.ex., são habilidades nas quais nos aperfeiçoamos bem depois da fluência oral. O princípio básico da metodologia desenvolvida centra-se em como propor uma atividade à criança de forma que ela se sinta estimulada e desafiada, em constante interação, fazendo do esporte uma ferramenta útil às suas necessidades e desejos. Construir o vôlei de forma eficaz, criativa e lúdica é, pois, a tarefa primordial do especialista ao se tratar de ensino do esporte. Entender como o pensamento se desenvolve desde o nascimento, entender que a criança fala porque pensa e não pensa porque fala, compreender para corresponder satisfatoriamente ao universo que realmente interessa à criança.

Metodologia

Na metodologia, a oralidade está em primeiro plano, mesmo que as crianças iniciem suas aulas já sabendo alguns movimentos básicos do esporte. Ao oferecer-lhes atividades nestas habilidades, dar-lhes também condições de se expressar espontaneamente com frases estruturadas corretamente. As atividades devem ser atraentes e instigantes a cada fase pela qual o aluno passa. Por isso os grupos são formados sob este pressuposto que, via de regra, tem a ver com a faixa etária. Portanto, não agrupamos os alunos por conhecimento do esporte enquanto não lidarmos com o jogo propriamente dito. A proficiência passa a fazer diferença então no momento que introduzimos tais habilidades, ferramentas a mais na comunicação dentro do esporte. O conteúdo concreto e significativo é aquele que faz parte da realidade social do aluno. Além de se trabalhar na escola com a criança os elementos que compõem seu meio social e cultural, é importante proporcionar-lhe instrumentos para que ela identifique o que existe, o que foi transformado como, porque e quais os determinantes que ocasionaram as transformações, tomando consciência de seu corpo e suas relações. Assim, a questão central da pedagogia é o problema das formas, dos processos, dos métodos, certamente não considerados em si mesmos, pois as formas só fazem sentido na medida em que viabilizam o domínio de determinados conteúdos.

“A criança pode fazer mais cedo com ajuda, o que mais tarde ela faria sozinha”.

São nos pressupostos interacionistas (interação professor x aluno x aluno) que vamos buscar os elementos de consolidação da aprendizagem, permitindo, através desta interação, a “criação de zonas de desenvolvimento proximal” no aluno. Neste método, o ponto de partida é a prática social, que é comum a professor e aluno (interação). É neste momento que o professor, através de uma atividade proposta com um conteúdo específico a ser trabalhado, interagirá com as crianças de tal forma que elas possam interiorizar a teoria através da prática. A partir desta prática social, o professor levantará junto aos alunos problemas detectados: problematização, tendo em vista a instrumentalização que ele fará logo em seguida. O professor poderá pedir aos alunos que pesquisem entrevistas, livros; poderá também transmitir o conhecimento através do vídeo e outros meios que possibilitem a assimilação dos conteúdos.

Instrução Contingente

Pode-se ensinar a criança valendo-se de demonstração, da fala ou, ainda, de um tipo de instrução que combina a demonstração e a fala num padrão específico. Contudo, as crianças que mais aprendem recebem sugestões ou fala-se à criança o que fazer em seguida; se ela, porém, não compreender o que for dito, oferece-se mais ajuda. Quando a criança conseguir seguir uma sugestão, deve-se deixar que ela assuma mais responsabilidade pelo passo seguinte. Este é o conceito de “ensino contingente”, isto é, condicionando toda ajuda à compreensão que a criança demonstrava ter dos níveis anteriores de instrução:

Ensino por Demonstração

Observam o que o professor faz e ficam cheias de vontade de experimentar: são incapazes de absorver grande parte do que lhes foi mostrado.

Ensino Contingente (gradual)

Aprendem a fazer a tarefa mediante ajuda e, com o prosseguimento das sessões, começam a compreender o que o professor “quer dizer”.  A instrução contingente ajuda as crianças a construir a perícia específica – a perícia vinculada àquela determinada tarefa ou grupo de tarefas –, concentrando a atenção delas nos aspectos pertinentes e oportunos da tarefa e realçando as coisas que elas devem levar em conta. Além disso, ela decompõe a tarefa numa sequência de tarefas menores que as crianças são capazes de desempenhar e orquestrar de modo que elas por fim consigam construir o modelo completo. Consiste em dosar a quantidade de ajuda que as crianças recebem de acordo com sua compreensão, de momento a momento. Se elas não compreendem uma instrução dada num determinado nível, mais ajuda é necessária. Quando elas compreendem, o professor se retrai e dá mais espaço à iniciativa da criança. Desse modo a criança nunca fica sozinha quando está em dificuldades nem tampouco é “contida” por um ensino demasiado diretivo ou intrusivo. A compreensão das “regras” da contingência e o ensino de acordo com tais regras são duas coisas muito diferentes.

Metáfora do andaime

“Quando bem construídos, os andaimes ajudam a criança a aprender a ganhar alturas que elas seriam incapazes de escalar sozinhas”.

Esta fórmula que parece simples, até banal, não é nada fácil colocar em prática. Mesmo em tarefas relativamente simples, a pessoa treinada para ensinar contingentemente frequentemente “viola” as regras. Às vezes repete-se uma instrução no mesmo nível quando deveria oferecer mais ajuda. Em outras ocasiões, oferece-se ajuda quando esta não é mais necessária.

Por exemplo, ao ensinar a técnica do toque com ambas as mãos ou mesmo a manchete, quase sempre o professor não atenta para a posição básica das pernas anterior ao próprio toque. Quando o faz, é sempre com instruções verbais repetitivas que a criança não fixa. Neste caso, recomendo a aplicação de “brincadeiras ou pequenos jogos” em que, obrigatoriamente, o aluno terá que flexionar as pernas para ter sucesso nas suas participações.

 

Lições de um Projeto, Perspectivas de Aprendizagem (II)

Linguagem

A abertura do curso consistiu num espetáculo marqueteiro voltado para a mídia. Convidados a então governadora do Estado – Benedita da Silva – seu marido e Secretário de Estado, diversas atletas de seleção e campeoníssimas do vôlei de praia, além da direção do CIEP e a totalidade dos alunos daquele turno. Não poderiam esquecer da TV, é claro.

Curiosamente, esta foi a segunda vez que tive contato com um grupo de alunos com os quais eu faria pequenos esquetes de apresentação da metodologia. O primeiro foi na véspera. No grande dia, estando o ginásio repleto, e após alguns discursos, desenvolvi minha parte com os ensaios que julguei pertinente. O auge da apresentação, constituindo-se surpresa geral, foram as brincadeiras produzidas com um paraquedas que reservo como surpresa. Em torno dele cabem muitos indivíduos e todos, sem exceção (inclusive a governadora), foram convidados a brincar. E como se divertiram!

Terminado o evento, fui procurado por uma das diretoras que exclamou: “Estou aqui há 16 anos e conheço bem o meu ofício e nunca vi coisa igual. O Senhor chegou ontem, entretanto parece que as crianças já o conheciam de longa data! Como é possível”? Certamente, referia-se à conduta do professor em relação ao grupo e à linguagem (comunicação) empregada. Senti-me orgulhoso no reconhecimento de meus esforços na busca de uma metodologia inovadora e na conduta que abracei.

Instrução individualizada ou em grupo?

Este é o primeiro dilema que se nos depara. Pode ser também expresso como “que devo ensinar primeiro, a técnica (fundamentos) ou o jogo propriamente dito (tática)”? A experiência me ensina que os indivíduos estão ali para se divertir e brincar. Se lhes proporciono este quesito terei realizado seus desejos. Então, a pouco e pouco, sugiro que lhes seja garantida diversão e instrução, isto é, em cada sessão, exercícios técnicos e jogos. E para que esses exercícios não se tornem enfadonhos e despropositados, que sejam propostos de forma lúdica: ficam preservados ganhos psicológicos e participação mais intensa. Lembro que já presenciei treinos com 18 participantes que realizavam ataques na rede com utilização de uma forca; a cada ação, individualmente recolhiam a própria bola e retornavam à fila, isto é, aguardavam 17 outras intervenções.

O tempo que destinaria ao “aquecimento” prefiro que os alunos brinquem com o objeto do seu desejo, a bola. Se não tiverem intimidade com ela, seu aprendizado estará demasiadamente prejudicado. Se for possível uma bola por indivíduo será o ideal; caso contrário, o professor diligenciará para que cada um tenha o máximo proveito nestes contatos iniciais de malabarismos, lançamentos etc. A seguir, utilizo um estratagema em que, fazendo uma pequena encenação teatral, consigo que a cada proposta de exercício ainda não conhecido, TODOS os alunos se reúnam no centro da quadra. Ali, enuncio e já realizo rápida demonstração com alguns deles, sem a preocupação de detalhes (“linguagem proposta”). Dali retornam aos seus lugares nas miniquadras e, por sua conta, dão início à tarefa. É bem possível que neste momento haja uma dificuldade que deve ser compartilhada pelo grupo para a consecução da tarefa (“discussão e interação”). Para manter o ritmo dos exercícios (dinâmica da aula), uso também recurso bem simples: o grupo que utiliza o campo central será sempre o “demonstrador do dia”; antes de convocar todos ao centro antecipadamente já os instruo para a novel demonstração.

A partir da construção dessa linguagem posso aquilatar o ponto onde o aprendiz está e desenvolver uma psicologia de forma harmoniosa. Estes desafios são superados à medida que proponho novas tarefas. Nesse momento minha observação recai em “como cada grupo está realizando (pensando) sua tarefa”. A partir de agora minha tarefa torna-se mais difícil, pois se trata de saber “como e quando” intervir (“metáfora do andaime”). Um auxiliar poderoso poderá ser um dos próprios alunos do grupo com alguma experiência ou liderança, ou ainda, um pequeno lembrete: “Vejam como o grupo vizinho está fazendo”! Asseguro que as possíveis perdas nesta fase são insignificantes face aos ganhos inequívocos quando à maneira de pensar futura, que passa a integrar a personalidade do indivíduo. Além disso, como o objetivo nesta fase é exatamente “conhecer a linguagem”, convém que o professor administre muito bem a quantidade de ensaios a propor e o respectivo tempo de execução. Por enquanto, esqueça as correções técnicas. Considere que as tarefas não recaíram somente na administração de exercícios, mas também na “conquista” da comunidade, através de serviços voluntários de limpeza e lavagem do ginásio (mutirão) envolvendo os próprios alunos e suas mamães, o convite à participação de monitores, a aceitação de pequeninas crianças para brincadeiras paralelas e a recepção a jovens de outras comunidades.

Reflexão na ação

Creio que até então nunca se encontrou maneira confiável de realizar os objetivos propostos no planejamento de projetos. Todavia, tenho absoluta certeza que se houvesse continuidade neste tipo de trabalho criaríamos a possibilidade de identificar na prática caminhos para o desenvolvimento futuro na educação daquele grupo. Estivemos mostrando como aproveitar em “sala de aula” estes recursos potencialmente valiosos de aprendizagem e ensino, mesmo em condições não muito favoráveis, para as quais procuramos encontrar soluções e nunca nos queixarmos dos problemas. Para espíritos empreendedores as adversidades muitas vezes são desafios a serem transpostos. Naqueles momentos balizamo-nos em alguns princípios, utilizamos nossa intuição e experiência colhendo frutos virtuosos. Todavia, sabemos que temos muito a percorrer até encontrar o melhor procedimento.

Numa época em que muitos desafios e oportunidades novas surgem na educação, graças ao advento de novas tecnologias e subsídios computadorizados à aprendizagem e à instrução, achamos que vale a pena lembrar das dimensões sociais e interativas do crescimento e desenvolvimento humanos que a educação física e os desportos suscitam. Suspeito e concordo que os recursos mais preciosos para uso em “sala de aula” continuarão apresentando-se sob a forma humana.

O desenvolvimento de uma teoria eficaz do “ponto onde o aprendiz está” e a construção de uma “psicologia do assunto” que seja operável representam desafios formidáveis. Quando se está trabalhando com uma classe grande a combinação de ambas as teorias para saber qual o “próximo passo” a dar aparenta ser uma exigência impossível. Neste particular, o professor torna-se um privilegiado em relação ao técnico desportivo.

A seguir, Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem – (final)