Melhores Treinos, Melhores Atletas

  – Como se adquire talento?

  – O que torna os indivíduos de sucesso diferentes do resto de nós? 

 – Qualquer talento depende unicamente de uma prática diferenciada, não de uma predisposição genética.  

 

Há pouco publiquei “Um Olhar no Voleibol Português”, em que sumarizo o desabafo do treinador brasileiro Rogério Lopes radicado em Portugal desde 1991. Numa de suas queixas deixa vir à tona o calendário das competições no país: são cinco meses de pura inércia para a maioria, sem jogos ou torneios, exceto para os selecionáveis e os compromissos internacionais. Esta é uma imposição da Fivb quando constroi o calendário anual. Sem criatividade, as Federações deveriam se esmerar para que tal lacuna não prejudicasse o próprio calendário. Entretanto, como deve ser o caso de muitas, fica a critério de cada uma realizar ou inventar algo para ocupar os filiados. Idêntico processo se desenvolve junto aos clubes em suas cidades. Nessas circunstâncias, o que fazer em matéria de treinamento dos jovens? Como treiná-los e mantê-los em uma atividade séria? Perceberão que a conotação do que seja ruim hoje, talvez encubra a real possibilidade de se realizar ensaios técnicos individualmente, que não se consegue em tempos de competição, quando a prioridade recai nos ajustes táticos, e até pelo pouco tempo disponível para as práticas. Então, o que é problema – 5 meses parado – cai do céu como solução para a totalidade de treinadores, haja vista que estão sempre a reclamar não terem tempo para treinar este ou aquele fundamento, legando a culpa aos formadores de atletas. Os erros na Formação permanecem por toda a vida atlética do indivíduo. Contudo, consertar é mais difícil do que criar ou manter. Saberiam fazê-lo? Espera-se que sim, pois perderam a justificativa de…”não tenho tempo”! 

Esta postagem, contendo raro depoimento de autor, um jovem atleta brasileiro em 1960, é o resultado de leituras sobre a nova teoria do treinamento profundo: “O código do talento” (The talent code), de Daniel Coyle, editado no Brasil pela Agir, 2010. Peço desculpas por citar-me, mas espero a compreensão de todos, pois era o que fazia por intuição, sem conhecer qualquer teoria psicológica.   

Propostas de Treinos Fora de Competições – Um Depoimento 

Sabendo como treinar o progresso de um mês pode ser equivalente a seis minutos.

Recuemos a 4 de novembro de 1960, quando tiveram início as finais dos campeonatos mundiais de voleibol no Brasil – masculino (IV) e feminino (III) – em Niterói e Rio de Janeiro. Neste mês, completara 21 anos de idade. Iniciei-me a treinar e jogar voleibol em 1958, em um pequeno clube de Niterói. Disputamos naquele ano os campeonatos municipais nas categorias juvenil e aspirante. Como eram poucos os clubes, basicamente rendeu-me poucas experiências e, então, como no exemplo acima de Portugal, estaria fadado a desistir do esporte. Todavia,  a ignição já estava presente graças à visão dos Mundiais; aquele jovem não podia se conter em si mesmo e saiu em busca de alternativas. A mais viável foi a praia, onde aos sábados e domingos jogava-se voleibol com bastante intensidade. E, inclusive, a grande maioria dos atletas federados, inclusive do Rio de Janeiro, na época o maior centro do País. Mas aquilo não lhe bastava, pois precisava adquirir rapidamente uma técnica que facultasse atuar com e contra tão excelentes jogadores. Então, resolvi autorregular-me, isto é, criei circunstâncias para meu treinamento seguindo o que ditavam minha intuição e raciocínio. Dessa forma, treinava solitariamente em um ginásio pobre, com uma única bola que me foi dada, deixada após o Mundial. Os ensaios eram religiosamente de 2 horas ininterruptas (9h às 11h), três vezes por semana. Aos sábados e domingos, jogos de 6 x 6  ou duplas na praia. Isto se desenrolou aproximadamente durante 3 meses. Ao final, rendeu-me um assustador e invejável desenvolvimento técnico, propiciando inclusive colocar-me entre os melhores atletas brasileiros e uma convocação para a seleção principal. O fato curioso é que comecei a treinar voleibol aos 18 anos, quatro anos depois, sem ter participado de campeonatos regionais, tornei-me um dos tops, e com invejável técnica – múltiplos fundamentos – superior em vários detalhes aos melhores do país. Sendo que era o mais completo, pois com 1,92m, atacando com preferência com a canhota (não sou canhoto), aprendera nos treinos a também atacar como destro e, principalmente, a executar com perícia a função de levantador. Em 1962, era o mais alto entre os selecionáveis e o de maior impulsão, sem jamais ter frequentado academia ou realizado exercícios com pesos. Enfim, ganhei a fama de ser um dos atletas de melhor apuro técnico de minha geração. Como consegui tamanho feito sozinho e em condições tão precárias? 

Antes, porém, um lembrete sobre a função e emprego da memória. Veja mais neste Procrie o artigo Aprender a Ensinar – Memória, 18/dez/2010.

Memória de curto prazo – Lembro-me, em 1984, durante Congresso de Mini Voleibol em Buenos Aires (Argentina), a fala do técnico italiano Pitera sobre a relação dos gestos desportivos – os movimentos – e a memória de curto prazo. Busquei durante algum tempo bibliografia a respeito e não encontrei. Agora, ao tomar conhecimento da teoria mielínica, parece vir à tona tudo o que buscava para interpretar o treinamento que realizei quando rapaz.

Atualmente, lendo na obra de Coyle, na década de 70 os psicólogos investigavam os fundamentos do processo humano de resolução de problemas. O primeiro projeto do pesquisador sueco Anders Ericsson tratou de investigar um dos dogmas mais sagrados da psicologia: a crença de que a memória de curto prazo é uma faculdade inata, fixa e limitada. O pesquisador mostrou que o modelo de memória de curto prazo então existente estava errado. A memória não era como o tamanho do pé; podia ser aumentada pelo treinamento. Neste caso, o que tinha limite? Todas as habilidades humanas eram formas de memória. Assim, quando uma campeã de esqui desce uma montanha a toda velocidade está utilizando estruturas da memória, dizendo aos músculos o que fazer e quando. O mesmo ocorre com um virtuoso do piano. Então, por que não seriam todos suscetíveis ao mesmo tipo de efeito de treinamento? Aqui reside a importância primacial do educador – professor ou treinador – em qualquer área do ensino.

Teoria Mielínica

A teoria mielínica é descrita como um programa para desenvolver habilidades especiais aplicáveis à vida pessoal e aos negócios. A ideia é aproximar teoria e prática, e tornarmos nossas aulas ou treinamentos observáveis à luz dessa nova teoria, que ainda tem muito a caminhar. Para tanto, antes de discorrer sobre o auto treinamento, aproximemo-nos de Coyle, pois como afirma “todos somos vencedores e talentosos, o segredo é praticar de forma CERTA! O código do talento nos ensina como”.

———————————————-  A seguir, “Melhores Professores, Mais Talentos”.

 

Ensinar Vôlei e Física

O que é mais difícil, ensinar Voleibol ou Física?

– Em que diferem as aulas de Física e de Voleibol?

– Como ser um bom professor e produzir boas aulas?

Buscando um consenso nesse excelente debate na busca de como proceder daqui para frente, atrevo-me a dizer-lhes que a palavra chave foi dita num dos comentários: INTERESSE.  Se o professor conhecer como o cérebro guarda (memoriza) informações, ele vai ajudar os alunos a fixar os conteúdos estudados em classe. Isto funciona para qualquer matéria e no cotidiano da vida. Assim, se souber como despertar o interesse dos seus alunos a batalha estará vencida e vocês aclamados como o melhor professor do mundo.

Como despertar o interesse da classe?

Examinemos a natureza dos circuitos da habilidade que cada método tenta desenvolver do ponto de vista da mielinização. O professor ou técnico de voleibol e o professor de física só dão a impressão de estarem fazendo coisas opostas. Na verdade, ambos estão fazendo exatamente o que fazem os bons professores: estão ajudando o circuito certo a disparar com a maior frequência possível. “A diferença reside na natureza dos circuitos cujo desenvolvimento tentam estimular”.

O que um professor tem que o outro não tem? Como se destacar ou ser o melhor?

Dificilmente verão isto nos bancos universitários ou mesmo em compêndios especializados. Para tal há que se buscar criatividade, só presente em indivíduos desprendidos. Permito-me oferecer-lhes algumas leituras a esse respeito que se encontram em www.procrie.com.br. Inicialmente, recomendo “Exercícios (IV) – Memória e Ensino Esportivo” e “Lições de um Projeto, Perspectivas de Aprendizagem”. Ali estão consignadas algumas soluções práticas que encontrei para esse tipo de problema. Perceberão como um professor interessado em oferecer melhores aulas contorna obstáculos com o seu saber e com alguma criatividade. Dessa forma, sugiro que passemos a discutir e a comentar as soluções que certamente vocês formularão daqui para a frente. Que tal?

Navegando nas nuvens. Para não perder a chance, visitem no site Prezi – http://prezi.com/9nhuhq5t7coh/procrie/ -, voltado exclusivamente para a Educação, o programa calcado em minhas experiências e histórias. Afinal, “educar não é contar histórias”?. Em dúvida sobre a navegação (é simples), acessem www.procrie.com.br/procrienanuvem/ , com breves instruções.

Boas leituras…

Exercícios (IV) – Memória e Ensino Esportivo

Memória, Emoção, Interesse

(Calcado em Psicologia pedagógica, L. S. Vigotski; Revista Veja, 13.1.2010)

Lembre-se: sem memória não há aprendizagem. Conhecendo como o cérebro guarda informações você vai ajudar os alunos a fixar os conteúdos estudados em classe.

Como a memória funciona? “Somos aquilo que recordamos”, conceitua Iván Izquierdo, professor de Neuroquímica da UFRS. Ele dá um exemplo: nenhum texto é compreendido se não se lembra o significado das palavras e a estrutura do idioma utilizado. Tudo isso precisa estar registrado no cérebro para ser resgatado no momento oportuno. A memória, enfatiza Elvira Lima, é a reprodução mental das experiências captadas pelo corpo por meio dos movimentos e dos sentidos. Essas representações são evocadas na hora de executar atividades, tomar decisões e resolver problemas, na escola e na vida.

Não existe memória sem emoção. O português António Damásio, de 65 anos, é considerado um dos neurocientistas mais respeitados da atualidade. Ele modificou a compreensão que se tem da biologia das emoções e de como elas se relacionam com a memória. Em sua entrevista à Veja (13.1.2010), destacou: “A emoção modula constantemente a forma como os dados e os acontecimentos são guardados na memória. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à memória para pessoas e para as características relacionadas a elas. Afinal de contas, a sociabilidade faz parte da nossa memória genética, com a qual nascemos e que é resultado de milhões de anos de evolução. 

Como as emoções controlam a memorização?  Grande parte de nossas decisões é tomada de maneira mais ou menos automática e inconsciente. Esse processo é guiado pelo valor que se dá às diversas experiências do passado. Por exemplo, se eu conheço uma pessoa que desperta boas emoções em mim, toda vez que eu a encontrar vou reviver uma memória que se divide em dois aspectos: o cognitivo (saber quem é a pessoa) e o emocional (é alguém de quem se gosta). Tais aspectos guiam a forma como conduzimos a relação com os outros. Não há memória ou tomadas de decisão neutras, sem emoção. Hoje já se sabe até em que regiões do cérebro as emoções são processadas”.

O Interesse. Os estudos da memória mostraram que ela funciona de modo mais intenso e melhor naqueles casos em que é envolvida e orientada por certo interesse. Toda pessoa sabe que efeito inusitadamente aumentativo exerce o interesse sobre o psiquismo. O  interesse é um envolvimento interior que orienta todas as nossas forças no sentido do estudo de um objeto. Diz-se, então, que o interesse produz o mesmo efeito preparatório sobre o nosso organismo durante a assimilação de uma nova reação. Tudo consiste principalmente em assimilar bem como coordenar sempre o interesse com a memorização. Se um mestre quer que algo seja bem assimilado deve preocupar-se em torná-lo interessante. Assim, produzi farta variedade de materiais que me permitiram sempre tornar as aulas atraentes e prazerosas para os pequenos, tais como, paraquedas, biruta, bolas de tênis, puçás, petecas, bambolês, cestas de basquete etc.

2. Detalhes que fazem a diferença. Numa das aulas de apresentação da metodologia que emprego observei alguns pequenos detalhes que revelam quase sempre a conduta pedagógica do estabelecimento. Nos momentos que antecederam uma de minhas apresentações num colégio, reparei o deslocamento quase militar dos 24 alunos sob a batuta de um dos professores de educação física. Até a entrega do grupo no ginásio onde realizaríamos a apresentação foi um silêncio constrangedor, em se tratando de crianças de 12-13 anos de idade. Após as devidas apresentações e com a presença da diretora do educandário, iniciamos a aula. Procedeu-se a uma mudança brutal de comportamento, uma vez que os concitei a produzirem uma algazarra com movimentos livres com a bola que cada um recebeu. Aos gritos, lançavam-nas ao alto, deixavam quicar no solo, entreolhavam-se sorrindo; dando sequência, sugeria outros movimentos buscando a espontaneidade de gestos, o que lhes parecia o paraíso. A seguir introduzi novos elementos. No entanto, não pude deixar de notar, havia uma única menina na arquibancada, muito agasalhada para o calor reinante. Inicialmente, sentara-se distante (5-6 degraus acima). Convidei-a para participar mesmo sem o uniforme de ginástica, mas declinou gentilmente. A aula continuava agitadíssima e em dado momento pude ouvir um dos maiores elogios que um professor poderia receber por seu trabalho, ainda mais vindo de aluno que conhecera naquele instante. En passant, disse um para o outro: “Puxa, assim que tinham que ser as aulas de educação física do colégio”! Sem perder a pose continuei meu trabalho e, mais uma vez, meu olhar posou na mesma menina da arquibancada que, agora, estava à beira da quadra e pude observar seu semblante de alegria e fervorosa vontade de estar ali brincando com os demais. Diante de novo convite discreto, disse-me: “Não posso participar, estou sem uniforme do colégio” (o casaco era sua proteção). Ao que retruquei: “Venha assim mesmo”! Não resistiu e imiscuiu-se entre os colegas, divertindo-se a valer. Buscam-se técnicas pedagógicas que possam atrair todas as crianças no processo de aprendizagem, independentemente da diferença de caráter, inteligência ou meio social, lembrando que o conteúdo estudado no meio escolar deverá estar relacionado às condições reais de seus alunos. Relembre o que foi relatado em minhas vivências no Morro do Cantagalo postado sob o título “Lições de um projeto e perspectivas da aprendizagem”. Uma regra escolar para favorecer o crescimento do aluno e sua liberdade (relativa) deveria ser a execução de uma atividade envolvente, o que o torna automaticamente disciplinado. Esta liberdade pode ser vista como a possibilidade do ser humano vencer obstáculos.

Em outro educandário público acompanhei atentamente o recreio dos alunos ao lado do seu diretor. Observamos as atividades livres e constatamos a irreverência e, às vezes, violência, entre os estudantes de ambos os sexos, todos já adolescentes. Estava levando proposta da prática livre do voleibol através das mini quadras – como realizado no Colégio Salesianos – que se justificariam pelo simples fato de dar atividade “disciplinadora” (segundo regras aceitas) ao grupo. Infelizmente, preguei no deserto.

2. Atitude racional. O papel seguinte do interesse consiste na “função unificadora que ele exerce em relação aos diferentes elementos da assimilação do material”. O interesse cria um encaminhamento permanente no curso da acumulação da memorização e acaba sendo um órgão de seleção em termos de escolha das impressões e sua união em um todo único. Por isso, é de suma importância o papel desempenhado pela atitude racional da memorização em função do interesse. Os psicólogos chamam esse processo de “influência da atitude diferencial nas experiências de memorização”. A experiência comprova que os resultados da memorização dependem, em enormes proporções, da instrução dada no início da experiência. Na instrução explica-se ao experimentando o que se exige dele, que objetivos ele deve colocar diante da sua memorização, por que verificação ele irá passar, e em função disto surge uma série de reações de atitude que se traduzem na adaptação da memorização aos objetivos da aprendizagem de memória. Isso nos convence ainda mais de que a memória é apenas uma das modalidades de atividade, uma das formas de comportamento.

A teoria piagetiana nos diz também que, ao organizar seus conhecimentos visando à sua adaptação, o indivíduo interage com a realidade promovendo uma modificação progressiva dos esquemas de assimilação. São vários (4) estágios que evoluem como uma espiral, de modo que cada estágio engloba o anterior e o amplia.

3. Tatear experimental. “Uma opinião frequentemente expressa revela que a melhor forma de aprender alguma coisa é descobri-la por si próprio. Lichtenberg (físico alemão do séc. XVIII) acrescenta um aspecto importante: aquilo que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um caminho na mente (memória) que se pode percorrer novamente sempre que se tiver necessidade“.

Aos 16-17 anos, ainda cursando o ginásio (atual 2º grau), lancei um desafio para mim mesmo: deveria lançar a bola de basquete de uma cesta à outra. Meus conhecimentos desse esporte eram rudimentares, pois apenas competira na categoria infantil por um clube da cidade durante no máximo 2 anos. Na escola, apenas praticava nas esparsas aulas de educação física, sem qualquer orientação: o professor distribuía as bolas para a prática de futebol e basquete, e quem não quisesse, simplesmente estava dispensado da aula. Assim, como criara o objetivo, pus-me a pensar como poderia fazê-lo. E, incrível, consegui! Imagino que a cada tentativa alguns obstáculos eram superados e novas conquistas alcançadas. O caminho que estava traçado foi percorrido com os meus próprios passos. Creio que, principalmente em se tratando de crianças, o caminho da ludicidade seja o mais natural e confortável para um profícuo aprendizado. Considere-se que através de brincadeiras e de pequenos desafios são possíveis avanços consideráveis em qualquer atividade.

4. Caminhos pedagógicos, uma aula sem o professor. Ocorreu em 1981, com a equipe principal masculina de voleibol América F. C., do Rio de Janeiro. Treinávamos três vezes por semana e, nesta época, tinha a companhia de um amigo, também professor, que se atualizava acompanhando-me nos treinos e jogos. Aconteceu que não poderia comparecer ao treino de um sábado. De véspera, combinei com todo o grupo o que deveriam realizar e despedi-me, confiante de que tudo aconteceria como planejado. Diga-se de passagem, para os cariocas os sábados e domingos são consagrados à praia. Na semana seguinte, ouvi o relato do meu amigo que, não acreditando que se realizaria o treino sem a minha presença, esteve no clube: “Queria ver com os próprios olhos”, pois não acreditava que fossem comparecer. E, inacreditável! Não só estavam todos lá, como o treino transcorreu em alto nível e de maneira intensa. Sempre que possível transformava os treinos numa alegria só, inclusive atraindo olhares de jovens e outros associados que se encantavam com a algazarra e diabruras dos grandalhões. A intensidade teve que ser comedida dada a total entrega dos rapazes. E mais, o comportamento social e técnico do grupo atingiu níveis espetaculares a tempo de serem contemplados com elogios dos próprios adversários – técnicos e atletas.

Esse exemplo impõe uma conclusão pedagógica de suma importância sobre a necessidade de os alunos conscientizarem os objetivos da aprendizagem de memória e aquelas exigências que lhes serão apresentadas. O pecado principal da nossa velha escola não consistia em que nela houvesse pouca aprendizagem de memória, mas que esta aprendizagem era feita no sentido desnecessário e estéril, ou seja, seu objetivo foi sempre responder ao professor nas provas finais, toda a aprendizagem de memória estava adaptada apenas a isto e não se prestava a outros fins. Será que os exercícios produzidos para treinamento esportivo são puramente “reforços” (repetição) ou contém algum propósito de desenvolvimento e desafio? Qual o nível de exigência?

Exagerando um pouco, pode-se dizer que a atual pedagogia gira em torno de como conseguir que o papel do professor se aproxime o mais possível de zero. Assim, em vez de desempenhar o papel de motor e elemento da engrenagem pedagógica tudo passe a se basear em seu papel de organizador do meio social.

5. Colorido emocional. O último elemento a orientar a memória é o colorido emocional do que foi memorizado (Abertura deste artigo). As experiências mostraram que as palavras que estão vinculadas a algumas vivências melhores são decoradas bem mais facilmente do que aquelas emocionalmente indiferentes. Descobriu-se que a nossa memória retém com mais frequência os elementos coloridos por uma reação emocional positiva. Nisso parece manifestar-se a aspiração biológica do organismo de reter e reproduzir vivências relacionadas ao prazer. Daí tornar-se regra pedagógica a exigência de certa emocionalidade através da qual deve-se por em prática todo o material pedagógico. O mestre deve ter sempre a preocupação de preparar as respectivas potencialidades não só da mente como também do sentimento. Não devemos nos esquecer de atingir o sentimento do aluno quando queremos enraizar alguma coisa na sua mente. Dizemos frequentemente: ”Eu me lembro disso porque isso me impressionou na infância”.

Exercícios (I) – Dosagem e Exigência

Exercício e Dosagem

No processo educativo da criança, o mestre faz uso da repetição de determinados atos, transformando-os em hábitos e conferindo a eles propriedades características de movimento automático. Todavia, há que se entender que o exercício não é uma simples memória, mas uma de suas modalidades, e que cria uma predisposição para melhor realização. As dosagens de exercícios empregadas podem ser observadas pela produtividade do trabalho que, via de regra, é crescente. Manipulado, ele atenua ou acelera todas as modalidades de trabalho. A qualidade e a continuidade do exercício constituem o meio principal para tornar infalível a atividade do sistema nervoso. Por isso, nunca deixe de observar um novo hábito enquanto ele não se consolidar em você. Cada violação é comparada à queda do novelo, isto é, um recomeço. (D. Wood)

Aulas práticas na praia 

Considero importante que o professor administre e regule a dosagem e exigências para cada indivíduo. Realizei este trabalho nos treinamentos com um grupo de seis atletas na praia. Sempre que apresentava um novo exercício, além dessa percepção de realização individual, acrescentava o que me pareceu algo inédito para os padrões nacionais: a correção imediata e tempestiva do gesto, sem perder de vista a ação global. Assim, retornávamos imediatamente à nova execução do ensaio completo – repetição correta – mantendo o pensamento do atleta nos gestos, desde o deslocamento inicial ao toque final na bola. A consecução da tarefa viria quase que espontaneamente, como aconteceu. Lembro que os lançamentos eram dosados de acordo com o nível do atleta; entretanto, a execução deveria ser global, isto é, salto, seguido de deslocamento e toque correto na bola (que deveria retornar à quadra) com uma ou outra mão, dependendo do sentido dos lançamentos.

Nível de exigência. Esta atitude do professor, que podemos denominar nível de exigência (ou de tolerância), nada tem a ver com aspectos disciplinares, mas, ao contrário, calcada em conhecimento prático e científico. O atleta deve internalizar em sua memória o movimento completo. Por outro lado, imagine o treinador que permite e aplaude atuações não condizentes com o nível técnico desejado. Para todos os efeitos, trata-se de complacência e, talvez, insegurança no trato com atletas, especialmente os de ponta. Presenciei vários casos no Rio de Janeiro até com atletas medalhistas olímpicos de ouro.

Cuidados no aquecimento. Costumo colocar que “aquecimento é treino”. Tal como qualquer outro movimento em voleibol, o bate-bola que antecede algum jogo constitui-se em aquisição de hábitos. Se se permite a proliferação de maus hábitos há a ocorrência da queda do novelo, isto é, recomeçar todo o trabalho já realizado. Cito como exemplo as simples batidas de bola dois a dois, cada atleta próximo à linha lateral da quadra. Se verificarmos a posição das suas pernas concluiremos que há um retrocesso para hábitos sadios de situações de defesa durante a partida.

Exercícios-chave, educativos, transferência (transfert)

Ensina-nos Jean Le Boulch ao nos aconselhar o abandono das tentativas inúteis de procurar exercícios-chave com alto poder de transferência. Suas observações tenderam a mostrar que a aprendizagem adquirida relativamente a uma parte da situação não o é relativamente a esta mesma parte inserida num todo novo. Em outras palavras, “as partes reais do estímulo objetivo não são necessariamente partes reais da situação vivida pelo indivíduo”. A consequência desta opção na aprendizagem é imediata e pode ser traduzido por aquilo que expressou M. RYAN (EUA), treinador de atletismo por ocasião de um congresso mundial após uma pergunta que lhe solicitava exercícios próprios para facilitar a aprendizagem do salto com vara: “Apenas o salto com vara prepara para o salto com vara e qualquer exercício que se lhe avizinhe, quanto mais próximo, tanto mais prejudica a aprendizagem”. Esta é uma concepção a que nos associamos de bom grado, mas repõe em discussão a utilização dos chamados exercícios educativos que ainda precedem a aprendizagem de um gesto técnico complexo nas progressões de muitos instrutores.

Marketing  japonês. Quando do seu apogeu no voleibol (1964-75), os japoneses exportaram tecnologia para o mundo graças ao seu jogo rápido e fintado. Foi um sucesso de marketing. Muitas de suas equipes e seleções percorreram diversos países mostrando o porquê do seu sucesso. E com isso, tornou transparente um natural processo de assimilação. Em 1975, ainda no primeiro ano da presidência da CBV, Carlos Nuzman trouxe ao Brasil o japonês Yasutaka Matsudaira, principal responsável por este boom no voleibol. Realizou breve curso na EsEFEx, Rio de Janeiro. Nesta oportunidade, exibiu uma película de 20min de duração mostrando a história do sucesso de seu empreendimento. Particularmente, sempre tive pleno acesso a este filme e, se não me engano, somente eu. Até ao ponto de mandar fazer uma telecinagem – passagem para vídeo – a fim de tornar prática a sua exibição frequente em meus cursos ou palestras. Certa vez, em 1981, em pleno ginásio da AABB-Niterói, após uma partida amistosa entre as equipes principais masculinas do América e do Flamengo. Durante a exibição do filme, além de narrar, explicava aos atletas de ambas as equipes como os japoneses chegaram àquele nível de eficiência. Ainda em Niterói, duas outras palestras, num educandário, fazendo parte de uma aula de educação física, e após o treino da equipe juvenil do Clube Canto do Rio. Todavia até hoje não sei como professores e técnicos que participaram do curso ou viram o filme entenderam a sua mensagem. Durante muito tempo preocupei-me com o que poderia transformar-se em mais uma “receita” a ser copiada. Aliás, foi! Atabalhoadamente e, felizmente, por um ou outro treinador. A incorporação da técnica criada pelos japoneses só se concretizou realmente no Brasil a partir da profissionalização dos atletas de voleibol, em 1981-82.

Repetir, Só Dando um Passo à Frente

Reporto-me ao comentário de Arlindo Lopes Corrêa, em 15.1.2010, no postLesões e receitas de treinamento no voleibol”. Destaco sua mensagem final:

“O treinamento deve ser diversificado ao máximo, evitando a monotonia, o tédio e explorando novas possibilidades, novas técnicas. (…) sou favorável a que os atletas tenham experiências variadas, culturais e intelectuais, fora do voleibol, pois isso vai contribuir para uma cosmovisão útil em qualquer situação de vida, dentro e fora da quadra. Repetir, só dando um passo à frente, sempre! E isso não é mais repetir… É evoluir”.

 Esta última observação chamou-me deveras a atenção pelo seu valor e alcance psicológico, pois se enquadra perfeitamente na teoria dos reflexos condicionados. Procurarei neste espaço contribuir para um exame mais profundo para aqueles que pretendem compreender o alcance da questão título deste post. Dadas às circunstâncias variadas porque passam os treinandos ao longo de suas vidas, seus interesses e emoções, estarei aqui analisando somente os aspectos psicológicos inerentes que comporão as decisões do pedagogo (ou treinador), além de acentuar a importância da memória humana na atividade desportiva, tão desprestigiada por muitos.

Memória

A memória ajuda a definir quem somos. Na verdade, nada é mais essencial para a identidade de uma pessoa do que o conjunto de experiências armazenadas em sua mente. E a facilidade com que ela acessa esse arquivo é vital para que possa interpretar o que está à sua volta e tomar decisões. Testes podem mostrar a qualquer um que memorizar pode significar essencialmente duas coisas diferentes: ou isso é uma simples decoreba da reação ou trilhamento do caminho ou o estabelecimento de uma ligação sempre nova entre o que já foi decorado e o que ainda cabe decorar
A natureza psicológica da memória

Quando se fala em memória no sentido da palavra amplamente empregada temos em vista dois processos inteiramente diversos. A velha psicologia já distinguia duas espécies de memória: a memória mecânica e a lógica ou associativa. Com toda razão os psicólogos assemelhavam esse processo a uma trilha de caminho e falavam do trilhamento dos caminhos como fundamento para a acumulação da experiência individual. Toda soma de habilidades individuais, hábitos, movimentos e reações de que dispomos não passa de resultado desse trilhamento. Um movimento muitas vezes repetido como que deixa vestígios no sistema nervoso e atenua a passagem de novas excitações pelos mesmos caminhos.

Outra forma de memória é a chamada memória associativa, ou da associação de absolutamente todos os movimentos. Por associação entende-se um vínculo de reações no qual o surgimento de uma delas acarreta necessariamente o surgimento de outra. Na sua forma mais simples, a teoria das associações antecipou a teoria dos reflexos condicionados que, no fundo, é um caso particular e uma modalidade de associação. Seria correto considerar o reflexo condicionado como um caso de associação incompleta em que o vínculo se fecha inteiramente não entre duas reações, mas entre o estímulo de uma reação e a parte responsiva da outra.

A velha psicologia sabia que o estabelecimento de uma associação depende da experiência e que a associação não significava outra coisa a não ser um vínculo nervoso de reações que se estabelecem à base de uma ligação dada na experiência. Dessa forma, a velha psicologia também sabia que toda a riqueza do comportamento individual surge da experiência.

 

Processamento de informação

Em psicologia, é justo afirmar que a abordagem do processamento de informação fornece uma linguagem para a construção de “modelos” de áreas específicas da atividade humana (explica como resolvemos os problemas matemáticos, p.ex.). Houve uma mudança da descrição da atividade humana de uma expressa em termos de respostas a estímulos para explicações que falam de ações mais ou menos habilidosas e dirigidas a determinados objetivos.
Teoria do processamento de informação

Expressa os “objetivos”, a “atenção” e o “controle” e nos convida a conceber o comportamento como algo dotado de um “propósito”. O “mesmo” objetivo pode ser alcançado por diferentes meios. Adapto os meios aos fins, na situação em que me encontro, de um modo que reflete minha interpretação da situação na qual me encontro, e isto exige um controle contínuo, muito embora eu não tenha necessariamente a consciência de que estou exercendo um controle o tempo todo. Essa teoria levou ao desenvolvimento de conceitos como os de “planos”, “habilidades” e “estratégias”, bem como o de ”perícia”.

 

Perícia

Usado na psicologia em referência à atividade mental. O termo “habilidade” normalmente é empregado para expressar a qualidade de um comportamento manifesto (habilidade no futebol, num arremesso no basquete…). Ambos têm elementos comuns, tendo a ver com controle do tempo, autocontrole, detecção de erros e organização. Chama-se a atenção ao fato de que o conhecimento e a ação, ou os conceitos e procedimentos, são dois aspectos de UM ÚNICO processo. Se compararmos o desempenho de um perito com o de um iniciante, p.ex., revela não somente diferenças de rapidez, fluidez e precisão nas ações, mas também na estrutura da percepção, memória e operações mentais dos envolvidos. A partir deste ponto de vista, os atos de aprender a aprender, pensar e comunicar-se são explicados em função da aquisição de diversos tipos de perícia. Os peritos numa disciplina, jogo, esporte, arte ou qualquer outra coisa são capazes de perceber e memorizar, de maneira mais precisa e completa que o não-perito, qualquer fenômeno pertinente a sua área de perícia. Na medida em que somos peritos em realizar nossas intenções numa situação que “se presta” à consecução de nossos objetivos, geralmente temos um bom desempenho. Somos capazes de pensar e agir de modo relativamente rápido, desembaraçado e preciso. Por isso, temos também maior probabilidade que o novato de perceber quaisquer desvios em relação às nossas expectativas. A perícia estrutura o processo de percepção e memorização. Isso torna o pensamento e a ação rápidos, desembaraçados, precisos e sensíveis ao erro, à novidade e aos acontecimentos anormais.

Diante do exposto,

— Como deverá o professor (treinador) conduzir-se em relação aos seus alunos ou atletas?

— Como e quando as crianças generalizam o que lhes é ensinado, aplicando-o a outros problemas?

(L. S. Vigotski, Psicologia pedagógica; D. Wood, Como as crianças pensam e aprendem)