Lições do Pan-Americano

Serginho, não foi a Guadalajara, mas foi a Doha. Foto: Terra.

Do Terra recolhi excelentes reportagens e algumas lições sobre o Pan-americano que terminou neste último domingo, dia 30. 

1 – “Pan 2011 é só para cansar

O Brasil será representado por uma Seleção alternativa nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara. Campeão da edição de 2007 realizada no Rio de Janeiro, Serginho está mais preocupado com a disputa da Copa do Mundo do Japão, classificatória para Londres 2012. “Na verdade, esse Pan é só para cansar, até porque não vale vaga na Olimpíada. Não adianta você disputar e desgastar jogadores como o Murilo, que participou de todos os jogos da Seleção. Tem um significado importante ser campeão pan-americano, mas temos que garantir a vaga para a Olimpíada”.

Reunião antes do jogo contra a Bulgária, Campeonato Mundial da Itália. Foto: Celso Paiva/Terra.

Comentário – Há muito que o voleibol é negócio, isto é, trata-se de uma corrida para o ouro como nos velhos tempos da conquista do oeste americano. E nesta corrida vale tudo, desde a entrega de uma partida, até a ausência premeditada da força máxima do país, inclusive acobertada pelos dirigentes máximos dos desportos. E o incrível  é que se justifica, pois todos o fazem, isto é, a maioria das grandes potências que participam. Inclusive, alguns atletas que ficaram a treinar no Brasil foram dispensados pela direção técnica para participar dos Jogos Mundiais, em Doha. Entre eles, o próprio Sérginho, Murilo, Rodrigão e Wallace, que retornou ao México. Será que voltaram cansados de tanto esforço? Não creio que o patrocinador tenha ficado satisfeito com a 4ª colocação no torneio.

Um pouco de história – Lembro-me que em 1963, ainda com 23 anos, pedi dispensa no primeiro treino da seleção brasileira que disputaria o Pan em São Paulo e no qual o Brasil foi campeão. Nunca me arrependi, pois, além de um motivo bastante plausível, tinha a certeza de protecionismo e tráfico de favores na comissão técnica exibidos no ano anterior quando dos treinamentos para o Mundial da Rússia. E, sem falsa modéstia, era considerado um dos melhores e mais técnico atleta em ação. Aliás, levou-me ao desencanto e, a partir daí, desinteressei-me pela vã e passageira vaidade de figurar na seleção do meu país. Contudo, permaneci fiel aos meus propósitos de buscar o conhecimento profundo e a excelência na atividade. Se não consegui, cheguei perto! E, melhor de tudo, sem qualquer ajuda ou favor. Entretanto, atualmente o esporte é usado como uma das ferramentas mais valiosas para a Educação dos indivíduos. Seria?

2 – Desgaste de uma equipe e estrutura tática 

Em partida que começou na noite de sexta-feira e terminou apenas na madrugada deste sábado, Cuba venceu o México por 3 sets a 2, com parciais de 25/21, 25/27, 28/30, 25/15 e 17/15, e conquistou uma vaga na final. Após vencer o primeiro set, Cuba foi surpreendida pelo anfitrião dos Jogos, que venceu as duas parciais seguintes, mas teve força para se recuperar na partida e voltou a empatar no quarto, forçando o tie-break, no qual levou a melhor por 17 a 15. Na decisão dos Jogos Pan-Americanos, Cuba reencontrou o Brasil, adversário que a derrotou na fase de grupos, e que mais cedo, ainda na sexta-feira, havia vencido a Argentina por 3 sets a 1, parciais de 26/28, 27/25, 25/22 e 25/15, na outra semifinal. Brasil e Cuba se enfrentariam no  sábado, às 23h (de Brasília).

Comentário – Antes de atuarem nas semi-finas, brasileiros e cubanos tiveram uma folga na tabela dos jogos, o que lhes garantiu um merecido descanso. Entretanto, creio que os cubanos não tiveram sorte ao enfrentarem os mexicanos. O desgaste de cinco sets e o horário não lhes permitiram uma pronta recuperação física. Quem viu o jogo pela TV deve ter percebido o estado deplorável da equipe. Lembrando que o Brasil atuou contra a Argentina em horário anterior (20h de Brasília).    

O jovem Leon e o canhoto Hernandez – Se o maior pontuador do jogo foi o brasileiro Wallace, pelo lado cubano – não tenho os números – sem dúvida foi o canhoto Hernandez. Embora não tivesse a preocupação de seguir-lhes os passos (e ataques), tornou-se fácil verificar que a equipe joga com ele e para ele. Em segundo plano, o jovem Leon. Um outro detalhe concernente a canhotos numa equipe foi proporcionado pelos ataques de “segunda” do levantador (de nome complicado) que parecia estar atuando no sacrifício, tal o seu estado atlético e, ao que parece, sentindo muitas dores. Isto revela também que não há um substituto para ele em condições de entrar na equipe. Uma pena.

Taticamente, Hernandez executa somente ataques de duas posições: quando no saque, em que prefere a execução do lado esquerdo da quadra (zona V) e, independentemente das demais posições que obrigatoriamente o atleta deve assumir (rodízios), sempre na saída da rede, em (II). E com uma eficiência incrível, o que lhe confere o título de melhor atacante. O inacreditável é que, mesmo sabendo que as bolas lhe seriam levantadas, os brasileiros jamais conseguiram bloqueá-lo, tanto quando estava na rede (atacante), quanto no fundo (defesa), as bolas de trás. Certamente, muito menos defendê-las. Qual seria, então, a dificuldade que têm os bloqueadores brasileiros (Gustavo, um dos mais experientes do mundo) em bloquear um canhoto? E, lembrem-se, foram poucas as bolas de ataque pelo meio dos cubanos, o que permite ao bloqueador uma ligeira antecipação de se movimentar para bloqueio nas extremidades da rede.

Muito embora não acredite tanto quanto os comentaristas que o saque brasileiro é muito bom, devo salientar que a recepção cubana nunca foi das mais elogiosas, pelo contrário. Assim, a fadiga e a própria deficiência técnica dos jogadores em muito contribuiu para variados aces e muitas bolas recepcionadas fora da zona de ataque, sacrificando a distribuição ideal para o levantador. Daí as bolas de segurança para Hernandez e Leon.

Psicologia e Forma de Treinar

Técnico Zé Roberto não gostou da atuação da equipe brasileira em vitória diante da Rep. Dominicana. Foto: Luiz Pires / Vipcomm/Divulgação.

Lições do Pan-americano

Aspectos psicológicos são inerentes à condição humana e, quando estudado em nível de atuação em desportos coletivos, assume proporções bastante volumosas e, muitas vezes, imprevisíveis. Para atenuar certas alterações no comportamento dos atletas, creio que um detalhe metodológico que passa despercebido a muitos treinadores experientes é o da mielinização, isto é, o treinamento profundo, em que se persegue a excelência nos movimentos. Em suma, “errou, tente de novo; errou, volta a tentar; errou, tente mais uma vez até conseguir”. Para quem esteve atento à leitura sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal de que já tratamos neste Procrie, há de se lembrar que é uma das questões mais delicadas para um professor (ou treinador) saber qual o momento em que deve interferir nas ações de ensino de cada indivíduo. Durante os treinos – clubes ou praia – sempre procurei estar o mais próximo dos treinandos a incentivá-los nas correções, em que tentava fazê-los imaginar a forma correta do movimento, e na vontade férrea de jamais desistir de tentar: “nunca desista, você é capaz de conseguir”! Especialmente na praia, em que tinha mais tempo de contato – 4 horas – essas relações foram muito especiais e acentuadamente exitosas. Em suma, fazia com que buscassem por sua própria conta o apuramento dos movimentos a partir dos treinos e para tal, que elencassem quantas vezes erraram em qualquer situação. E mais, “por que erraram”? Destaco ainda a importância de se emprestar à escolha dos exercícios – muitos deles com aplicações individuais – e especialmente à sua execução, isto é, NÃO vale à pena permanecer horas a fio repetindo o mesmo movimento sem a necessária perfeição. E, quando atingi-la, subir um degrau no próximo objetivo. Este é o erro mais comum: treinadores enunciam o exercício e assistem passivamente sua execução.

Vejam a seguir a entrevista e o desabafo de um dos mais consagrados técnicos mundiais, sobre a atitude e o desempenho na quadra de suas atletas num dos jogos do torneio Pan-americano que se desenrola em Acapulco, México.  

Jogos Pan-Americanos (deu no Terra, por Emily Canto Nunes) – A inquietação de José Roberto Guimarães desde o início do jogo e especialmente, no terceiro set, não era só nervosismo diante da República Dominicana, um adversário sempre duro do Brasil. Mesmo com triunfo por 3 sets a 0, o técnico saiu da quadra bastante irritado, dizendo que ainda não ia pensar em Cuba, mas sim na bronca que ia dar no vestiário. (…) Disse que estava triste com a atitude da equipe no final do jogo, que só conseguiu virar o placar no ponto de número 19. “Não gostei da atitude do time, não podia entrar como a gente entrou, tinha que entrar na frente abrindo o placar, cometemos erros, para mim, por falta de concentração, isso que me fez ficar bravo, me fez ficar triste com a equipe. Não podemos passar uma disputa por uma medalha de ouro assim, eu já vi vários jogos virarem por atitudes dessas. Isso me deixa muito triste, muito chateado porque não pode acontecer jamais. (Lembro que ele dirigia a seleção brasileira que num jogo contra a Rússia, vencendo por diferença de 4 pontos – 14 x 10 -, conseguiu perder o jogo, inclusive a medalha de bronze). O time começou a administrar o resultado favorável no terceiro set, mas cometeu erros que não estava cometendo. “Nós paramos de agredir, no bom sentido, no ataque, no bloqueio, de ficar mais ligadas na defesa. Acho que a gente jogou, mas não estávamos nos entregando no terceiro set, porque a gente administrou, e isso me deixou muito triste, isso não pode acontecer. Começa a dar certo do outro lado, ninguém segura mais, e o voleibol é cheio de pregar peças dessa maneira em vários times. Eu já sou escolado, passei por vários problemas, não quero que isso aconteça e não vou deixar, vou brigar com quem tiver que brigar para que isso não aconteça. No voleibol não se administra resultado. “Baixou a guarda, baixou a adrenalina, tudo pode acontecer, aí depois a gente fica com aquela história, ah o que será que aconteceu, por que aconteceu’. Aconteceu porque nós deixamos acontecer, nós baixamos a guarda, nós achamos que o outro time estava morto. Só que a gente esqueceu que do outro lado estava a República Dominicana, treinada por um brasileiro (Marcos Kwiek), que sabe o que está fazendo. É um time que temos que respeitar. Jogos contra elas são sempre jogos difíceis. Não é que os dois (primeiros) sets foram tranquilos. 18 e 19 são placares que não elásticos”. Disse ainda que não distingue jogos, que o primeiro do campeonato tem que ser igual ao último, que não tem isso de “final é final”. Exemplificou com a Olimpíada (2008), como o Brasil foi de “cabo a rabo”. “Poucos times fizeram mais do 18 pontos na fase de classificação na gente. Então isso é postura, acho que a postura não foi condizente, acho que temos que conversar sobre isso, a gente tinha que ter liquidado logo a fatura e ir para a casa descansar, que amanhã vai ter pedreira. Cuba pode ganhar e vai correr para ganhar”. O mérito da vitória e da garantia de estar na final disputada na quinta-feira mais uma vez contra Cuba, como no Pan do Rio 2007, é das jogadoras que vieram do banco e conseguiram manter o time aceso. “Eu chamo isso de competência e um pouco de sorte (sic!), das jogadoras virem do banco com fome de bola e conseguirem segurar a onda, mas se não acontece? Aí ia ser complicado. Eu prefiro me precaver, acho legal, penso de uma forma otimista, mas para mim otimismo é quando você se entrega do início ao fim. Quando acontece o que aconteceu eu não gosto, acho que não é por aí que se ganha um campeonato”.

“E agora Zé, como vai fazer”? Certamente que o jogo não é de sorte e como é um técnico vitorioso saberá como administrar esta final. Enquanto isto, independentemente se for ou não campeão (escrevo antes do jogo contra Cuba), o importante é salientar para os novos treinadores não tão competentes, a importância de “saber como treinar”, isto é, o nível de exigência deve estar sempre no máximo. Cada um a cobrar-se e às colegas, especialmente às que estão temporariamente na reserva. Incentivá-las é ético e sobretudo uma lição de humildade que torna as pessoas mais nobres, GENTE! Se chama a isto de sorte, meu caro, só posso lamentar e atirar longe meus ensinamentos.