Treinamento de Defesa – II

Foto: Fivb/Divulgação.

Tempo: passado e futuro

Em 3o de julho publiquei o primeiro artigo com este título. O tema é o fundamento defesa em voleibol, quer seja individual ou coletivamente. Lá, dei os primeiros passos para estimular a maneira de pensar o treinamento dos atletas. Da mesma forma faço-o agora esperando despertar os leitores para o leque de opções que o assunto encerra. Tenham redobrada atenção e jamais desconsiderem a história e o tempo, ambos são nossos aliados. Lembrando Santo Agostinho, “Se nada sobrevivesse, não haveria o tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente”. E continua: “De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro – se o passado já não existe e o futuro ainda não veio”? E fala-nos sobre o presente: “Quanto ao presente, se fosse sempre presente e não passasse para o pretérito, já não seria mais tempo, mas eternidade”. Portanto, não fiquem parados, tirem bom proveito de seu tempo!

Lições do Mundial

Desde que houve a mudança na Regra da contagem para Pontos por Rally,  ocorreram várias mudanças de comportamento entre os atletas no jogo. Uma delas, o risco no próprio saque. Entretanto, com o aprimoramento e o intercâmbio global entre jogadores, equipes e seleções nos extensos calendários continentais e mundiais, as equipes tendem a se nivelar com tamanha distribuição de talentos. Agora, por exemplo, é a Turquia que resolveu investir no voleibol, depois de igual procedimento no futebol e basquetebol. Estão contratando jogadores, técnicos, enfim, investindo maciçamente, talvez até para entrar no seleto grupo dos países da Comunidade Europeia.

Detalhes fazem a diferença

Cada vez mais o nível das seleções nacionais vem se elevando com o aparecimento de muitos atletas que podem fazer a diferença em um jogo. As estatísticas, ao final de cada partida, sempre apontam para os detalhes maiores, isto é, número de intervenções em cada fundamento, % de eficiência (ou não), o melhor disso, o “mais ….”, mas escapa aos olhos e à digitação dos encarregados de selecionarem esses dados pequenos detalhes que passam imperceptíveis a muitos, especialmente treinadores. Certa feita um cronista de basquete disse: “Uma partida de basquete deveria ser disputada com as equipes com 100 pontos cada; e o tempo de jogo, somente um minuto”. Uma das interpretações que podemos dar é que todas as emoções, estratégias e circunstâncias do jogo estão concentradas nos seus instantes finais. Ele, o minuto final, descreve e resume tudo o que se passou anteriormente e, certamente, o imponderável ditado pelo emocional dos litigantes, surgirá nesses instantes. Assim, se as equipes se nivelarem durante todo o transcurso da partida somente no derradeiro minuto saberemos quem é a vencedora. Qual delas? Não sabemos, mas pode-se pensar a respeito, isto é, talvez “aquela que errar menos”. Tenho a impressão de que todos concordarão uma vez que se minha equipe não errar e a adversária cometer um só erro, tenho assegurado a vitória. É claro que isto é um simplório exercício de lógica sobre a hipótese do cronista. Mas já ocorreu no voleibol. Relembro o fato a seguir.

Olimpíada em Barcelona

Calquemo-nos agora nesse jogo histórico acontecido não muito longe no tempo, foi em 1992. A final de voleibol dos Jogos Olímpicos jogada entre Itália e Holanda teve desfecho dramático e único. Inclusive, culminou com a mudança no sistema de contagem dos pontos. A Regra vigente até então era a aprovada no Congresso Mundial em que dizia: “O 5º set decisivo será disputado no sistema de ‘pontos por rally’, em que cada saque corresponde a um ponto. O placar final do set foi limitado em 17 pontos, com um ponto de diferença”. Ora, aconteceu que neste jogo teve o 5º set (tie-break) e esteve empatado em 16 pontos. Com o 17º ponto da Holanda, o árbitro deu como encerrada e a vitória olímpica à equipe. Os representantes italianos protestaram, fizeram um recurso à Fivb e esta resolveu mudar a Regra: “Nos empates em 16-16, o jogo continua até que uma das equipes consiga uma vantagem de dois pontos”. É a que vigora até nossos tempos, embora a contagem limite do tie-break seja 15 pontos. A partir desse fato a Federação Internacional só realiza mudanças efetivas nas Regras após as Olimpíadas.

Pontos por Rally

E por que contei esta história? Não lhes parece semelhante a do cronista sobre o basquetebol, guardadas as devidas proporções? Isto é, dá-se muita atenção ao  último ponto, ele é o ápice, ele é quem decide o término da contenda, com ele o árbitro finaliza tudo. Mas e os outros pontos, quantos erros e virtudes para se chegar lá? Algum atleta italiano teria sido negligente ou incompetente em algum lance? E este não fez a diferença? Assim, como se comportam emocionalmente os atletas nos 4 primeiros sets de uma partida de voleibol? Que diferença pode haver no comportamento emocional no set decisivo e os anteriores? Estar sempre à frente no placar tem influência psicológica no andamento da partida? Como deve agir um treinador nos diversos momentos do jogo para sanar problemas dessa natureza? Enfim, como considerar e treinar tais aspectos?

Treinamento de defesa

Relação entre bloqueador e defensor. Foto: Fivb/Divulgação.

Por que não cuidar, então, de não errar “nem em treinos”? Qual deve ser o nível de exigência? Como posso me superar para fazê-lo e, mais ainda, como estar atento para “compensar” qualquer falha eventual de um companheiro?  Se eu estivesse jogando atacaria todas as bolas na direção do jogador mais fraco no fundamento defesa que, por exemplo, seria o Vissoto, com seus 2.12m. Basta ter olhos de ver, especialmente quando ele está “atrás”, em que sempre troca de posição para ficar em (I) e, dali poder efetuar os ataques de fundo. Ocorre que bem à sua frente, em (II) está o levantador (Bruno), o mais baixo bloqueador. Assim, todos os adversários deveriam volver seus ataques, especialmente de entrada de rede e meio de rede na direção dos mais fracos defensores. Se não o fazem, com ligeira pitada de ironia, pode-se concluir que as “estatísticas” nada dizem a este respeito, ou não consta do Manual da Fivb. O que faz, então, o treinador? “Há que conviver com o problema da melhor forma possível”! Ainda mais em se tratando de atleta que só atua em uma posição e, como dizíamos antigamente, de “uma bola só”. Todavia, sabendo usá-lo e não decepcionando nas suas investidas, é um GRANDE (2,12m) trunfo para a equipe. Contra a Rep. Checa foi sacado da equipe em boa hora, pois não estava bem, embora ainda ache que o levantamento para ele pode ser mais alto, dada a sua envergadura e lentidão nos deslocamentos. Teve até bloqueio simples do canhoto Hudecek (1,95m).

Brasil e Alemanha

Na recente partida entre as seleções dos dois países (6.10), observei um lance que reputo como um daqueles já comentado em textos sobre a Iniciação e Formação de jogadores. Creio que se desenrolava o 3º e último set da partida que seria ganha pelo Brasil (3×0). Um jogador alemão salta na saída da rede (II) para o ataque e, tendo percebido a chegada do bloqueio duplo, evita o ataque por cortada e, simplesmente, lança a bola com uma das mãos em direção ao fundo da quadra adversária (em V), encobrindo o defesa-esquerda brasileiro que se aproximara para a cobertura do bloqueio. Contava ele, com toda certeza, que o defesa-centro – creio que o Dante, mas não importa seu nome – estaria pronto para a sua própria cobertura, isto é, não havendo o impacto violento, estaria disponível para o respectivo deslocamento lateral até V, o que não aconteceu. O atleta brasileiro ficou “pregado” ao chão, sem qualquer reação. Considerando que a bola foi lançada sem força a uma distância razoavelmente grande – da rede ao fundo de quadra, entre 8m e 9m, por que será que o jogador brasileiro não esboçou qualquer reação para realizar a defesa que consistia na tática da equipe em dar cobertura aos “alas” que quase sempre se deslocam um pouco à frente? Notei, inclusive, que o líbero voltou seu olhar como se lhe interpelasse: “Por que não foi na bola, estava tão fácil”?

Sobre este lance falarei um pouco mais em outra oportunidade. Farei relato do que vi em treino da seleção brasileira, inclusive com o considerado melhor líbero e defensor do mundo, Sérgio, o Escadinha. Enquanto isto proponho debatermos também o lance visto pelo lado alemão: “Por que o atleta teria realizado o ataque daquela forma”?
Até lá que tal aquecermos o nosso bate-papo? Comentem!

Lições do Mundial da Itália – I

Fase do jogo Brasil e Rep. Checa. Foto: AFP

 Valor da História             

Rapidamente, para que não se esqueçam da história e aprender a usá-la convenientemente, relembro o texto que escrevi em Treinamento de Canhoto – III:             

3. Em 1982, no campeonato mundial realizado na Argentina e vencido pela URSS, o Brasil perdeu uma partida para a Tcheco-Eslováquia numa das fases preliminares. O destaque desse encontro foi um atleta canhoto que não encontrou qualquer dificuldade para superar o bloqueio brasileiro, inclusive atacando da entrada da rede (IV). Não era um jogador alto e as equipes não atuavam com tantas fintas.                

Quem viu a partida entre o Brasil e a atual República Checa ontem (dia 5) pelo Mundial que está sendo disputado na Itália, contemplou a excelente atuação do atleta canhoto HUDECEK. Após terem perdido o 1º set, seu treinador colocou-o em quadra e isto fez a diferença: ganharam o segundo e terceiro sets. Inclusive, realizou a maioria dos ataques na entrada da rede (posição IV), ignorando bloqueios gigantes, como o de Leandro Vissoto, de 2, 12m.  Considere-se que o atacante checo mede 1,95m. Ao que parece, só foi travado pela utilização do saque (tático) do atleta brasileiro Theo, assim mesmo no tie-break.  Pena que outros nacionais não tenham aprendido ainda a sacar, pois o líbero adversário foi contemplado com diversas benesses. É possível que “não tenham tempo” para treinar este fundamento…  E, certamente, “como bloquear um canhoto”:             

2. Recordo-me que o único treinador que teve preocupações defensivas contra a possível presença de um canhoto numa equipe adversária foi o Professor Paulo Emmanuel da Hora Matta, quando de sua estada à frente da seleção brasileira no final da década de 60 e início dos anos 1970. Indagou-me se poderia participar dos treinos para que os atletas apurassem o bloqueio contra um canhoto. Acedi ao convite, mas nunca mais voltou a falar sobre o assunto. Não pude ajudar, foi uma pena!                 

Quem tem medo? Aprendi há algum tempo um sábio ensinamento: “As pessoas têm medo daquilo que desconhecem”. É o caso das crianças, dos indígenas e povos de cultura primitiva que a história nos conta que se amedrontavam com simples trovões e, por isso, davam-lhes o caráter até de divindade. Assim é até nossos dias, pois aquilo que não sabemos fazer ou realizar deixamos de lado e evitamos entrar no mérito para um possível aperfeiçoamento.    

No voleibol nunca será diferente, ainda mais quando os ditos preparadores, formadores, treinadores e técnicos – não esquecer dos entendidos – só pensam naquilo, isto é, na vitória a qualquer preço. Essa metodologia tão em voga atualmente está voltada preponderantemente para o ganho imediato, não importa a quem sacrificar. Os atletas deixaram há muito a sua condição de indivíduos, com pensamento próprio, e foram transformados em peças que a qualquer momento podem ser substituídas sem a mais mínima cerimônia. Por que, então, perder tempo em treinar um jovem que não sabe ainda recepcionar ou defender, se ele é muito mais útil hoje à equipe no ataque e no bloqueio? Muitos acreditam também que um bom bloqueio é suficiente para que a equipe tenha uma boa defesa. Então, é muito mais fácil treinar o bloqueio e não perder tempo em fazer com que atletas de 2m ou mais sejam razoáveis defensores.       

Importância da Formação. Esses mesmos indivíduos já foram condenados lá atrás, quando se iniciaram no esporte, pois tenho certeza que nunca foram exigidos em outros fundamentos. E não seria agora, pois testemunho há vários anos exemplos com equipes infantis e juvenis. O que se vê em matéria de treinos de defesa é pura brincadeira que talvez devesse ser realizado na areia da praia, com muito mais proveito. E estou falando da época de maior crescimento do voleibol nacional, a partir da década de 80, com a insana profissionalização a que chamo “corrida do ouro”, típica dos antigos filmes do faroeste americano, com cavalos, carroças e diligências, massacrando quem lhes impedisse o objetivo. Para chegar ao fim almejado e conquistar seu quinhão não importam os meios.       

No caso da partida a que me refiro atrevo-me a ir um pouco mais além, chamando a atenção também para o aspecto do posicionamento e péssima técnica no fundamento defesa para os dois atletas que estão regularmente nas posições I e II, invariavelmente o levantador e o seu oposto. Foram muitos ataques direcionados para esta lateral da quadra e não me lembro de qualquer recuperação. Por ali se situam Bruno, Vissoto e, depois Theo. Quando a TV repete os lances de vários ângulos, permite observar a posição dos atletas exatamente atrás do bloqueio, o que denota o cuidado especial de não receber o impacto direto, ou levar medalha como dizemos no Brasil. Além disso, os pés paralelos, a posição alta e a não exigência em treinos de defesa, fazem-nos alvos preferidos dos ataques contrários. Enquanto isto, do outro lado, o líbero se destaca, pois não tem medo e sabe defender. E para permanecer na equipe terá que se esmerar nesse fundamento até as últimas consequências, o que o torna um especialista. Sabedor disto, o que fazem os atacantes contrários? Não é necessário ser um estrategista para responder. Pelo que já vi de treinos de seleções brasileiras, tudo continua no mesmo lugar, e se nos chegam as vitórias, certamente que vamos todos nos ufanar de sermos brasileiros. E a história continua repetindo os mesmos fatos. Não foi por acaso que postei a foto acima para ilustrar o que estamos afirmando. Não se trata de jogo dos sete erros, mas dá para destacar alguma imperfeição, afinal, ninguém é perfeito.    

Detalhes fazem a diferença. Não precisamos nos reportar ao alto nível de qualquer desporto, mas em qualquer tipo de competição em que os oponentes têm formação similar, certamente que a vitória tenderá para os que melhor cuidarem dos detalhes. Em outras palavras, ganha quem erra menos, frase que ouvi em 1963 do nosso saudoso Zoulo Rabello. No alto nível não é diferente, já que todas as equipes e jogadores se conhecem, há múltiplas informações oriundas dos sistemas de espionagem, filmes, CDs. Contribuindo para tal, até o regulamento das inúmeras competições bancadas pela Federação Internacional prevê a participação de um determinado número de atletas (eram 9) que estiveram nas últimas competições patrocinadas por ela.  

Percebe-se também o equilíbrio entre 5-6 seleções mundiais que, dependendo de fatores extra-quadra, algum acidente, uma contusão, ou mesmo, a safra abundante de excelentes atletas num determinado período, constituem-se em vetores dos resultados. Mas estejam certos de que nunca se deu importância aos treinadores das equipes em Formação, muito menos à sua qualificação. Os cursos preconizados pela Fivb para suas filiadas estão estandartizados e repetidos pelo mundo e sua abordagem continua efêmera. Quantas vezes ouviremos treinadores de seleções (refiro-me a qualquer deporto coletivo) no Brasil dizerem que não se tem treinamento na BASE, que é insuficiente, mal efetuado e, quando um atleta alcança o nível mais alto, “não há tempo para corrigi-lo”.  E, ainda, que os aspirantes a treinadores devem “ser do ramo”, em clássica retórica depreciativa. O que acham que deve ser feito? Ou seria melhor ter bastante fé e repetir mais uma vez a plenos pulmões: “DEUS É BRASILEIRO”!          
Jogadores camaroneses comemoram 1ª vitória em Mundial contra a Austrália. Foto: FIVB/Divulgação.

República dos Camarões        

Deixo consignado o meu apreço pela vitória maiúscula da equipe dos Camarões sobre a Austrália. Trata-se da única vitória em jogos desse porte. Parabéns aos camaroneses e que sua alegria espontânea possa contagiar corações que só buscam ouro, bem  entendido.      

Há muitos anos, João Havelange, brasileiro, então o todo poderoso presidente da FIFA, houve por bem incluir no circuito mundial de futebol o continente africano. Foi uma grita geral! Com a realização do último mundial na África do Sul, vimos o alcance de sua visão profética. Agora, vendo a foto ao lado, fico a me perguntar o que ocorrerá daqui para frente nos países africanos. Sinto-me bastante gratificado de também eu estar contribuindo, ainda que com muito pouco, já que tenho visitantes em alguns deles: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Tanzânia. Talvez se derem importância à Formação não incorram nos mesmos erros dos “entendidos”.      

Além disso, vejo um potencial muito grande na raça negra para o voleibol. Certa feita fiquei a imaginar o que seria do voleibol mundial se os negros americanos resolvessem também jogar voleibol! Já pensou nisso?