Paixões Nacionais: Futebol vs. Voleibol – I

Marketing exacerbado. Foto: Agência Brasil (20/out/2010)

Quanto Vale um Título?                

A história dos homens se repete inexoravelmente. Relembro aos leitores frase do ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique ainda durante o seu governo: “A ordem do dia é o nacionalismo barato”. Mas afinal, deve pensar o presidente, o que um povo tão caipira pode almejar de melhor do que o pão e o circo? Nas expressões de hoje (foto), só faltou fazer a bola girar na ponta do nariz.       

    

    

Treinos, Jogos, Calendário… A saúde dos atletas, alguém se importa?                

 

Copa do Mundo, 1958: Didi (á esquerda) e Gilmar consolam Pelé.

Quem corre é a bola. Não é preciso dizer sobre o calendário futebolístico nacional, ditado também pelo internacional (FIFA), especialmente no ano em que se dá a competição máxima, o Campeonato Mundial. A cada rodada do campeonato os departamentos médicos dos clubes não dão vazão ao número de jogadores com lesões principalmente musculares. As causas parecem convergir para o excesso de jogos – normalmente dois a cada semana – e a obsessão extremada na preparação física ocasionada pela nova forma de jogar: “a correria”. Um dos melhores craques que o Brasil já teve, o saudoso Valdir Pereira – Mestre Didi – diria ainda hoje: “Mas por que tanta pressa? Por que tanta correria? Quem corre é a bola!” Lembro-me de uma de suas entrevistas a um jornalista logo após a desclassificação da equipe brasileira em 1954, na Copa da Suíça. Perguntado por que jogava tão parado, pouco se movimentando no meio de campo, disse: “Que culpa tenho eu se recebo a bola na minha intermediária, lanço-a ao Humberto (atacante) deixando-o à frente do goleiro adversário e ele chuta para fora”?      

Bola voadora. No voleibol existem poucas diferenças. A Federação Internacional divulga antecipadamente o calendário das competições do ano vindouro e as Federações nacionais que estão aptas a participar – mérito ou convite – ajustam-se peremptoriamente. Entretanto, ocorre no voleibol uma intensidade talvez bem mais significativa que consiste em atividades internacionais bastante intensas todos os anos, agravadas de dois em dois anos com os Mundiais e as Olimpíadas, ambas as competições defasadas em dois anos. Como agravante, a Fivb incluiu a Liga Mundial, sob o pretexto de manter as melhores seleções em atividade. Para ela um prelúdio ao mundial ou à olimpíada, para mim, um torneio caça-níquel milionário. E para manter o alto nível, regulamenta que as seleções participantes tenham pelo menos nove (9) atletas que tenham integrado a última competição internacional sob os seus auspícios.                 

Um Grande Negócio. Quando se trata de competição mundial o dinheiro em jogo justifica qualquer sacrifício. E, sabedora disso, a Fivb instituiu prêmios para os vários destaques das suas competições além do prêmio maior aos que sobem ao pódio. É um esquema profissional em que todos ganham e, certamente, os atletas são os que ficam com a menor parcela. Mas alguns poucos são glorificados, elevados à categoria de heróis, têm suas fotos enrolados na bandeira nacional divulgada pelo mundo inteiro etc. Querem mais? Em contrapartida, tornem a admirar a foto estampada acima e observem os três dirigentes/presidentes. Da esquerda para a direita, o presidente da CBV, o do meio, da República do Brasil e, finalmente, o último, o presidente do Banco do Brasil, patrocinador oficial das seleções brasileiras de voleibol. Só faltou o desfile em carro aberto do Corpo de Bombeiros e a decretação de ponto facultativo. Todavia, como estamos às vésperas de uma eleição e tal como fez o país na época da ditadura em 1970, faz muito bem ao povo que os nossos atletas se consagrem internacionalmente.  E melhor ainda aos candidatos do próprio governo: “O que um povo tão caipira pode almejar de melhor do que o pão e o circo”?          

Calendários. O extenso campeonato brasileiro de futebol tem como agravante vários aspectos que não entraremos em consideração nesse espaço. Apenas saliento o aspecto do grande número de jogos, sucessivas viagens, inclusive duas vezes na semana, as competições internacionais entre clubes – Copa Libertadores, Sul-Americana – e jogos amistosos ou campeonatos oficiais entre seleções, como Copa América, Sul-Americano, Pan-Americano. Especialmente para os eleitos é impossível achar um tempinho para recuperação ou treinamento com qualidade. A necessidade de fazer dinheiro ou caixa fala mais alto, inclusive por conta de contratos milionários com patrocinadores. Enquanto isso, o calendário de competições no voleibol é incomensuravelmente menos agressivo, pois, em termos nacionais, só prevê os jogos da Liga Nacional no fim de ano – novembro a março – e, mesmo assim, para um seleto número de equipes. O “problema” maior no Brasil ainda é o Banco do Brasil/CBV/Clube, o verdadeiro puxador de audiência. Por isso dizemos, “com dinheiro é mole”! Gostaria que essa verba fosse aplicada na Educação de crianças, o nosso verdadeiro futuro e não uma simples coleção de medalhas que logo estarão empoeiradas pelo tempo. Lembram-se de que o brasileiro não tem memória? 

(continua…)  

Lesões e Receitas de Treinamento no Voleibol

Duas manchetes despertaram-me a atenção recentemente logo após ter realizado uma intervenção no blog do Arlindo Lopes Corrêa a respeito de lesões no voleibol. Vejam as notícias em ordem cronológica de postagem:

Com 2,01 m, cubano de 15 anos vira “estrela” na Liga Mundial (24.7.2009)
“O vôlei ganhou um menino prodígio. Com apenas 15 anos e 2,01 m de altura, o cubano Wilfredo Léon Venero é um dos destaques da Liga Mundial, e no momento lidera a estatística de melhor pontuador da fase final da competição. (…) Sempre jogou em categorias superiores a sua idade e com 14 anos estreou na seleção adulta”. (Terra)

Marcel Gil: o gigante português (7.11.2009)
Existirem jogadores brasileiros de voleibol com mais de 2 metros não é surpresa nenhuma. Agora, que um dos dois atletas mais altos do Campeonato Nacional seja português, aí sim é surpreendente. Marcel Gil, de 19 anos, ostenta esse protagonismo na competição e com 2,05 m só há mais um jogador: o brasileiro Gilson França, do V. Guimarães. (www.sovolei.com)

Acompanhem alguns trechos de nosso diálogo:

Blog do Arlindo: Durante alguns anos Nalbert foi, nas quadras, talvez a peça mais importante da vitoriosa seleção brasileira de voleibol. Aos 28 anos, porém, sofreu lesão dos tendões e operou os dois ombros, resultado da fadiga causada pelo ritmo de jogos/treinamento a que estão submetidos os atletas de hoje. Nossa seleção perdeu prematuramente um de seus principais astros de todos os tempos. Nalbert tentou voltar ao voleibol indoor, Bernardinho incentivou-o, mas não deu para manter o nível qualitativo habitual de seu jogo e o jeito foi resignar-se ao voleibol de praia.

Roberto Pimentel: Há muito, em conversa com professor e técnico influente no voleibol de alto nível, indaguei sobre a prevenção de lesões ocorridas em atletas de nossas seleções principais, pois também me preocupava que não houvesse um estudo sobre o assunto. A impressão que me foi passada foi: 1) as mazelas seriam varridas para debaixo do tapete, não deveriam aparecer; 2) a moderada atividade física realizada em salas de musculação seria suficiente para prevenir lesões; 3) os atletas já chegavam à seleção lesionados, atribuindo-se velada culpa ao procedimento nos clubes de origem; 4) não havia tempo para sua recuperação.
Ao longo da história de nossas seleções tivemos conhecimento dessa prática. Com certeza, os técnicos, ou eram pressionados, ou aplicavam o dito popular, “ruim com ele, pior sem ele”. Foi assim nas Olimpíadas de 1964, quando viajaram somente 10 atletas, sendo que pelo menos um deles lesionado e durante os jogos, ficaram reduzidos a 6 atletas. O fato se repetiria vinte anos depois nas Olimpíadas de Los Angeles. Os interesses falavam muito mais alto do que o zelo pela saúde. Algum tempo depois, um jovem atleta (Shanke?) da seleção brasileira saiu da quadra em pleno jogo e foi levado diretamente para cirurgia de mão com problemas de circulação sanguínea. Afastou-se do voleibol.

Medicina esportiva

Encontrei algumas referências sobre estudos de lesões no voleibol, a partir de trabalhos acadêmicos (não sistemáticos) na internet. Percebo que a chegada do fisioterapeuta às quadras e à praia é recente e, ainda, pouco sedimentada a ponto de influir na metodologia do treinamento. Os técnicos, com a responsabilidade de “fazer ganhar” suas equipes, têm prevalência nas decisões e pouco (ou nenhum) conhecimento sobre como prevenir lesões. No vôlei de praia quem assume toda responsabilidade é o próprio atleta, pois é o patrão. Mas existe um perigo ainda maior. Atenta à orientação que deva ser proporcionada a crianças e adolescentes na prática de atividades físicas, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) criou desde 2003 o Grupo de Trabalho em Pediatria e Medicina Desportiva. Esse grupo conta com a participação das Sociedades de Cardiologia e Traumato-Ortopedia e já produziram dois manuais abordando tópicos diversos para uma boa anamnese e exame posterior detalhado do indivíduo. Foi editado pelo SBP em parceria com o Ministério do Esporte o “Desafio de Chande”, uma versão para crianças daqueles manuais. Finalmente, o tema tem sido discutido em eventos científicos. Falta maior divulgação e, espera-se, que os responsáveis pelos treinamentos/aulas leiam e façam bom uso.

Receitas de treinamento

Muitos julgam que treinar muitas horas por dia é o melhor meio de superação dos adversários. Um dos seus aspectos negativos é a intensidade dos treinamentos. Esta concepção herdamos a partir de 1982, com a competição travada entre Bradesco (Rio) e Pirelli (S. Paulo). Era uma febre de treinamentos e viagens, com os atletas à disposição da seleção aproximadamente 9 meses. Sem isto, dizia-se, seria impossível superar as equipes de ponta no cenário mundial, representadas pela URSS e EUA, esta última campeã olímpica em 84, beneficiada como o Brasil, pelo boicote dos países socialistas ao evento. Como nesse país nada se inventa e tudo é copiado, a mídia se encarregou de difundir esse cenário, que se tornou crença, de que quanto mais treinar, melhor. Puro sofisma. Os “neoprofissionais” de plantão nunca aventaram para o detalhe que reputo mais importante em qualquer treinamento: a QUALIDADE. Além, é claro, do “ócio criativo”, isto é, os intervalos convenientes para reposição de ingredientes indispensáveis à saúde – física e mental – do indivíduo.

A este respeito, vejam o comentário de uma professora de Educação Física ao ler um trabalho pedagógico de minha autoria em que relato algumas experiências no treinamento do voleibol: “Uma citação (na obra) me faz lembrar um trecho de Aristóteles que o Bernardinho colocou no livro dele: Nós somos aquilo que fazemos repetidas vezes; a excelência, portanto não é um feito, mas um hábito!” Podemos, então, deduzir que o Bernardo Rezende (Bernardinho) é ferrenho defensor da REPETIÇÃO. Como se trata de técnico vitorioso, consagrado, pode-se concluir que a sua metodologia é a mais adequada e, portanto, deveria ser adotada. Mas, seria esta realmente a melhor forma de se atingir a EXCELÊNCIA?

O que acham?