5. Enquanto isto, nos primórdios da Liga feminina no Brasil (final da década de 80), presenciei no ginásio do Canto do Rio, também em Niterói, treinador conceituado de seleção brasileira a escalar duas canhotas alternadas somente por outra atleta, talvez a levantadora. Isto produzia um inevitável desfecho desagradável quando estavam as três na rede. Uma alternativa tática surpreendente seria a levantadora receber o 2º passe na posição IV – entrada de rede – tendo as duas sinistras à sua frente e estas, por sua vez, recebendo o levantamento oriundo da esquerda para a direita, a posição mais favorável para elas. E mais, desnorteando completamente as adversárias no quesito bloqueio e defesa. Mas tal não foi feito e não creio que treinador algum imaginaria siquer tentar fazê-lo. Creio que o melhor seria que estivessem as duas desencontradas nas posições de rodízio, isto é, como dizíamos, em diagonal: cada uma a seu tempo na rede. E fazia pior quando uma das canhotas na recepção do saque ocupava a posição III (e ali permanecia para também ela recepcionar o saque); somente após a recepção ela se deslocava até II para a execução do ataque. Claro que não realizou uma só cortada dessa forma, uma vez que é a pior coisa para um canhoto: deslocar-se em corrida da esquerda para a direita e atacar com o braço esquerdo. Imaginem um ataque de “bola china” (corrida, salto numa perna, ataque) com um destro no sentido inverso, isto é, o levantamento da direita para a esquerda!
6. Numa das afirmações colocadas pelo missivista, afirma que não consegue se posicionar e atacar a bola de tempo – próxima ao levantador –, embora este esteja de frente para ele. Concluo que o ataque é no meio da rede (III), a pior posição para o canhoto. Durante muito tempo a seleção feminina que contava com duas canhotas (em diagonal), sofreu do mesmo problema. Eram inoperantes e permaneceram assim. Quando eu atuava em jogos oficiais, tinha que me sujeitar a essa inoperância tática dos treinadores, mas em jogos amistosos ou na praia, simplesmente combinava com o levantador e solicitava sempre bolas mais altas, no meio da rede (meia altura). Isto também porque participava da recepção. O ideal é que o canhoto esteja o mais próximo possível da posição II (saída de rede) e atacar a bola de tempo junto e atrás do levantador. A auxiliá-lo em possíveis fintas, o atacante em IV viria atacar bola rápida no meio da rede (III), sobrando ainda a opção de ataque pela saída da rede, em II. Além, é claro, dos ataques de fundo.
7. Inversão de levantamento – Um fato curioso deu-se quando já mais velho atuava em torneios classistas. Certa feita, por circunstância técnica, inverti direção do passe ao levantador, isto é, o levantador passou a ser o atleta que estava momentaneamente em IV (entrada da rede) quando eu ocupava o meio da rede (III). Foi uma festa para mim, pois a bola vinha sempre da esquerda para a direita e eu me posicionava em diversas posições para receber as bolas sempre “chutadas” (com velocidade). Imagino o que pensaram (ou não pensaram) os adversários. Em conversa com eles após o jogo, diziam-me ser impossível acompanhar-me para saberem quando e aonde saltarem para o bloqueio. E como defender? Era um susto após o outro! Foram alterados todos os parâmetros de treinamento: este é um dos grandes defeitos do “adestramento”. Quando o adversário muda algo que não foi treinado, produz-se completo desajuste. Este é um pequeno grande detalhe que os treinadores deveriam avaliar e ponderar no planejamento.
8. Canhoto levantador – Em 1988 estive na CBV para um simples bate-papo com amigos. Quando cheguei, saíam da sala da presidência, o Nuzman e o Bebeto de Freitas, recém empossado como técnico da seleção aos Jogos Olímpicos de Seul em substituição ao coreano Young Wan Sohn. Fiquei surpreso com o que disse tempestivamente o Nuzman, refletindo o que conversaram a portas fechadas: ”Olha quem procurávamos. É canhoto e tem mais de 1,90m”! Até então o levantador era o William e, em seguida, viria o Maurício. Mas, deixando de lado a brincadeira do presidente, o que buscavam realmente era um levantador alto e canhoto, o que certamente contribuiria para um aproveitamento tático mais eficaz, tanto de ataque, quanto de bloqueio. Não conseguiram. Anos mais tarde a equipe francesa se locupletou de um canhoto na seleção nacional.
9. Em 1973, ano em que fomos eneacampeões atuando pela equipe do Botafogo, Rio de Janeiro, tinha também a função de levantador; eu e o Bebeto de Freitas. Dessa forma, éramos sempre três atacantes na rede (não havia ataques de fundo). Após um dos jogos, um radialista entrevistou-me e a pergunta que demandou mais tempo para uma resposta referia-se exatamente sobre o aproveitamento de um canhoto na equipe. Ele indagou: “Quanto atrapalha um canhoto na equipe”? Percebi a malícia da pergunta, aguardei alguns segundos e iniciei uma verdadeira aula que durou mais tempo do que o esperado. Disse eu: “Ter um canhoto na equipe é muito bom, mas seria muito melhor se tivesse dois”. E pus-me a enumerar as vantagens para atacar: o momento do impacto na bola utilizando o braço esquerdo quase sempre é diferenciado daquele efetuado com o braço direito, no mínimo, a largura dos ombros. E este espaço traduz-se em “tempo” que, para os bloqueadores, é uma das dificuldades. Para os defensores, a cortada com a mão trocada significa algo que eles pouco vêem e, portanto, não estão treinados adequadamente. Sempre é diferente e, por isso, surpresa.
10. Bloqueio de canhoto – No que se refere aos bloqueadores, sempre disse que “a pior coisa para um atacante canhoto é ter um bloqueador também canhoto”. E provei na prática contra um rapaz que disputava a Liga por clube secundário em São Paulo. Talvez com 1,90m, canhoto propriamente dito e levantador da sua equipe. Quando nos visitava, participava de nossos encontros no Clube Central, em Niterói. Jogávamos 4 x 4 e o seu bloqueador, um jovem com 2m de altura, não conseguia detê-lo. Em dado momento trocamos de posição e passei a bloqueá-lo. Foi um desespero para o rapaz que, a partir de dado instante, não alcançando sucesso com as cortadas potentes, valeu-se exclusivamente das “largadas” de bola. Detalhe: já tinha 58 anos de idade.
Vejam outras histórias em Treinamento de Canhoto – I, publicado em 20.2.2010.
(continua)

