Saque Tático e Barreira

Um Pouco de História  

Há muito tempo, na década de 40, os brasileiros sacavam por baixo e o saque tático aparece pela primeira vez talvez por intermédio de uma equipe paulista. Os saques eram orientados em determinadas circunstâncias para a posição II (saída de rede).

Saques   

Utilizado somente o saque por baixo e não podia ser conduzido ou preso, isto é, o atleta deveria soltar a bola pouco antes do impacto da mão. Ainda no campeonato brasileiro de São Paulo, em 1954, ninguém sacava por cima – denominado tênis – pela semelhança com esse esporte e por ser executado acima da linha dos ombros. O saque tênis era restrito a poucos atletas e só foi mais difundido a partir de 1955, após o Pan-Americano do México. Um dos seus precursores foi Jorginho que, mais tarde, no Botafogo, sacaria também pela primeira vez no Brasil o tipo com salto, cognominado viagem, consagrado muito tempo mais tarde na TV por outros jogadores. Existiam, sim, uns poucos praticantes do saque balanceado. Borboleta, por exemplo, sacava de costas, pois não conseguia dominar a técnica do saque balanceado, executado de lado para a rede.

Em princípio, os saques eram realizados sobre os cortadores, tecnicamente mais fracos no fundamento da recepção. Já realizavam o que atualmente se denomina saque tático que, necessariamente não necessita ser curto. No sistema 3×3 recomendava-se que o saque fosse colocado na chamada zona morta ou saída de rede (posição II) quando o levantador estivesse ali; nesta posição ele teria a seguir, na ordem de rodízio, o seu cortador (III) e, depois, outro levantador (IV). Dessa forma, se ele recepcionasse, teria que efetuar o levantamento de primeira, ou passar a bola para que outro companheiro o fizesse. Com o advento do 4×2, e com um dos cortadores na posição (I), também era um saque incômodo para o atacante. Os paulistas foram os primeiros a realizar uma troca rápida entre o levantador em (III) e o cortador em (II) durante a respectiva recepção do saque, isto é, ambos os atletas trocavam de posição, sem toque na bola. Estavam protegidos pelos demais. Pelo que vemos, tivemos bons mestres. Com pequena variação de como tocar na bola no momento do saque, alguns atletas já conseguiam fazer com que a bola não tivesse qualquer movimento em relação ao seu próprio eixo e, assim, produziam o saque algum tempo mais à frente denominado flutuante (a bola é arremessada sem rotação ou sem peso).

Especialização precoce

Lembro aos mais novos praticantes e adeptos que há pouco tempo já está permitida a recepção do saque de toque, mas que poucos atletas utilizam, ou pela velocidade com que vem a bola ou até mesmo pela comodidade da manchete. Vejam que anteriormente, quando se iniciava uma criança a primeira tarefa era ensiná-la a tocar na bola com as mãos (e dedos). Posteriormente, e até hoje, ensina-se inicialmente a manchete. E, se não for levantador, não precisa nem aprender a tocar na bola por cima. Pior ainda, se não souber passar de manchete, é alijado (escondido) do passe; isto se for alto e eficiente nos ataques, como a Gamova.

Spin service, paraquedas e jornada

Pesquisadores relatam que já existia nos EUA, na década de 40, o saque denominado spin service. Conforme relatava Sílvio Raso, em Belo Horizonte empregavam um tipo de saque cognominado paraquedas, que chegava a atingir a altura de 8m em alguns casos. Sua recepção era bastante dificultosa e foi empregado no Brasileiro de Porto Alegre (RS), em 1952. Como existiam poucos ginásios em 1953 – a maioria das quadras era aberta – Paulo Castelo Branco, atleta do clube Sírio e Libanês (Rio), realizava este tipo de saque e, do outro lado da quadra, Borboleta era um dos poucos a recepcionar com seu incrível toque de bola. Em 1960, jogando no Botafogo, também o autor experimentou na quadra aberta (junto ao mar), anterior à construção do ginásio do Mourisco. Possivelmente, atingia altura aproximada de 12m-15m sem muito esforço. Na década de 80 foi consagrado no Brasil pelo jogador Bernard, que o praticava nas areias de Copacabana: a bola atingia uma altura de 25m e descia a uma velocidade de 72km/h (fora o efeito que ele imprimia à trajetória da bola). Só conseguia fazê-lo em ginásios com teto muito alto, como o Maracanãzinho.

Barreira 

Jogadoras do Flamengo realizam a barreira. Foto: acervo Marina Conceição Celistre.

Foi criada em 1952 e permaneceu até 1959 para criar dificuldades na recepção dos saques. Era permitido aos atletas inclusive levantarem os braços. Em seguida foi abolida esta permissão (levantar os braços), mantida ainda a barreira e, em 59, abolida definitivamente. Atualmente, os atletas da rede podem manter os braços erguidos, como numa ação preparatória para bloqueio, desde que afastados uns dos outros, protegendo-se de impactos da bola sem a intenção precípua de dificultar a visão dos adversários. (Regra XIII – Art. 7º – BARREIRAS – No momento do saque, é proibido aos jogadores da equipe que irá dar o saque de efetuar movimentos com os braços, saltar ou grupar dois ou mais jogadores, com objetivo de formar uma barreira, com intenção de encobrir o sacador.)

Pode-se observar na foto quatro jogadoras do Flamengo (Gilda, Marina e Celma; a quarta está oculta) realizando a barreira, tentando dificultar a visão no momento de um saque. O jogo, um Fla-Flu no ginásio do Maracanãzinho, pelos Jogos da Primavera, 1956. Observe-se ainda que o intervalo entre as três atacantes deveria ser ocupado pela atleta defesa-centro, respeitando-se, assim, a regra que rege sobre a “posição dos jogadores no momento do saque”.

O “Circo” de Matsudaira

A partir da década de 60 os japoneses deram uma contribuição importante para o desenvolvimento tático do jogo, uma vez que seu porte físico sempre estava em desvantagem em relação aos enormes europeus e equipes ocidentais. Criaram diversas variações táticas para anularem ou atenuarem suas desvantagens, inclusive com o saque longo, balanceado. E conseguiram por algum tempo, graças à surpresa. Foram campeões Olímpicos em 1964 e 1972 com as equipes feminina e masculina, respectivamente, assombrando o mundo esportivo por um bom tempo. Ocorre que quem está no topo tem suas qualidades e virtudes suficientemente estudadas, comparadas e incrementadas. O intercâmbio de jogos com o calendário internacional, as transferências de astros para grandes centros, principalmente a Itália, tudo levou a uma globalização nas formas e maneiras de atuar. As diferenças, se houver, são mínimas e ficam por conta, principalmente, da safra de atletas (C. A. Nuzman) que este ou aquele país apresente em dado momento. Todavia, se todos treinam e jogam da mesma forma, se os atletas já se conhecem ou porque jogam nos mesmos campeonatos no exterior ou pelo intenso calendário internacional, onde está a diferença? Por que o presidente da Fivb afirma que é ruim para o esporte o Brasil ter sido tricampeão?  Creio que se refere ao fato de que a equipe brasileira está algo acima tecnicamente das demais ao contrário do feminino, cujo Campeonato Mundial se desenrola atualmente com várias equipes com condições de alcançar o título máximo. Dessa forma, diz ele, há uma equiparação técnica que torna os embates atraentes para o público e para as próprias atletas.

Proximamente, volto contando pequenas histórias da prática dos “saques táticos”. E, se tiverem coragem, pratiquem, pois ainda dá certo. Certamente as brasileiras teriam complicado a vida da Gamova na entrada de rede com o emprego de saques curtos, juntos à rede, nas proximidades da linha lateral e antena. Duvido que ela fizesse a festa que fez por ali. Ah, e com o saque por baixo! Relembro ainda o Mundial masculino em que um dos brasileiros usou o saque tênis em direção ao jovem atleta cubano na entrada da rede com sucesso, pois não conseguiu passar bem e tão  pouco atacar.

Quanto às bolas mal passadas e reenviadas com uma das mãos ou de manchete para o outro lado, oportunamente voltaremos a falar com algumas sugestões de ataque. Se eu esquecer ou demorar demasiado, cobrem-me, por favor, pois é uma medida fácil e eficiente. Até lá!

 

Lições do Mundial, Saque Tático

Recordo aos leitores que já destacamos o valor do saque tático na postagem sob o título “Saque: técnica, tática & marketing”. Darei continuidade após as observações do recente Mundial na Itália. Para tanto, reportemo-nos a 1968.

 

 

 

Jogos Olímpicos, cidade do México. Primeira realização na América Latina, os Jogos foram realizados na cidade do México, em uma altitude de 2.300m acima do nível do mar, entre 12 e 17 de outubro. Gerou alguma controvérsia a influência e os danos que o ar mais rarefeito poderia causar no desempenho dos atletas. Os cinco mil lugares do ginásio olímpico ficaram lotados durante os jogos matinais e vespertinos dos nove dias de competição. Repetiu-se a dobradinha de Tóquio (1964) no pódio: URSS no masculino e Japão no feminino. Ainda no masculino, o Japão obteve a segunda colocação e a Tchecoslováquia, a terceira. A equipe brasileira masculina obteve a nona colocação, enquanto que a feminina não logrou classificação para participar do certame.

Saque Tático. Uma das sensações era a equipe japonesa masculina comandada por Matsudaira e que buscava o título máximo com extrema competência. Na partida contra a (antiga) Tchecoslováquia estavam vencendo por 2 sets a zero. Antes de iniciar o set seguinte, o treinador tcheco determinou que sua equipe fizesse uso de saques altíssimos, inclusive aproveitando-se das dimensões do ginásio. A estratégia deu certa, pois desbaratou as combinações de ataque japonês, sua principal arma contra bloqueadores europeus. Ao final, Tchecoslováquia 3, Japão 2. E uma grande lição que poucos aprenderam e até hoje tampam os olhos para não ver as evidências: “O que é diferente, atrapalha, pois não é treinado”. E mais: “Criatividade sempre será válida, não importa a época e o tempo em que for usada”.

História: spin service, paraquedas e jornada nas estrelas.

Pesquisadores relatam que já existia nos EUA, na década de 40, o saque denominado spin service. Conforme relatava o professor Sílvio Raso, em Belo Horizonte empregavam um tipo de saque cognominado paraquedas, que chegava a atingir a altura de 8m em alguns casos. Sua recepção era bastante dificultosa e foi empregado no Campeonato Brasileiro de Porto Alegre (RS), em 1952. Como existiam poucos ginásios em 1953 – a maioria das quadras era aberta – Paulo Castelo Branco, atleta do clube Sírio e Libanês (Rio), realizava este tipo de saque e, do outro lado da quadra, Borboleta era um dos poucos a recepcionar com seu incrível toque de bola. Em 1960, jogando no Botafogo, também o autor fez uso dele na quadra aberta (junto ao mar), anterior à construção do ginásio do Mourisco. Possivelmente, atingia altura aproximada de 12m-15m sem muito esforço. Na década de 80 foi consagrado no Brasil pelo jogador Bernard, que o praticava nas areias de Copacabana: a bola atingia uma altura de 25m e descia a uma velocidade de 72km/h (acrescente-se o efeito que ele imprimia à trajetória da bola). Só conseguia fazê-lo em ginásios com teto muito alto, como o Maracanãzinho. Foi cognominado Jornada nas Estrelas.

Saque diferente. Mundial da Itália, 2010. Ao que parece, qualquer saque atualmente que não utilize o salto e a batida forte na bola, passou a ser tático. Isto é, todos sacam da mesma forma e o que for diferente, é tático. Pelo menos, para os locutores e analistas da TV. Vimos isso na partida Brasil e Rep. Checa. No tie-break vários jogadores brasileiros passaram a colocar a bola em jogo. Incrível é que a simples reposição da bola de forma diferente atrapalhou a equipe checa na recepção, inclusive de seu líbero, possivelmente o mais habilitado na recepção por toque. Contra Cuba não foi diferente: os saques direcionados para o jovem Leon anularam seu ataque potente, alijando-o da partida. E por mais verossímil que possa parecer, se a bola fosse lançada mais próxima da rede (posição IV) do lado cubano, mais dificuldade representaria. É pena que nenhum deles saiba fazê-lo com maestria.

Voltarei a falar sobre a tática do saque – beach e indoor – mais adiante. Esperem até lá!