O poder de pensar sem pensar. Lições.
Quando ainda Coordenador Técnico do VivaVôlei (CBV), apresentei-me num excelente e tradicional educandário localizado no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. Este evento revestiu-se de característica única e foi marcante para mim. Inicialmente, a surpresa, pois não esperava que fosse realizar três apresentações ao invés de uma, conforme estava programado. O fato não me consternou, ao contrário, transformei-o num dos momentos de maior realização profissional. Além disso, houve a participação concreta da totalidade dos alunos do ensino fundamental, que foram deslocados de suas salas de aula – cada grupo em uma apresentação – para apreciarem das arquibancadas a aula com participação de 24 alunas adrede selecionadas. Impossível hoje dimensionar a capacidade das arquibancadas, mas cada uma possuía 5-6 degraus e se estendiam por toda lateral do grande e belo ginásio. Detalhe: não havia qualquer espaço vazio. Acrescente-se que após a segunda apresentação tivemos um intervalo para almoço no refeitório do colégio e, tempos depois, a conclusão com a terceira aula.
O que fazer?
Diante do ginásio repleto de crianças contidas disciplinarmente por suas respectivas professoras, passei a imaginar o que poderia realizar: devo ser burocrático, configurando as aulas da mesma forma que fizera em outras oportunidades, ou inovaria com algo retumbante? Antes de relatar o sucedido, vamos resgatar alguns comentários de cientistas experientes que tratam de um assunto pertinente – a INTUIÇÃO.
Sentidos aliados à experiência
Intuição vem do latim intueri, que significa dar uma olhada. A explicação mais simples é de que os insights não passam de modus operandi do cérebro. ”Esse órgão é uma máquina de extrair padrões e, com base neles, faz antecipações de acordo com o aprendizado, com a experiência”, diz a neurocientista Suzana Herculano-Houzel. É importante distinguir intuição de sorte. Um goleiro pode ter a sorte de cair para o lado certo e pegar o pênalti. Mas pode usar sua intuição, proveniente de anos de experiência, e se jogar para o lado que acredita ser o correto. Nesse caso, pegar o pênalti não vai ser obra do acaso ou adivinhação. É um pressentimento baseado no conhecimento – como se processa a intuição.
Para o psicanalista Carl Jung, a intuição é uma das quatro maneiras de o homem entender a realidade. As outras são sensação, pensamento e sentimento. Segundo ele, a intuição utiliza a psique para discernir sobre fatos e pessoas e, para ele, um sujeito intuitivo possui características próprias: observa holisticamente[1], confia nos pressentimentos, é consciente do futuro, imaginativo e visionário. Se existisse uma frase que defina melhor a intuição, esta seria: ”Sei o que fazer, mas não sei por quê”. A maioria das pessoas já sentiu medo de tomar uma decisão sabidamente acertada, mas impulsiva, e depois se arrependeu de não ter agido de imediato. Enquanto a razão trabalha, a intuição procede em flashes. A intuição capta vislumbres da realidade em fragmentos e pedaços, normalmente em forma simbólica. Esses símbolos precisam portanto ser interpretados e montados para que surja uma figura coerente”. Difícil é fazer essa interpretação. Os especialistas asseguram que é possível aumentar a capacidade intuitiva, desde que a razão saia de férias. ”Minha sugestão é dizer à lógica que ela merece um descanso”, ensina Sharon. ”É preciso disciplina e tempo para remover o treinamento que se recebeu para ignorar a intuição. ” Relaxamento é essencial, porque o ritmo alucinado de vida é inimigo público das impressões instantâneas. Momentos de silêncio, para aquietar o corpo, as emoções e os pensamentos, também ajudam a intuição a fluir facilmente. Exercícios respiratórios e meditações mudam a frequência adrenérgica do coração – que faz a pessoa ficar ansiosa – para vagal – tranquila, alerta o neurologista catarinense Martin Portner, mestre em Ciências pela Universidade de Oxford e condutor de workshops sobre empatia, intuição e criatividade. ”Quando o coração está no ritmo vagal, nos tornamos mais propensos a ter ideias intuitivas”, diz ele.
A apresentação
De imediato, decidi proceder da forma que vinha realizando as apresentações em outras escolas. Favorecido por ter o mesmo grupo de apresentação, dei-me a conhecer e passamos à execução imediata de exercícios simples e variados. Queria o quanto antes chegar ao momento do jogo propriamente dito. Todavia, a decisão que tomara implicava em como proceder para que os alunos espectadores também participassem ativamente da aula. Eis que surgiu no meu pensamento a solução (ou intuição?). Ao tempo em que anunciava os exercícios para as praticantes, passei a dirigir-me também à massa de alunos das arquibancadas, postando-me de um lado e de outro junto à cerca que nos separava. E estimulava-os a deixarem de lado o quase mutismo em que se encontravam para realizarem uma tremenda algazarra. E dizia a uns e outros: “Que grupo (das arquibancadas) é o que grita mais”? E, do outro lado, incitava: “Os colegas do lado de lá disseram que a torcida deles é muito melhor do que a de vocês é verdade”? E, a cada passagem, cada vez mais barulhenta, alternava os exercícios até chegarmos ao jogo. Enquanto as atletas jogavam retornei às arquibancadas e convidei-os a jogar: “Quem quer jogar”? Foi o máximo para todos! Tive que recorrer a quatro professores da escola que me assistiam para organizar vários grupos de seis alunos que foram se revezando nos jogos. A seguir dispensei o grupo de demonstração e organizamos os “jogos das arquibancadas” que, entre mortos e feridos, salvaram-se todos, apesar dos olhares estupefatos das professoras de classe que não acreditavam no que vivenciaram. As demais aulas transcorreram de forma idêntica, tendo facilitada minha tarefa posto que as atletas já sabiam o que iria ocorrer. Todavia, não as desprezei, pois vez por outra incluía algo diferenciado. Devo informar que “perdi o equivalente a 2 kg”.
O maior elogio
Um comentário do professor Coordenador da escola posterior às aulas chamou-me a atenção e muito me gratificou. Disse-me ele com um pequeno sorriso: ”Não sei como explicar à direção tanta algazarra, já que vizinhos à escola estão sempre a reclamar do barulho. Mas nada se compara ao que vi hoje”!
[1] Atende em todas as dimensões. O princípio geral do Holismo pode ser resumido por Aristóteles na Metafísica: “O inteiro é mais do que a simples soma de suas partes.”

