1) Este fato passou-se comigo quando rapaz, aos 22 anos de idade. Em 10 de setembro de 1962, a seleção brasileira masculina deu início à preparação para disputar o Mundial que seria realizado em Moscou. A concentração e os treinamentos foram realizados na Escola Naval, no Rio de Janeiro, e a maioria dos atletas pertencia a clubes da própria cidade. Neste ano não disputei qualquer campeonato e tão pouco treinei, pois me dedicara única e exclusivamente para prestar concurso ao Banco do Brasil, um excelente empregador à época. Inclusive, as provas foram realizadas nos dias 8 e 9 de setembro, véspera do início dos treinamentos. Compareci à Escola Naval e dediquei-me às práticas com máximo empenho, até para desanuviar a mente ante a expectativa do resultado das provas. Em resumo, estava ali não para “viajar para o exterior ou ter a “honra de pertencer à seleção brasileira”, mas para relaxar sobre aquilo que era muito mais importante para mim. Enquanto isto, vários atletas se anteciparam a realizar preparação física por conta própria em academias de ginástica fortalecendo seus músculos e garantir sua respectiva vaga. Pela manhã fazíamos a preparação física (incipiente), à tarde o treino de fundamentos (inconsequente) e, à noite, o coletivo, agora com a presença do treinador oficial, que não podia estar em outros horários, certamente sem dispensa de seu trabalho. Num desses treinos coletivos e atuando pela equipe pretensamente reserva, aconteceu o fato inusitado. Só era utilizado o tipo de saque tênis e não conhecíamos ainda a manchete. Então, a recepção dos saques era realizada somente de toque e, como disse anteriormente, a maioria dos atletas ali presentes, especialmente os titulares, atuavam no voleibol carioca e, portanto, conhecia-os a todos, especialmente suas características de jogo, inclusive suas deficiências. O treino se desenrolava normalmente e eu me divertia vendo a competição entre titulares e especialmente os reservas para assegurarem a sua vaga. Em certo momento, quando me competia o saque, resolvi fazer uma peça a todos e pensei: “Vou sacar por baixo e ver o que acontecerá”! Lembro uma vez mais que esse tipo de saque era obsoleto, estava em desuso há muito; era considerado por todos um saque ridículo, só usado pelos antigos atletas na praia. Mas foi aí que o treino mudou completamente. A partir do meu saque foram feitos 4 pontos diretos, com a marcação de “dois toques” pela arbitragem. Foi um verdadeiro desastre e o jogo foi interrompido por vários minutos pelo treinador oficial que, esbaforido, não conseguia entender como os melhores atletas do país não conseguiam defender um saque por baixo. Quando do retorno ao jogo, resolvi colocar a bola simplesmente em jogo, usando o saque tênis e esboçando um leve sorriso de dever cumprido, pois conseguira dar o meu recado que hoje repasso a vocês que me lêem. Um detalhe que só vim a saber muito tempo depois: Quaresma, um dos melhores atletas do Brasil e presente àquele Mundial inclusive como capitão da equipe, confessou-me, (…) “Naquele coletivo, você foi o melhor de todos que estavam no ginásio”.
Para pensarem…
Aquele rapazinho dedicara-se aos estudos por praticamente todo o ano, não treinou e tão pouco jogou, e quando chamado a fazê-lo naquele nível, destacou-se sobejamente. Como explicar? Falaremos nisso futuramente, com o tema Jogar com Alegria e sem compromissos, a não ser de estar bem consigo mesmo e cuidar para fazer sempre o melhor. Nessas circunstâncias, a Criatividade é sua principal aliada. Ah! Ia-me esquecendo. No quinto dia fui dispensado e voltei feliz para casa desejando sucesso a todos sem qualquer pesar ou mágoa.
2) Recordo-me de que na década de 80, talvez início dos anos 90, vez por outra a CBV promovia alguns jogos internacionais com o fito de manter em atividade nossas seleções e dar-lhes a necessária experiência. O calendário da Fivb era ainda insuficiente, restringindo-se aos Mundiais e Olímpicos. Somente no início de 90 surge a Liga Mundial. Sendo assim, procediam-se jogos principalmente com a seleção russa, americana e cubana. Normalmente, 6-7 partidas em solo pátrio e outro tanto no estrangeiro. Vou recordar cenas de treinamento no Rio de Janeiro quando nossa seleção feminina se preparava para mais uma contenda contra as cubanas no Maracanãzinho. Poucos dias antes treinaram normalmente e, ao final, duas atletas permaneceram em quadra para ajuste da recepção do saque, claro, com vistas ao saque das cubanas. Ocorre que o treino procedeu-se de forma bastante confortável e ameno para as atletas, reconhecidamente ineficientes nesse fundamento. Foram 40 minutos de desperdício, com saques tipo “bola em jogo”. Ao ver aquilo exclamei: “Será que teriam combinado com as cubanas alguma coisa”? Não deu outra. No dia do jogo assisti à partida pela TV. As cubanas massacraram nos saques violentos e as brasileiras, coitadas, sem saber como se livrar daquele autêntico bombardeio. Com certeza a culpa foi atribuída ao passe (recepção) que não estava em um bom dia. Ou, então, não houve tempo para treinar o fundamento…!
3) Guardadas as proporções, certa feita um professor da escola de meus filhos e não especializado em voleibol, indagou-me sobre como deveria orientar suas alunas num torneio inter-colegial que estava próximo de se realizar. Ele não queria que as alunas sofressem qualquer trauma ou desilusão, pois eram muito mais fracas tecnicamente que as outras equipes. Sem conhecer as alunas ou qualquer das equipes, disse-lhe simplesmente: “Faça com que suas alunas, TODAS, saquem por baixo e enviem a bola sempre alta, no fundo da quadra adversária”. Algum tempo depois, findado o torneio encontrei-o por acaso e confessou-me num largo sorriso: “Você não sabe o que aconteceu! Foi uma verdadeira revolução, pois nenhum dos demais professores conseguia explicar como o nosso time ganhou o torneio; mal sabiam jogar”! E ao pé do ouvido, baixinho, declarou-me em tom muito reservado: “Mal sabem eles que o detalhe dos saques funcionou plenamente”!
4) Durante bom tempo resolvi aprender a treinar atletas do voleibol de praia. Os treinos eram próximos de minha residência, na Praia de Icaraí, bem em frente ao Pão de Açúcar e ao Cristo Redentor, no Rio. Cenário mais maravilhoso certamente não existe. Para poupar minhas articulações dos ombros, há muito que deixara de lançar bolas por “cima”; fazia com muita eficiência com movimentos por baixo (abaixo da linha da cintura) e, para não conduzir ou imprimir qualquer rotação à bola, contraía o polegar sobre a palma da mão, esta em concha. A posição torna-se bastante favorável inclusive para defesas próximas ao solo e direcionamento dos lançamentos. De tanto praticar, tornei-me perito no saque utilizando esta técnica. Constitui-se em pequena variação do saque por baixo, acrescido de detalhe importantíssimo: a bola depois de batida não gira no ar e sofre influências do ar e, talvez, da própria penetração do polegar na sua parte externa (ver “Jabulani vs. Mikasa”). Assim, ela como que flutua no espaço e, na queda, sofre pequenas oscilações que dificultam o recepcionador. Além disso, esmerei-me na direção dos lançamentos em qualquer ponto da quadra. Meus treinandos que o digam!

Por ocasião de um dos Circuitos de Vôlei de Praia do Banco do Brasil em Niterói, estive a conversar com alguns atletas que, à tardinha, após os jogos daquele dia, dirigiam-se para as quadras e realizam alguns ajustes aos seus treinamentos. E foi num desses momentos que para atestar que minha teoria sobre o saque colocado estava correta foi que desafiei um dos jogadores. Ele teria que recepcionar três saques dirigidos na sua direção e, se o fizesse com perfeição, o direito de cortar na minha direção com força máxima. Aceito o desafio, dirigimo-nos à quadra, tendo ele levado um companheiro para efetuar os levantamentos. E para facilitar as levantadas, ficou postado junto à rede inicialmente. Lembro aos leitores que nessa época a quadra oficial na praia era ainda de 81 m².
Resultado. 1º saque: observara que ele estava ligeiramente mais atrás do meio da quadra; então enviei a bola a menos de um metro da rede. Seu deslocamento foi desastroso e pior o passe, simplesmente não houve ataque. 2º saque: como não me conhecia e havia pressão de outros atletas que por ali estavam, creio que resolveu não dar a segunda chance para mim e adiantou-se para frente, ficando mais próximo à rede; lancei a bola com ligeira altura (acima dos ombros dele) pela sua esquerda e com força suficiente para que caísse sobre a linha de fundo. Outro desastre, pois teve que recuar, elevar ambos os braços para trás e à esquerda; tocou na bola que imediatamente foi para fora, além da linha de fundo. O levantador somente sorriu. 3º saque: em tom amistoso, disse-lhe antes de sacar: “E agora, você não sabe se será curto ou longo, aonde vai se colocar, mais para frente ou para trás”? Ficou em silêncio quase sepulcral. Mais uma vez lancei a bola curta, e mesmo tendo recepcionado, lançou a bola para o parceiro no meio da quadra. Enquanto o levantador corria da rede para o meio da quadra, ele próprio teve que realizar o mesmo movimento, pois tocou na bola próximo à rede. Para efetuar o levantamento o atleta percebeu que o recepcionador não estava em posição para ataque, pois deveria estar atrás da linha da bola (de levantamento). Então, simplesmente lançou a bola para o alto onde estava o vulto do companheiro. Este que retornava jamais teria condições de atacar. E, assim, realizamos na prática o que queríamos demonstrar.

