Praxiologia
A Praxiologia é “uma ciência ou teoria epistemológica que estuda as ações humanas, o comportamento e suas leis, induzindo conclusões operacionais”. Neste instante ela nos propõe a realização de uma verdadeira radiografia do jogo de voleibol quando buscamos desvendar seus segredos e sua riqueza gestual. Como participante e observador privilegiado, mostro aos leitores as ações motrizes, os relacionamentos e o íntimo dessa atividade.
Expressão corporal. Para tanto, sirvo-me da contribuição de Jean Le Boulch que nos ensina que o ato de se expressar consiste em exteriorizar uma ideia e um sentimento por uma reação corporal inconsciente, mas controlada, possuindo um caráter de evidência para o interlocutor. Apesar das possibilidades de inibição e de controle que se podem exercer sobre a mímica e a gestualidade, apesar das possibilidades de simulação e de dissimulação, a expressão do corpo revela mais sobre a pessoa do que a expressão oral. A atitude positiva ou negativa para com outrem se manifesta necessariamente por reações tônicas que se inscrevem nos músculos do rosto: “Olha a cara que ele fez!”. Concluindo ele nos fala:
“(…) A expressão somática e, particularmente, as variações tônicas traduzem fielmente as reações afetivas e são, portanto, significativas do modo como é vivida a relação consigo mesmo e com outrem. O homem é inseparável da expressão pela qual ele se revela a outrem”.
Realizando certos gestos, os indivíduos fornecem indícios a outros indivíduos que lhes respondem. É desse modo que o comportamento não verbal aparece como um elemento importante da comunicação e da percepção de outrem. Nessa troca de pessoa a pessoa, a linguagem oral e a linguagem gestual estão intricadas; a linguagem por gesto reforça na maioria das vezes a linguagem falada e acentua-lhe o lado expressivo. Esta associação da palavra e da mímica decuplica as possibilidades de projetar-se e de expressar-se. Mas, inversamente, a existência destas duas linguagens complementares pode acarretar discordâncias voluntárias ou inconscientes: às vezes a mímica trai sentimentos desmentidos pelas palavras.
Evolução do Jogo. Faço um alerta aos leitores mais jovens para que estejam atentos à terminologia que encontrarão nos textos a seguir. Muitos termos traduzem a concepção, a forma e até a técnica empregada no voleibol desde longa data. É evidente e praticamente impossível realizar um glossário completo, mas como base para um trabalho mais exaustivo de mestrandos – voleibol ou linguística – creio que já é um bom começo. Peço desculpas aos meus leitores de outras regiões deste nosso imenso Brasil por só ter contemplado termos utilizados no Rio de Janeiro, mas como sabem, é aqui a “minha praia”. Assim sendo, acompanhem-me nesse périplo e ajudem-me na recordação dos fatos.
Comunicação em Voleibol. No glossário procuro traduzir diversos aspectos de comunicação nesse relacionamento entre os personagens, pois para entendermos a fala de alguém não é suficiente que entendamos suas palavras, mas temos que compreender o seu pensamento e, mais ainda, precisamos conhecer a sua motivação: “entre a palavra e a intenção existe um grande abismo”. Há uma estreita relação entre o pensamento e a palavra num processo vivo, uma vez que o pensamento nasce através das palavras. Porém, esta relação não é algo já formado e permanente; surge ao longo do desenvolvimento do indivíduo e também se modifica.
Entendimento. O entendimento mútuo pode ser obtido por meio de uma fala completamente abreviada quando duas mentes se ocupam do mesmo sujeito. Ao contrário, mesmo com a fala integral, pode ocorrer a falta total de entendimento, uma vez que os pensamentos das pessoas seguem trajetórias diferentes. Quaisquer pessoas que atribuem significado diferente à mesma palavra ou que sustentam pontos de vista diferentes não conseguem se entender. Como Tolstoi notou, “aqueles que estão acostumados ao pensamento solitário e independente não aprendem com facilidade os pensamentos alheios e são muito parciais quanto aos seus próprios; mas as pessoas que mantêm um contato mais estreito aprendem os complexos significados que transmitem uma à outra, por meio de uma comunicação lacônica e clara, que faz uso de um mínimo de palavras”. (Vigotski)
Sentido da palavra. As palavras têm um significado definido e constante, mas num determinado contexto podem adquirir um sentido intelectual e afetivo muito mais amplo; esse enriquecimento que o sentido lhes confere a partir do contexto é a lei fundamental da dinâmica do significado das palavras. Dependendo do contexto, uma palavra pode significar mais ou menos do que significaria se considerada isoladamente: a) mais, porque adquire um novo conteúdo; b) menos, porque o contexto limita e restringe o seu significado. Além disso, a inflexão revela o contexto psicológico dentro do qual uma palavra deve ser compreendida. Quando o contexto é claro fica possível transmitir todos os pensamentos, sentimentos e até mesmo toda uma sequência de raciocínios em uma só palavra. (Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, Vygotsky, Luria, Leontiev, 1988)
(continua)
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