Voleibol, Brasil e Portugal (I)

 

Contributo

Tenho procurado identificar-me com o perfil das pessoas que me encontram neste blogue e no sítio português www.sovolei.com  através da explanação de algumas experiências. Anteriormente, também num sítio brasileiro desenvolvi diálogos com sucesso com professores brasileiros. Alegro-me por estar sendo útil e percebo pelas visitas de várias partes do mundo – EUA, Portugal (Lisboa, Porto, Açores, Viseu, Cabo, Fátima) França, Peru, Venezuela e Austrália –, além é claro, de diversas cidades brasileiras. Continuarei tentando falar-lhes e juntos, caminharmos nessa tarefa espetacular de aprender a ensinar. Percebam que tento traduzir mais intimamente o ocorrido comigo. Nesta tarefa que se me afigurava difícil, encontrei todas as facilidades de compreensão nas leituras sobre Psicologia Pedagógica, cujos livros permanecem na minha cabeceira. Os estudos de mestres consagrados me levaram a entender e a explicitar tudo aquilo que descortinava na prática. E, muito mais, abriu-se-me um mundo novo de ideias criativas. De alguma forma isto o ajuda ou se constitui num contributo para você?

Importância do blogue. Atualmente, em função das minhas atividades, ando interessado em estabelecer relações entre a natureza de textos pedagógicos e aprendizagem. Daí minha motivação em ampliar um diálogo permanente com os interessados e cooptar novas ideias e experiências, das quais todos se locupletarão. Percebo que o estilo que se imprima ao blogue tem a ver com a busca conjunta de um domínio dos assuntos. Alie-se a isto a própria natureza da mídia – escrita ágil, com poucas palavras, que informa enquanto analisa e faz crítica. É uma escrita que tem o ritmo incessante dos acontecimentos e compatível com a dinâmica da vida atual. No meu caso, isso me ajuda a ficar informado, atualizado e aprender.

Ponto de partida ou ponto de chegada? Pretendo conversar também com professores e treinadores portugueses a respeito da Formação e desempenho (tática e técnica individual) de novos adeptos. E, o mais importante, como alcançar o alto nível ou chegar muito próximo das decisões a tomar. Como advogamos a mesma causa – “tudo começa lá atrás” – parece que a nossa educação esportiva mostra que o país – o Brasil pode servir de exemplo – aprendeu a gastar, mas não aprendeu  a ensinar e, assim, continua confundindo o ponto de partida com o ponto de chegada. A seu favor muitos argumentam que temos o melhor voleibol do mundo, o mais premiado etc. Contudo, imagino o que poderia ser se tivéssemos mais instrução pedagógica e clareza de propósitos em favor da população, como advoga a própria entidade em seu programa Viva Vôlei (fui o mentor técnico), o equivalente ao Gira-Volei em Portugal. Acrescente-se o descalabro do ensino universitário, tanto em Formação, como em Pedagogia. Como dizemos, “Deus é brasileiro”! Durante os comentários que pretendo realizar os leitores poderão entender melhor essas colocações. Acompanhem-me tanto aqui como no procrie. Em caso de dúvida, não se acanhem e façam suas colocações. A discussão do tema nos levará ao “bom caminho” e a novas ideias que, a critério de vocês, serão aplicáveis em seu país.

Formação de treinadores. Advém um outro ponto interessante. Trata-se da homogeneização dos treinamentos em nível mundial manipulado pela toda poderosa FIVB e seus “colaboradores”. Os treinadores preconizam as mesmas coisas – é global – e se há formas diferenciadas de treinamento, pouco diferem na sua estrutura. Assim, onde ou o que faz a diferença? Alguns “chutes” já foram dados a respeito, inclusive por Carlos A. Nuzman, quando ainda presidente da CBV: “Depende da safra de jogadores”. Outros, “O detalhe é que faz a diferença”. E mais: “Precisamos de atletas altos, baixinho não tem vez”; “Precisamos treinar mais vezes, jogar mais”, e por aí vai… Parece-me uma repetição exaustiva do óbvio e o pior é quando um técnico campeoníssimo afirma que o “negócio é treinar e treinar, repetir até a exaustão”. Imagino que algum dia começarão a “olhar para trás e ver com olhos de ver”.

Agora a Federação Internacional intervém nos países membros com propostas de ensino “adaptadas” dos adultos a serem aplicadas às crianças. Se um grupo de professores criativos começar a trabalhar formas de aprendizado que libertem o indivíduo para a sua própria espontaneidade (e não adestramento), tenho plena convicção de que poderemos realizar exercícios de forma inteligente e higienicamente saudáveis, com oferta de QUALIDADE. Certamente contemplarão o aprimoramento de cada indivíduo deixando de encará-los como uma peça da engrenagem em que o operador da máquina torna-se o único responsável. Estaremos tratando de “gente, de pessoas”, e não de números. Proponho o lançamento de um “novo olhar”, não selecionemos (exclusão) atletas, mas, ao contrário, vamos INCLUIR todos em nossas ações. Isto pressupõe propostas de lazer, cooperação, e não de competições.

Voleibol feminino em Portugal. Há dois anos, participei de um Congresso Internacional Desportivo no Brasil. Inscrevi-me particularmente para ouvir a palestra de ilustre professora portuguesa a respeito da prática em seu país. Lamento dizer que saí decepcionado: 40 minutos foram dispensados às apresentações e à exposição de um vídeo turístico sobre Portugal. Nos dizeres dela, “Não poderia proferir uma palestra sem dar a conhecer a minha terra”. Quando interpelada para dizer-me sobre o desporto feminino, foi evasiva. Afirmou que tudo estava muito bem, com excelente participação das mulheres. É evidente que não acreditei, posto que acompanhara o Congresso Nacional Desportivo Nacional português, com importantes pronunciamentos que reclamavam de providências de todas as instâncias governamentais e Federações. Qual o interesse de esconder a verdade? Apego ao cargo? Total desconhecimento do assunto? Insegurança e falta de criatividade? Ou, ainda, “deixa ficar como está até que ocorra a tão esperada aposentadoria”? Em outro momento voltarei a falar sobre o assunto na busca conjunta de soluções.

Vejo pelo desabafo do Luís Melo publicado no Zona 7 sob o título “Feminino, um problema de mentalidades”, que tem razão. Impressiona-me é o conformismo para reagir a esse estado de coisas. Todos sabem o que ocorre, mas ninguém experimenta dar o primeiro passo para a busca de soluções. Só a crítica é muito pouco. Aguardar providências do governo está comprovado que não sairão do marasmo a que estão relegados; e esperar que as instituições que comandam o desporto (COP, FPV etc.) é “morrer na praia”. Já tiveram mostras de que nada disso vai modificar o panorama. Vejam as propostas e conclusões do Congresso sobre as Lei de Bases: nada foi adotado e continua a mesma desde 2004. Parece ser natural em Portugal (e no Brasil).

Vimos no Tempo Técnico, “A nova legislação para a Formação de Treinadores”, apresentada pelos dirigentes do IDP, referente a um Programa Nacional. Pretende ter uma “incidência muito grande (…) e provocar grandes alterações no nível dos Cursos de Formação”. Alguém nutre alguma esperança que desta vez vai ser efetivamente implantada, ou será fruto de mais burocracia? E as suas universidades que formam os professores, mestres e doutores? Ou, de repente, alguma luz iluminou os governantes para o fato óbvio: voltar-se e cuidar de forma científica das novas gerações, deixando de lado o empirismo e as receitas técnicas da FIVB, ou até mesmo universitárias, que até hoje não surtiram qualquer resultado positivo. “Sabe-se muito, fala-se demais, e diz-se pouco”. Transpor os ensinamentos colhidos na teoria para a prática, vai aí muita água. As prateleiras, e agora a Internet, estão repletas de pesquisas de coisa alguma que não surtem o menor resultado Há que se realizar uma grande guinada, navegar por mares nunca dantes navegados, marco da história dos portugueses.

Fases do Treinamento

Ponto de vista psicológico

Tudo passa e todo movimento repetido antecedeu o primeiro justamente por ter perdido alguma coisa e adquirido algo novo. Assim, cada lançamento e recuperação (o movimento global) têm a sua própria história. Contudo, nada passa, pois tudo deixa seu vestígio e tem influência na vida presente e futura. Conclui-se:

a) Cada ação deve ser vista como única em toda sua representatividade e características;

b) A importância que podem adquirir os atos mais insignificantes caso se tornem habituais;

c) Cabe ao aluno, em conjunto com o professor, a observância das correções necessárias. Poderão, ainda, beneficiarem-se da observação de colegas. (David Wood)

Fases consecutivas

Uma frase frequentemente citada de Immanuel Kant: “Todos os conhecimentos humanos começam por intuições, avançam para concepções e terminam com ideias”. A minha interpretação do dictum de Kant: “Aprender começa por uma ação e uma percepção, avança daí para palavras e conceitos, e devia acabar em hábitos de pensamento desejáveis”.

Sumariando

“Para uma aprendizagem eficiente, uma fase exploratória deve preceder a fase de verbalização e formação de conceitos e, eventualmente, o conteúdo aprendido deve fundir-se e contribuir para a atitude mental essencial do aprendiz. Este é o princípio das fases consecutivas”. (George Pólya)

Nossos movimentos são os nossos mestres

Em novembro de 1960, foram disputadas as fases finais dos campeonatos masculino e feminino mundiais de voleibol em duas cidades limítrofes: Niterói e Rio de Janeiro. Na abertura desses jogos (3/nov.) completei 21 anos de idade. Era um jovem ávido por aprender os mistérios do jogo. Durante um breve período de treinos em Niterói, imiscuí-me entre os atletas, pois conhecia a maior parte deles e havia problemas de contusões. Embora não participasse dos coletivos, reservados para a parte da noite, satisfazia-me o fato de incluir-me nas sessões de fundamentos no período da tarde. A organização era tão deficiente, que até eu mesmo consegui combinar um treino coletivo para a seleção brasileira com uma equipe convocada às pressas entre alguns indivíduos praticantes. Após o mundial, consegui uma única bola de vôlei e passei a exercitar-me solitariamente num ginásio três vezes na semana, 2 horas por dia, durante 3 meses. Tive que construir formas de exercícios que pudessem exigir-me muito além do que vira antes, uma vez que minha motivação não tinha limites. E, assim, após este período, dominava uma técnica que passou a diferenciar-me dos atletas de minha época. Além de tornar-me exímio em todos os fundamentos (exceto o bloqueio, por não poder treiná-lo), consegui algo inédito: atacar com a utilização de ambos os braços. Lamento não ter conhecido Kant há mais tempo… Mas ecoa em meus ouvidos o que apregoava:

Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço. 

O único educador capaz de formar novas reações no organismo é a sua própria experiência, a base principal do trabalho pedagógico. Não se pode educar o outro. É possível apenas a própria pessoa educar-se, ou seja, modificar as suas reações inatas através da própria experiência. Toda riqueza do comportamento individual surge da experiência. Cada ato ínfimo nosso tem o seu significado futuro. Um gesto descuidado, um movimento casual e uma brincadeira inocente, uma vez realizados já deixaram o seu vestígio no sistema nervoso e esse vestígio irá manifestar-se forçosamente talvez sem que o sintamos, mas o organismo o sentirá.

Conclusão

Coloque-se insistentemente em condições que o mantenham na trilha de um novo caminho ou conquista. Nunca deixe de observar um novo hábito enquanto ele não se consolidar em você. Cada violação é comparada à queda do novelo (um recomeço). A continuidade do exercício constitui o meio principal para tornar infalível a atividade do sistema nervoso. (David Wood)

Permita que aprendam por descoberta. Permita que aprendam provando”. (George Pólya)

Acrescento ao que foi dito anteriormente, que faço uso de exercícios nem sempre copiados – as receitas técnicas (ou de bolo) – para atingir objetivos delineados com o grupo que estou a ensinar. Entendo que a primeira coisa a fazer na forma de ensinar é conhecer os principais interessados: os alunos (ou os atletas). Assim procedi com aquele grupo de clube: no primeiro dia de nossa apresentação; convidei-os a jogarem entre si (2 sets) e, após, dialoguei com eles apresentando meu plano de trabalho. E, importante, incuti mensagem de confiança relatando minhas experiências pessoais no ramo. Sobre as receitas de bolo convido os professores a terem extremo cuidado na escolha dos exercícios destinados a seus aprendizes, até porque existem formas ineficazes que certamente comprometerão o seu trabalho. Além disso, ainda que um exercício seja na sua essência eficaz, a forma (dinâmica) de execução pode deixar a desejar.

Nível de exigência

O erro mais comum de ineficácia é o nível de exigência empregado: “Se devo tocar a bola que foi arremessada a 6-7 metros de distância, a maioria dos treinandos executa a partida antes do arremesso e o esforço já não é o mesmo”.

Não conheço treinador que se previna desse mal, mesmo os reconhecidamente mais exigentes. A prova maior reside no comportamento em jogos, quando gesticulam e gritam desesperadamente sempre que ocorre uma falha de qualquer atleta. Isto poderão ver até mesmo em jogos de seleções nacionais. Se tiverem tempo e disposição para assistirem aos treinos de qualquer equipe creio que me darão razão. Já o fiz por diversas vezes ao longo dos anos, inclusive no Voleibol de Praia, até de medalhistas olímpicos.