Ensinar a Defender – Lição III

Como ensinar a defender 

Representar e ilustrar o passado, as ações do homem são tarefas tanto de historiador como do romancista. (Henry James)

Poderíamos dizer que o bom treinador deve ter “um olho no jogo e outro no treino”. Canhota Canadense atacandoPara facilitar os nossos leitores e produzir um encadeamento sobre o tema DEFESA republico o artigo Lições do Mundial da Itália e peço que o considerem o primeiro da série. Com certeza a ele se deve a sequência dos demais postados recentemente. Vejam alguns destaques que justificam a necessidade de os treinadores, a partir da Formação, se esmerarem ou talvez até aprenderem como realizar treinamentos consistentes de DEFESA. Até então, repetem o velho chavão desde a década de 60: “o defesa-centro (VI) recua e os alas (II e V) avançam.”! 

Percebam algumas considerações extraídas de jogos que embasam tal necessidade:  

  • Na última Olimpíada, o Brasil teve dificuldades insuperáveis para anular os ataques de saída de rede (II) do gigante russo Dmitriy Muserskiy, principal responsável pelo triunfo ao fazer 31 pontos, quatro a mais do que o brasileiro Wallace. Depois de estar perdendo por 2×0, o técnico russo alterou a posição do jogador que, de meio de rede (III) passou a oposto (como Wallace), executando praticamente todos os ataques em II.  
  • Na partida entre RJX e Vivo/Minas, dia 23 p.p., pela Superliga masculina, ganha pelos cariocas por 3 sets a 2, observou-se que as equipes a partir do 4º set passaram a construir seus ataques quase que exclusivamente dirigidos aos seus opostos (em II). Pelo lado do RJX, com o estreante Da Silva e, pela equipe minatenista, com Filip, o maior pontuador do jogo com 26 pontos. O fato deveria despertar a atenção dos treinadores para a necessidade de treinamento de bloqueios na saída de rede, além da competência para defesa. Como aconselhavam desde priscas eras nossos pioneiros do voleibol: dá pra quem está rodando
  • E não foi por acaso que Jorge (Jorginho) Bettencourt, técnico do Botafogo na segunda metade dos anos 1960, insistia com seus pupilos nos ataques de saída de rede (II) com bolas altas, enquanto seus principais adversários se esmeravam em copiar as recentes inovações japonesas de jogo fintado. O Botafogo foi campeão carioca durante 11 anos ininterruptos.

Dá pra quem vira!

  • Por falar em priscas eras, quando ainda atuava na década de 60, disse certa vez no intervalo de uma partida para o levantador da equipe: “Todos queremos ganhar o jogo, certo? Então, não se preocupe em distribuir bolas para todos os companheiros; dá pra quem está rodando! E acrescentei: “Se eu não rodar, aí sim, pode levantar para outro.”
  • Era uma expressão muito utilizada cujo significado era aquele que vira (quem roda), isto é, consegue fazer pontos sucessivos; que não erra nos ataques. Recordando que a Regra previa as vantagens e não pontos por rali: uma equipe só fazia pontos após conseguir a vantagem do saque e, nesse instante, procedia a um rodízio (vira, roda) de posições na formação de seus atletas.

Lições do Mundial da Itália – I (publicado em 6/out./2010)

Quem viu a partida entre o Brasil e a atual República Checa ontem (dia 5) pelo Mundial que está sendo disputado na Itália, contemplou a excelente atuação do atleta canhoto HUDECEK. Após terem perdido o 1º set, seu treinador colocou-o em quadra e isto fez a diferença: ganharam o segundo e terceiro sets. Inclusive, realizou a maioria dos ataques na entrada da rede (posição IV), ignorando bloqueios gigantes, como o de Leandro Vissoto, de 2,12m. Considere-se que o atacante checo mede 1,95m. Ao que parece, só foi travado pela utilização do saque (tático) do atleta brasileiro Theo, assim mesmo no tie-break. Pena que outros nacionais não tenham aprendido ainda a sacar, pois o líbero adversário foi contemplado com diversas benesses. É possível que “não tenham tempo” para treinar este fundamento… E, certamente, “como bloquear um canhoto”. Recordo-me que o único treinador que teve preocupações defensivas contra a possível presença de um canhoto numa equipe adversária foi o Professor Paulo Emmanuel da Hora Matta, quando de sua estada à frente da seleção brasileira no final da década de 60 e início dos anos 1970. Indagou-me se poderia participar dos treinos para que os atletas apurassem o bloqueio contra um canhoto. Acedi ao convite, mas nunca mais voltou a falar sobre o assunto. Não pude ajudar, foi uma pena!            

Quem tem medo? Aprendi há algum tempo um sábio ensinamento: “As pessoas têm medo daquilo que desconhecem”. É o caso das crianças, dos indígenas e povos de cultura primitiva que a história nos conta que se amedrontavam com simples trovões e, por isso, davam-lhes o caráter até de divindade. Assim é até nossos dias, pois aquilo que não sabemos fazer ou realizar deixamos de lado e evitamos entrar no mérito para um possível aperfeiçoamento.    

No voleibol nunca será diferente, ainda mais quando os ditos preparadores, formadores, treinadores e técnicos – não esquecer os entendidos – só pensam naquilo, isto é, na vitória a qualquer preço. Essa metodologia tão em voga atualmente está voltada preponderantemente para o ganho imediato, não importa a quem sacrificar. Os atletas deixaram há muito a sua condição de indivíduos, com pensamento próprio, e foram transformados em peças que a qualquer momento podem ser substituídas sem a mais mínima cerimônia. Por que, então, perder tempo em treinar um jovem que não sabe ainda recepcionar ou defender, se ele é muito mais útil hoje à equipe no ataque e no bloqueio? Muitos acreditam também que um bom bloqueio é suficiente para que a equipe tenha uma boa defesa. Então, é muito mais fácil treinar o bloqueio e não perder tempo em fazer com que atletas de 2m ou mais sejam razoáveis defensores.       

Importância da Formação. Esses mesmos indivíduos já foram condenados lá atrás, quando se iniciaram no esporte, pois tenho certeza que nunca foram exigidos em outros fundamentos. E não seria agora, pois testemunho há vários anos exemplos com equipes infantis e juvenis. O que se vê em matéria de treinos de defesa é pura brincadeira que talvez devesse ser realizado na areia da praia, com muito mais proveito. E estou falando da época de maior crescimento do voleibol nacional, a partir da década de 80, com a insana profissionalização a que chamo “corrida do ouro”, típica dos antigos filmes do faroeste americano, com cavalos, carroças e diligências, massacrando quem lhes impedisse o objetivo. Para chegar ao fim almejado e conquistar seu quinhão não importam os meios.       

Brasil Checos Bloqeuio Defesa atrasNo caso da partida a que me refiro atrevo-me a ir um pouco mais além, chamando a atenção também para o aspecto do posicionamento e péssima técnica no fundamento defesa para os dois atletas que estão regularmente nas posições I e II, invariavelmente o levantador e o seu oposto. Foram muitos ataques direcionados para esta lateral da quadra e não me lembro de qualquer recuperação. Por ali se situam Bruno, Vissoto e, depois Theo. Quando a TV repete os lances de vários ângulos, permite observar a posição dos atletas exatamente atrás do bloqueio, o que denota o cuidado especial de não receber o impacto direto, ou levar medalha como dizemos no Brasil. Além disso, os pés paralelos, a posição alta e a não exigência em treinos de defesa, fazem-nos alvos preferidos dos ataques contrários. Enquanto isto, do outro lado, o líbero se destaca, pois não tem medo e sabe defender. E para permanecer na equipe terá que se esmerar nesse fundamento até as últimas consequências, o que o torna um especialista. Sabedor disto, o que fazem os atacantes contrários? Não é necessário ser um estrategista para responder. Pelo que já vi de treinos de seleções brasileiras, tudo continua no mesmo lugar, e se nos chegam as vitórias, certamente que vamos todos nos ufanar de sermos brasileiros. E a história continua repetindo os mesmos fatos. Não foi por acaso que postei a foto acima para ilustrar o que estamos afirmando. Não se trata de jogo dos sete erros, mas dá para destacar alguma imperfeição, afinal, ninguém é perfeito.    

Detalhes fazem a diferença. Não precisamos nos reportar ao alto nível de qualquer desporto, mas em qualquer tipo de competição em que os oponentes têm formação similar, certamente que a vitória tenderá para os que melhor cuidarem dos detalhes. Em outras palavras, ganha quem erra menos, frase que ouvi em 1963 do nosso saudoso Zoulo Rabello. No alto nível não é diferente, já que todas as equipes e jogadores se conhecem, há múltiplas informações oriundas dos sistemas de espionagem, filmes, CDs. Contribuindo para tal, até o regulamento das inúmeras competições bancadas pela Federação Internacional prevê a participação de um determinado número de atletas (eram 9) que estiveram nas últimas competições patrocinadas por ela.  

Percebe-se também o equilíbrio entre 5-6 seleções mundiais que, dependendo de fatores extra quadra, algum acidente, uma contusão, ou mesmo, a safra abundante de excelentes atletas num determinado período, constituem-se em vetores dos resultados. Mas estejam certos de que nunca se deu importância aos treinadores das equipes em Formação, muito menos à sua qualificação. Os cursos preconizados pela Fivb para suas filiadas estão estandartizados e repetidos pelo mundo e sua abordagem continua efêmera. Quantas vezes ouviremos treinadores de seleções (refiro-me a qualquer deporto coletivo) no Brasil dizerem que não se tem treinamento na BASE, que é insuficiente, mal efetuado e, quando um atleta alcança o nível mais alto, “não há tempo para corrigi-lo”. E, ainda, que os aspirantes a treinadores devem “ser do ramo”, em clássica retórica depreciativa. O que acham que deve ser feito? Ou seria melhor ter bastante fé e repetir mais uma vez a plenos pulmões: “DEUS É BRASILEIRO”!

 

Futuro do Voleibol em Portugal – Parte I

Voleibol em Portugal, que futuro? (Postado no site português Sovolei)

Um dos temas que mais preocupa o Sovolei é o futuro do Voleibol em Portugal. Sabemos que temos a “matéria prima” necessária para que o Voleibol seja um dos desportos mais fortes em Portugal, e temos também os alicerces necessários, com mais de 150.000 praticantes em todo o país. Temos abordado esta temática em alguns dos artigos – de notícia ou opinião – que temos publicado ao longo destes quase 3 anos de existência. Somos críticos frontais, mas também apresentamos soluções para que o Voleibol possa melhorar, para bem de todos. O facto é que vai faltando uma política e uma estratégia de sustentabilidade do Voleibol, que deveria ser levada a cabo pela Federação Portuguesa de Voleibol, depois de discutida em conjunto com as associações regionais, de treinadores, de jogadores e também com os clubes.

Para além do aparente desinteresse dos responsáveis pelo Voleibol, também os seus intervenientes não parecem perder muito tempo a pensá-lo e a tentar achar formas para que se possa desenvolver, garantindo não só resultados a médio/longo prazo, mas também trabalho a curto prazo. Assim, é curioso, mas não surpreendente que seja o nosso colaborador brasileiro Roberto Affonso Pimentel que tente “espicaçar as hostes”, fazendo uma série de perguntas que levem os responsáveis e intervenientes do Voleibol Português a reflectir sobre o futuro da modalidade no país.

Roberto Pimentel, autor do Procrie, diz que “seria valioso ouvir os personagens que actuam no voleibol português sobre sua evolução“: “O que foi feito em 2010/2011? Se nada foi feito, que consequências essa inércia pode acarretar? Os holofotes da FPV continuam voltados somente para a selecção masculina principal? Dada a situação económica do país, o que esperar para a nova temporada? O que pode ser feito, independente da FPV? E a associação de treinadores, qual a sua representatividade? Ela emite algum parecer técnico sobre a temporada? Os treinadores cresceram tecnicamente?” “Na Formação que ganhos foram adicionados? A Federação deve fazer internato para as seleções? Há necessidade de muitas horas de treinos? Os treinadores estão qualificados? As instalações e a organização são eficientes? A Federação apoia e valoriza os clubes? Que contributo emprestam os estrangeiros, técnicos e atletas? Comunicação social, por que não há divulgação? Que retorno esperam os clubes?” 

Estes são dois conjuntos de questões, na sua maioria extremamente pertinentes, que Roberto Affonso Pimentel se coloca, e nos coloca. Devemos reflectir e procurar respostas. Todas elas, ainda que possam parecer utópicas ou líricas, são bem vindas aqui na caixa de comentários.

Comentários (no Sovolei)

1) Mais investimento real na formação nos clubes… A federação pode e deve ajudar por exemplo com limitação de estrangeiros por equipa… Mais competição e de mais competitiva… Temos k jogar mais vezes com os melhores não apenas duas ou tres vezes por epoca (formação principalmente) – ou com criação de divisões ou de algo similar e urgente que isto aconteca na formação! Forte aposta ou pelo menos igual aposta da Federação no Voleibol Feminino com um projecto de media longa duracão de preferencia com pessoas que conheçam a realidade do voleibol feminino! Aposta realista e consistente no masculino, noutros moldes dos que os praticados ate agora que ja se viu não terem resultado! De 50 não pode sair um que mesmo esse poderá a não chegar a niveis como os de Flavio ou outros que estão prestes a desaparecer! K acontecera depois?! Btts medidas poderiam ser tomadas aqui deixo algumas ideias apenas…

2) Luís Melo – Respondendo a uma das questões do Roberto Pimentel, penso que a estratégia de colocar um grupo de jovens atletas em estágio permanente em Resende não está adaptada à realidade Portuguesa. Isso funciona em outros países (como Itália) onde há imensos atletas de grande nível. Aqui, temos antes de apostar no todo apostar na formação dos clubes. Senão estamos a beneficiar uma dúzia de atletas – que podem até nem ser as escolhas certas para o futuro – em detrimento de outros tantos milhares que podiam perfeitamente ser tão bons ou melhores do que aquela dúzia que está em Resende. Obviamente, não desfazendo destes, que têm o seu valor técnico, mas quiçá não terão o resto que é necessário para se ser um atleta de alto rendimento.

(continua…)

 

Treinamento de Defesa – Formação

A jogadora Piccinini defende com os joelhos no chão no jogo contra o Japão. Foto: Fivb/Divulgação.

 

Formação

Observando a foto ao lado o que teria a dizer o treinador italiano?

Faço este preâmbulo para situá-los no tempo e nas considerações técnicas que pretendo discorrer com colocações e teorias a respeito. Nesta nossa conversa tratarei de relatos com passagens e histórias com campeoníssimos também do Vôlei de Praia. Perceberão que diversas contingências influenciavam a forma de treinar, causando danos irreparáveis na formação de novos atletas e, pior, a precariedade e as improvisações realizadas nos períodos de treinamento das seleções a indicar falsos caminhos aos treinadores brasileiros. E, também, ao ensino universitário, cujo currículo imagino seja o mesmo ainda hoje para a formação de professores. Verão também as razões pelas quais muitos treinadores de alto nível em vários desportos dizem que o erro está na “base”, quando se referem a atletas com deficiência em alguns fundamentos. E, em seguida, se exprimem: “Não tenho tempo para treiná-los”! Esquecem-se que eles mesmos, ao formarem jogadores nos respectivos clubes procedem de forma semelhante e repetitiva.

Peço perdão aos leitores por imiscuir-me nesses momentos em que estarei historiando fatos que vivenciei. São as minhas impressões e, portanto, impregnadas de um subjetivismo a que nenhum narrador escapa. Minha ideia é exemplificar com olhar crítico e não enaltecer-me. Além disso, sirvo-me do depoimento de um dos melhores e mais experiente jogadores da época – João Carlos da Costa Quaresma. Iniciei-me no voleibol em clube a partir de 18 anos, em 1958. Participei e presenciei treinos nos mais diversos níveis, inclusive de seleções brasileiras e confesso que nunca vi e tão pouco soube como os técnicos treinam seus atletas para serem bons defensores. Aliás, como há tempos não assisto a qualquer treino, pergunto ao leitor: Conhece algum?

Representação do Líbero (do italiano, livre)

Fabi, líbero da seleção brasileira, faz defesa; substituição de jogadores da função agora é livre. Foto: FIVB/Divulgação Fonte: Terra, 11.10.2010.

 

A Fivb buscava dar um equilíbrio entre defesa e ataque principalmente nos jogos masculinos. A figura de um jogador especializado em defesa dá principalmente ao voleibol masculino uma condição melhor, já que o ataque é preponderante em função do vigor físico da categoria e prepondera sobre a defesa. Surge, então, o líbero para tentar dar um equilíbrio nessa relação entre ataque e defesa.

No Brasil do início da década de 80 era o jogador que não recepcionava o saque e se apresentava para o “ataque de fundo”. Posteriormente, passou-se a designar líbero o atleta especializado nos fundamentos que são realizados com mais frequência no fundo da quadra, isto é, recepção e defesa. Esta função foi introduzida em 1998, com o propósito de permitir disputas mais longas de pontos (ralis) e tornar o jogo mais atraente para o público. Um conjunto específico de regras se aplica exclusivamente a este jogador. O líbero deve utilizar uniforme diferente dos demais, não pode ser capitão do time, nem atacar, bloquear ou sacar. Quando a bola não está em jogo, ele pode trocar de lugar com qualquer outro jogador sem notificação prévia aos árbitros e suas substituições não contam para o limite que é concedido por set a cada técnico. Por fim, o líbero só pode realizar levantamentos de toque do fundo da quadra. Caso esteja pisando a linha de três metros ou esteja sobre a área por ela delimitada, deverá executar somente levantamentos de manchete, pois se o fizer de toque por cima (pontas dos dedos) o ataque deverá ser executado com a bola abaixo do bordo superior da rede. Uma série de experiências foram realizadas pela Fivb com este “sétimo” jogador, sendo a primeira delas em 1995. No ano seguinte foi introduzido, ainda experimentalmente. no Grand Prix feminino, logo após a Olimpíada de Atlanta. Em 1997 foi testado o jogo com o líbero; sua aprovação e inclusão nas Regras deu-se somente em 1999-2000, quando foi incluída na Regra do Líbero.

Neste mês ( 9.12.2010) a Federação Internacional anunciou uma mudança nas Regras. A partir de 1º de janeiro de 2011, os treinadores poderão substituir o líbero quantas vezes quiserem durante todo o confronto. Atualmente, a alteração pode ocorrer apenas uma vez, isto é, se o líbero titular for substituído pelo reserva, não pode voltar à quadra. A mudança na regra foi votada durante um congresso da entidade em setembro e aprovada com unanimidade. Segundo a entidade, a mudança aconteceu porque a Regra limitava o uso do segundo líbero, já que os times optavam por relacionar apenas um líbero e 11 jogadores de ataque para as partidas. Recentemente, as equipes poderão disponibilizar dois (2) jogadores como líberos.

Grandes e Pequenos

Pelo que percebo, se o jogador não for o baixinho – o líbero -, não vale a pena perder tempo com este fundamento; acredita-se que a melhor defesa está no bloqueio e sendo assim, por que fazer os grandes sofrerem? Até porque certamente nunca foram adestrados nesse sentido. O vôlei de praia é um exemplo formidável: um atleta maior será sempre o bloqueador e, o outro, mais baixo, defensor; não há como evitar. Assim, tanto nos sextetos quanto nas duplas, os respectivos treinadores tendem a desprezar este fundamento e se atêm aos esquemas e sistemas de defesa, às coberturas e atribuem a maior responsabilidade ao líbero, que está ali só para isto. E o líbero, como deve ser treinado? Creio que muitos treinadores não percebem que, em determinados níveis, épocas ou circunstâncias, ou melhor, quando há o embate entre equipes do mesmo nível, os detalhes fazem a diferença. E essas diferenças podem se acentuar em pouco tempo, distanciando tecnicamente uma equipe da outra. Então, para resolver (ou não) o problema adiam e ficam a aguardar que alguém o faça e os ensine.

Histórias “selecionadas”. Em 1960, na preparação do Mundial realizado em Niterói e Rio de Janeiro, participei como “ouvinte” – um intrometido – de vários treinos da equipe brasileira, pois os ensaios eram todos no ginásio do Caio Martins, em Niterói, onde resido até hoje.

Jogadores brasileiros no ginásio do Caio Martins, Niterói, em 1960.

 

As delegações de todos os países participantes das chaves finais estavam hospedadas na cidade, exceto o time masculino da Rússia, que preferiu um hotel de Copacabana, no Rio. Assim, os treinos das equipes masculinas e femininas se distribuíam pelos poucos ginásios existentes: SEDA (Marinha), Icaraí Praia Clube (IPC), Faculdade de Direito, 3ª RI (Exército)  e o próprio Caio Martins. Assim, era fácil estar presente em muitos deles e contemplar um mundo novo para os meus olhos, ávidos pelas novidades técnicas e feitos dos melhores do mundo. Vi no IPC a equipe russa feminina com a sua belíssima atleta Ludmila e a super campeã Aleksandra Tchoudina, 5 medalhas olímpicas no atletismo até 1956, foi campeã mundial de voleibol em Paris e também no Brasil. Bati bola com os americanos comandados pelo extraordinário Gene Selznick e estive a admirar o levantador romeno de 1,92m, que me despertou para uma providência tática que tomaria logo depois, pois além de ser a minha altura, descortinei possibilidades múltiplas para a equipe que tivesse um levantador alto, também atacante e, melhor, que atacasse com o braço esquerdo; era o meu caso, embora não fosse canhoto. Por último, providenciei uma equipe do clube IPC, em que eu mesmo atuei, para jogarmos contra o selecionado brasileiro.

Autodidatismo

Terminado este Mundial, consegui uma bola de vôlei que fora usada pelos romenos num dos seus treinos no IPC. Como cortavam muito forte, uma delas foi achada por acaso em local de difícil acesso. Pois somente com esta bola realizei meu treinamento completo no ginásio do clube: foram 3 meses, com exercícios solitários de duas horas, três vezes na semana. Os ensaios, eu mesmo os criava e recriava, aumentando sempre o nível de exigência. O clímax ocorreu quando lesionei o ombro esquerdo e, não podendo atacar com ele, dispus-me a aprender a fazê-lo com o braço direito. E consegui. Ao final, já refeito da lesão, era o único no país a atacar com ambos os braços. Mas não só, recepcionava, atacava nas três posições da rede, bloqueava, efetuava levantamentos, defendia e sacava com maestria. Em resumo, era completo como jogador, tendo a altura de 1,92m, um dos mais altos na década de 60. Joguei por terra duas assertivas daqueles tempos: “Quem não aprende a jogar cedo, depois dos 18 anos não aprende mais”. E a outra: “Todo sujeito alto é mole”.

Em 1962, nos preparativos para o Mundial realizado em Moscou, participei da primeira fase dos treinamentos na Escola Naval, Rio de Janeiro. Consistia em exercícios físicos pela manhã, ensaios de fundamentos à tarde, compreendidos aqui principalmente exercícios de toque, saque e ataques. Lembrando que até então não se conhecia a manchete no Brasil e a recepção era privilégio de poucos, isto é, realizada de toque e em nível de exigência máximo por parte da arbitragem. À noite realizavam-se os treinos coletivos. Tudo isto, se não me falha a memória, talvez 30 dias antes do embarque, descontados aí os 8 dias referentes aos fins de semana. Em suma, diante do envolvimento profissional reinante em nossos dias, uma brincadeira, um faz de contas!

Em 1968, na cidade de Porto Alegre (RS), foram disputados os jogos referentes aos Campeões Estaduais. Estava presente com a equipe do Clube de Regatas Icaraí, de Niterói, em que era técnico e atleta simultaneamente. No dia seguinte ao nosso jogo contra a equipe do Minas T. C., de Belo Horizonte (MG), encontrei-me com o seu treinador, o saudoso Adolfo Guilherme, à beira da piscina da Sogipa, onde estávamos alojados. Disse-me ele: “Roberto, no jogo de ontem conseguimos vencê-los a duras penas. Não sei o que vocês fazem em Niterói quanto aos seus treinos, mas nunca vi uma equipe defender tanto, chega a irritar”! Esbocei um leve sorriso e creio que o surpreendi: “E esta não é a melhor equipe que pudemos trazer, pois alguns não puderam viajar”.

No início da década de 70, todos os treinos nos clubes eram ainda realizados somente duas vezes na semana, depois do horário de trabalho ou estudo dos atletas. Isto devido a problemas de espaço físico – um ginásio – e a manutenção de mais de uma atividade desportiva. Neste período, o curto tempo era dedicado à prática coletiva; em 1971, o voleibol no Fluminense F. C. deu a partida para acrescentar mais um treino  (três) na semana, com ensaios variados de fundamentos e precária formação física, muitas vezes rebatida pelos atletas que só queriam a prática coletiva. Estive atuando pelo clube em 1972. Contudo, em 1970-71, atuando como técnico do Tijuca T. C., realizei um trabalho que interessou demasiadamente aos atletas (masculino e feminino) e que reverteu em bons resultados no que tange aos ganhos do fundamento defesa. Fui criativo ao cobrir a rede com um extenso pano opaco e, a partir dali, através de múltiplos ensaios produziram-se ganhos extraordinários individualmente e coletivamente. Em 1981, também atribuindo ênfase aos treinos de defesa, consegui com uma equipe (América F. C.) mediana em termos técnicos alavancar elogios de diversos treinadores dos principais times do Rio.

Saímos do “amadorismo” em 1982 e, ainda na fase de adaptações às novas condições, a seleção brasileira esteve treinando em 1987 durante 4 dias na AABB de Niterói, local que consegui disponibilizar a pedido da CBV. Estava comandada pelo coreano Sohn, técnico campeão brasileiro pelo Minas T. C. A auxiliá-lo o ainda inexperiente treinador carioca Leão. Para o meu sentir os treinos foram decepcionantes em todos os sentidos. Ainda no mesmo clube, estiveram treinando também as moças, pouco antes de uma série de amistosos no Brasil contra a sensacional equipe cubana. Não percebi qualquer providência com respeito ao apuro da recepção contra os saques poderosos das adversárias. No único jogo que assisti, foi um desastre para a equipe brasileira. E muito menos quanto ao treinamento de defesa.

Já agora na “era Bernardinho”, presenciei parte de um treino em Saquarema e um outro, na Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), no Rio, quando lá estive para conversar sobre o treinamento do canhoto André Nascimento, considerado o melhor atacante no Mundial da Argentina. Em ambas as situações, não consegui deslumbrar nada que me chamasse a atenção, muito menos transmitir o que pensava. Mas fui muito bem recebido e convidado posteriormente a fazer palestra no Centro Rexona, em Curitiba (PR) sobre a Formação e o Mini Voleibol.

Formação em Portugal  Acabo de ler no site da Federação Portuguesa de Voleibol (FPV) notícia que revela um Programa de Formação para jovens de ambos os sexos com idades entre 14-15 anos e altura mínima pré-estabelecida. Esta ação de formação estará representada por duas seções semanais de treinamento. Dará certo? Imagino que as peneiras de algumas associações esportivas no Brasil – em São Paulo – venham fazendo há muito tempo algo similar, isto é, em determinada época do ano abrem inscrições em nível nacional para receberem pretendentes a comporem suas equipes de base. Estes fazem um estágio probatório de alguns dias e, se aceito, são contratados pela associação. Como em Portugal, certamente fazem as exigências morfológicas aos candidatos. E na bateria de testes pelos quais têm que passar alguém acha que o nível de exigência para o fundamento defesa é excludente?  Assim, a forma de trilhar novos caminhos de que falamos em “Aprender a Ensinar – Memória” poderá comprometer uma vez mais todas as boas intenções dos gestores esportivos. E sugiro ainda que tornem a ler o que se contém em “Teoria vs. Prática”, postado em 27.11.2009. Muitas coisas podem ser melhoradas com tão pouco, tanto aqui como acolá.

Vôlei de Praia, Brasil e Portugal

Tema: Formação no Voleibol de Praia 

Autora: Ana Rita Gomes; Publicado no site português www.sovolei.com /A Opinião de Ana Rita Gomes.

Resumo: Raros atletas de alta competição devido à cultura desportiva do país. Passantes estranham os atletas enquanto treinam. Como romper esta blindagem e alavancarmos o desenvolvimento do setor? Que objetivos a alcançar?

Objetivos: Divulgar a modalidade e conquistar adeptos; Representação feminina nos Jogos Olímpicos de Londres.

Voleibol de Praia (VP) e Voleibol Indoor (VI), por Roberto Pimentel.

Convite. Para que haja a necessária renovação em qualquer desporto torna-se imprescindível divulgar entre crianças e adolescentes a modalidade. A fórmula encontrada nos nossos tempos é realizar as competições na forma de espetáculos, tornando visíveis todos os aspectos do jogo e, principalmente, elevando os protagonistas campeões a níveis gloriosos. Faz parte do imaginário do ser humano, especialmente dos jovens. Em Portugal encontro um exemplo bem recente, o Gira Vôlei. Esta fórmula foi explorada por Matsudaira quando planejou a ascensão das seleções nacionais do Japão ainda na década de 60 – um ”plano de 8 anos” – e vem sendo seguida pela FIVB quando estabelece protocolos para realização de eventos. Lembro que ele era um Administrador de Empresa e, como tal, deu asas à imaginação desenvolvendo simultaneamente um planejamento técnico e marqueteiro. Fez com que boa parte da população aderisse ao voleibol numa época em que este esporte era pouco considerado no seu país. Conseguiu resultados culturais surpreendentes. No Brasil, foi seguido por Carlos Arthur Nuzman, que se manteve presidente da CBV por 20 anos e promoveu verdadeira revolução no esporte. O vôlei de praia brasileiro deve tudo à participação fundamental e incisiva do Banco do Brasil que, através do seu Departamento de Marketing elevou o esporte até então desconhecido a um dos mais vistos e aplaudidos em todo o território nacional. Para o Banco está sendo uma das suas maiores jogadas negociais, além de ter atraído o público jovem para sua clientela, antes bastante envelhecida.

Cultura. Ainda apoiado no exemplo japonês, observe-se que a mulher naquele país tinha uma posição secular de segundo plano em relação aos homens. Era-lhe servil e submissa. Lembro de cenas em que chegavam a ser esbofeteadas em pleno treinamento, não importando onde estivessem. Aos olhos estrangeiros soava como agressão e, ao mesmo tempo, espanto, por se sentirem tão resignadas àquela situação. Alguns diziam que seria uma forma de, no futuro, terem reconhecido seu esforço e valor, tornando-se independentes do jugo masculino. Sob este cenário, tornaram-se campeãs olímpicas em 1964, em Tóquio. Este é um exemplo. Sugiro que cada estudioso recue um pouco no tempo, pesquise comportamentos de seus avós e, à luz de novos conhecimentos possa apresentar soluções que favoreçam o desenvolvimento do desporto no seu país. Tenho a certeza de que vão precisar de especialistas na matéria, não comprometidos com o desporto, mas com Ciência e Administração (especialmente Marketing), uma vez que o vôlei – praia e indoor – cada vez mais se torna popular e profissional, o que induz muitos jovens à sua prática como forma de “trabalho”. Daí surge o conflito que é mundial: estudar ou trabalhar? No Brasil, e acredito que também em outros países, a segunda opção vem sendo vitoriosa até certo ponto. Atletas brasileiros e suecos já foram cognominados carinhosamente de “vagabundos” em seus países, uma vez que a atividade – treinos, competições – não lhes deixa tempo para outra coisa. No cenário feminino, as brasileiras de determinadas regiões, especialmente o nordeste, percebem que deu certo para homens e pode dar certo para elas. E tem dado, haja vista a dupla Juliana-Larissa. Mas o caso brasileiro é específico, mesmo porque sempre se jogou voleibol na praia, independentemente do voleibol em ginásio. É um assunto que deixarei para comentar em outra oportunidade.

Formação. A afirmação “Os novos jogadores que surgem no Circuito Mundial são formados no VP e não no VI, como há alguns anos” deve ser compreendida segundo um raciocínio histórico ou temporal. Até alcançar o patamar para frequentar um circuito desta envergadura são necessários muitos anos de prática e um longo aprendizado. Muitos não chegam lá, somente os melhores adaptados, a elite. É um procedimento que ocorre em todos os esportes. Imagino que aprender a jogar voleibol é muito mais fácil se realizado num piso regular e duro como o da quadra indoor. As necessidades de deslocamentos e os saltos são mais facilmente aprendidos, o que torna tudo mais agradável. O piso irregular e fofo de areia é o maior obstáculo a ser vencido por aprendizes. Como dizemos no Rio de Janeiro a respeito de indivíduos não acostumados a caminhar na areia, “tropeçam na areia”, o equivalente à perda total da coordenação motora em qualquer deslocamento. O VP no Brasil se desenvolve concretamente nas praias, uma vez que somos privilegiados neste sentido. Além disso, o clima também favorece e disponibiliza sua prática o ano inteiro. Embora algumas federações estaduais tenham programas para juvenis e sub-21, normalmente as duplas que se formam para estas competições advêm de equipes indoor. As causas desta migração são várias, desde possível não aproveitamento na equipe superior, relacionamento com treinadores, busca de liberdade, espírito aventureiro (muitas viagens) etc. Guindado à modalidade olímpica, o VP ganhou muito em status, tornando-se uma “profissão” para a maioria de seus praticantes. Se não tiver dedicação exclusiva, o atleta não conseguirá ter o mesmo padrão dos campeões e estará fadado ao insucesso. E para manter-se no grupo de elite, muito dinheiro faz-se necessário. Neste sentido, as federações nacionais assistem ou investem de alguma forma nos seus representantes, independente de patrocínios auferidos pelas duplas. Atualmente (julho/2009), desenvolve-se o Circuito Mundial na Noruega com sete duplas brasileiras, sendo quatro femininas e três masculinas. Diante do exposto, dificilmente um atleta, mesmo de ponta, conseguirá sucesso ou manter-se entre os melhores, se não tiver um histórico razoável nas competições de areia. Alguns tentaram como Tande, Giovani, Marcelo Negrão e Nalbert, todos campeões olímpicos no indoor, mas abandonaram em seguida. Eram destroçados nos circuitos nacionais brasileiros.   

Treinador. Pelas regras das competições geridas pela FIVB não é permitida a figura do treinador em quadra. Particularmente, no Brasil, a partir de algum tempo foi permitida a sua presença nos jogos, só podendo comunicar-se com os atletas nos tempos de descanso ou intervalos de cada set. Esta providência parece ter atenuado os desgastes emocionais que as competições inexoravelmente promovem. A ausência de substituições e o ataque sistemático a um dos contendores fazem parte do contexto do jogo, permitindo providências táticas e enriquecendo a disputa, tal como ocorre em outros desportos. Cada vez que uma dupla é formada, ou desfeita, entende-se que há conflitos desta natureza. Mais adiante, ao se providenciar nova composição, certamente este é o item primacial, além, é claro, dos temperamentos envolvidos (fator psicológico). Assim, a normalidade na formação das equipes tende para um indivíduo que preponderantemente estará responsável pelos bloqueios e, outro, pela defesa. Não se testou ainda qualquer coisa diferente até hoje. Isto leva os atletas a treinarem com afinco os fundamentos que lhe são específicos no momento do jogo, sem descurar, evidentemente, da preparação física, indispensável a todos, até mesmo pelo sistema de jogos consecutivos, muitas vezes no mesmo dia. Dessa forma alguns atletas sobrevivem ao tempo e até tornam-se campeões ainda que com pouca estatura, como é o caso no feminino de Jaqueline Silva (levantadora no indoor) e primeira campeã olímpica; Shelda, vice-campeã olímpica, de invejável currículo mundial e até hoje em atividade (com Ana Paula, no Mundial da Noruega). Na tentativa de tornar o jogo mais atraente, com ralis mais disputados, a FIVB houve por bem diminuir a área de jogo: dos 91m2 para os atuais 64m2. Uma providência que também contribuiu para a preservação do estado físico dos atletas. 

Atleta. Por que jogar VP? Qual objetivo? Com quem? Onde? Quanto é necessário investir? Com quem treinar? Por quanto tempo? Se os indivíduos pensassem antes de começar, talvez nem começassem, pois são tantas as dificuldades iniciais! Tenho uma intuição, por isto não científica. Creio que muitos jovens buscam uma afirmação – é próprio da idade – animada pelo clima que se cria em torno dos espetáculos.

VP e a metodologia. Pesquisa científica? Creio que não há. Pelo menos não conheço no Brasil. O meio universitário, que deveria contribuir para tal, e a própria entidade nacional são desacreditadas neste sentido. O empreguismo, as conveniências e outros desmandos contribuem para que as coisas se mantenham como estão. Se mudar periga a posição do servidor no seu emprego. A partir do ano 2000, a Confederação brasileira instituiu um curso para treinadores de praia, com níveis I e II, nos moldes da FIVB. Foi franqueado para professores e acadêmicos de Educação Física e a atletas (ou ex-atletas) de voleibol. Da noite para o dia foram impressos dezenas de exemplares de apostilas para instruir os alunos e convidados treinadores de renomados atletas campeões da especialidade. Nitidamente, no dizer de frequentadores de tal curso, houve uma pura e simples transposição dos dizeres do vôlei indoor para a praia. Alguns poucos treinadores relataram suas experiências, mas toda a metodologia foi “abortada” da quadra. Criticamente, todos estavam interessados no certificado que lhes permitiria participar das competições nacionais no banco da areia com seus pupilos e “fregueses”. Enquanto que, para a entidade nacional, tornou-se mais uma fonte de receita. Tenho minhas convicções – e poucas certezas – a respeito do que poderia vir a ser uma metodologia para o ensino do VP. Obviamente, considerados os dois primeiros aspectos quando se examina o assunto: a iniciação – formação dos atletas – e o treinamento de alto nível, este destinado a indivíduos profissionais. Para aprender algo, tornei-me voluntariamente um treinador de atletas de VP no início da década de 90. Foi um aprendizado salutar, pois a dupla que treinava tinha experiência de outros treinadores. Vivenciei todos aqueles momentos, ávido para conhecer seus efeitos. Aos poucos, e isto é comum no meio, conversávamos e discutíamos para encontrarmos melhores soluções para situações específicas. Percebi durante aqueles 9 meses ininterruptos (6 aulas semanais, 3h 30min/dia) como outros treinadores procediam e, a pouco e pouco, dei início à personalização ao meu modo de  ver e sentir as coisas. Ao presenciar algumas sessões nas praias cariocas constatei que os métodos empregados não fugiam ao roteiro das quadras (ginásios), com ligeiras adaptações quanto à circunstância do piso e o número de jogadores. Mas, em essência, o comportamento geral e o nível de exigências dos treinadores deixavam muito a desejar. Compreendi que, como eram sustentados (pagos) pelos atletas era natural que não fossem confrontados ou aborrecidos por qualquer pequeno detalhe, se é que tinham conhecimento dessas sutis miudezas técnicas.

VP e os jovens. Há algum tempo era preocupante para a diretoria técnica (indoor) da entidade nacional, a permissão concedida a atletas juvenis federados para participarem dos circuitos brasileiros de VP. Alegava que poderia haver um êxodo da quadra para a praia. Nunca houve. Tal como em Portugal, no Brasil muitos atletas que perdem a condição de juvenis pela idade não conseguem vaga nas equipes superiores. A federação criou alguns torneios com idades intermediárias para mantê-los em ação, mas não vingou, pois onerava os clubes, não havia disponibilidade de local para treinamentos, e um custo muito alto para logo a seguir, muitos atletas desistirem também por força de estudos – idade universitária – e primeiro emprego. Os que não querem estudar ou não conseguem empregos, tentam a sorte no novo empreendimento, a praia. Ou simplesmente, desistem do voleibol.

VP master. As praias cariocas permanecem pontilhadas de Redes (como são denominadas as quadras de jogo). Como se tem clima favorável joga-se o ano inteiro, todos os dias. Evidentemente, nos fins de semana há aglomeração, tantos são os candidatos a jogar uma “pelada” (gíria, partida, jogo, relativo a um set). Joga-se por diversão, puro lazer. Em Portugal, pelo que soube, existe um simpático grupo de master, presumo feminino, que se reúne e criam eventos na praia, tem até um site/blog. Achei formidável! Além disso, devo supor que o CPVP – Clube de Praticantes de Voleibol de Praia – também promova a modalidade.

Desporto escolar. Ao lançar o mini voleibol no Brasil, sugeri que o movimento tivesse origem nas escolas, o que custou a acontecer. Todavia, numa delas em minha cidade, consegui que formatassem o que denominaram “Recreio Alegre”. Consistiu em instalar no grande pátio ao ar livre, 13 quadras de minivoleibol e diversas tabelas (cestas) de basquete. Ficam à disposição dos alunos até hoje. Nenhum dos professores interfere nesta recreação voluntária totalmente consagrada e organizada pelos alunos. Eles mesmos constroem as regras do jogo, o rodízio de equipes e os torneios entre classes. Nunca lhes foi transmitido qualquer aprendizado técnico ou tático, no entanto, o professor/treinador das equipes do educandário declarou: “A partir da instalação das pequenas quadras a formação de equipes melhorou consideravelmente, pois os jovens já possuem um histórico do jogo”. Apesar de um deles vir a ser campeão mundial infanto-juvenil há algum tempo, a vitória maior da coordenação pedagógica foi a de oferecer oportunidades de desenvolvimento a TODOS os indivíduos com supervisão discretíssima, à distância, sem interferência ostensiva. Ter contribuído para a formação de um campeão foi um acidente. Numa visão maior, todos os que se locupletaram da atividade são os verdadeiros campeões. Outro aspecto refere-se à diminuição da violência na escola, pois convergem sua energia para o lazer. Recentemente, criaram sistema similar para o desenvolvimento da prática do badminton.  

Ineditismo. Em um outro educandário (4 mil alunos) experimentei uma outra experiência muito especial. É notório que o brasileiro só pensa em futebol, cultivamos a monocultura futebolística há muito tempo. Ao nascer, o filho homem é recebido com uma bola, que já começa a chutar enquanto mama. Na fase escolar oportunizam-se jogos frequentes nas aulas, nos recreios e torneios no fim de semana, estes sob os olhares atentos e vigilantes dos papais. As meninas, no entanto, não conseguem ultrapassar as barreiras discriminatórias que lhes foram impostas pela cultura machista e permanecem alijadas de uma atenção pedagógica eficiente dos docentes, os maiores responsáveis. Com um pouco de criatividade inseri-me junto a um dos professores e a partir de algumas demarches, conseguimos que a direção da escola autorizasse a criação de aulas extra-classe para alunos de 8-10 anos. Nesta primeira investida, 310 alunos aceitaram o convite. O problema, então, foi inverso: não havia espaço e horário para as aulas. Mas observou-se um comportamento inédito no recreio escolar: os meninos que até então só jogavam futebol nas balizas disponíveis, passaram a utilizá-las para jogar voleibol por conta própria. Creio que esta é a opção filosófica mais apropriada. Coaduna e satisfaz a Educação e a Iniciação Desportiva. Além disso, o que é feito para o voleibol pode ser feito para outros desportos. As opções são oferecidas e os alunos fazem as suas escolhas no devido tempo. O que reputo mais importante é que a ação seja planejada e organizada, auferindo e transmitindo crédito às pessoas – crianças e adultos. Para tal, é necessária ter experimentados vivências e muita segurança no “saber fazer”.

Importância de um Bom Ensino (II)

Lições de entrevistas

Sou um dos colaboradores do sovolei e deveras interessado no voleibol português. Acompanho suas notícias, entrevistas e resoluções desde 2005. Recentemente, meu interesse recaiu sobre entrevistas de dois de seus personagens atuantes. Reporto-me agora à entrevista de Valdir Sequeira em 25.3.2010, um dos atletas portugueses com mais sucesso e o único que no momento joga no mais competitivo campeonato da Europa. (www.sovolei.com/Entrevistasovolei). Com este texto, complemento os comentários da outra entrevista, do treinador e Professor de Educação Física português, Arlindo Miranda, sob o título “A Nossa Missão”, vinculada em www.sovolei.com/Zona7 em abril de 2010. Meus comentários estão neste Procrie/Fórum, sob o título “Importância de um Bom Ensino” (9.5.2010). Ao Valdir Sequeira, peço humildemente sua clemência por imiscuir-me em seus pensamentos e dizeres, mas tocou-me fundo sua espontaneidade e sinceridade. Imagino que após esta leitura poderá aquilatar mais propostas para o seu filhinho Valdir André. Perdoe este vovô distante. Lembrarei a todos sobre a pedagogia dos exercícios, metodologia e os cuidados de seu emprego não só no voleibol, mas em qualquer desporto. E mais, para o próprio desenvolvimento do indivíduo.

No Brasil, e penso que em muitos países, o ensino de qualquer desporto continua encontrando as mesmas dificuldades de outrora, isto é, sabe-se mais a respeito das técnicas de execução dos gestos, das táticas a empregar, de quase todos os ingredientes científicos, mas pouca atenção se dá – diria que nenhuma – aos primeiros aspectos da Formação dos futuros praticantes. Defino futuro praticante aquele indivíduo de pouca idade que se propõem a aprender algum tipo de esporte para o seu lazer e, quiçá, até como profissão. Em voleibol, como em qualquer outro desporto, o embasamento teórico está voltado para que as respectivas técnicas de execução dos gestos – as habilidades motoras específicas – devem ser aprendidas, aperfeiçoadas e exaustivamente treinadas por adestramento. Entretanto, essas habilidades motoras atuam em consonância com uma outra componente, a educação dos sentimentos ou do comportamento emocional, totalmente negligenciada.

“Educar sempre significa mudar”. Se não houvesse nada para mudar não haveria nada para educar. Que mudanças educativas devem realizar-se nos sentimentos? Todo sentimento é um mecanismo de reação, ou seja, é certa resposta do organismo a algum estímulo do meio. Logo, o mecanismo de educação dos sentimentos é, em linhas gerais, o mesmo para todas as demais reações. Estabelecendo estímulos diversos sempre podemos fechar novos vínculos entre a reação emocional e algum elemento do meio. A primeira ação educativa será a mudança daqueles estímulos com os quais está vinculada a reação. Este tema indica uma das regras psicológicas de suma importância: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. De outro modo se transformaria numa cansativa repetição, contra a qual se rebela o organismo. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”. Nas minhas práticas foi assim que procedi ao construir meus exercícios quando treinava solitariamente: tinha-os como verdadeiros desafios a serem conquistados com muita obstinação e esforço, plenamente recompensados. Nos treinamentos que realizei na minha carreira de treinador exigia individualmente o cumprimento de todas as fases do exercício, especialmente o ritmo, o que importava em repetição desde o início se houvesse algum deslize no seu desenvolvimento. E, detalhe, os companheiros não envolvidos acompanhavam toda a execução, apoiando e incentivando. Os exercícios tinham verdadeira produção teatral, ricos em plasticidade e descontração, traduzidas na alegria e satisfação dos indivíduos, inclusive, gerando plateia. Há alguns anos encontrei-me com um deles (em 1981 tinha 18 anos), que me agraciou com uma declaração demasiadamente generosa ao apresentar-me ao amigo: “Este foi o melhor e maior técnico que já tive”. Valeu a pena! Creio que na fase adulta de sua vida deve estar colocando em prática tudo que emocionalmente vivenciou naqueles tempos. Este é o verdadeiro campeão que buscamos!

Comentários e lições

O fato de ter passado na infância por outros desportos – atletismo, natação, basquete –, certamente contribuiu para a formação de uma memória motora ampla e variada. Em tese, para a prática do voleibol de alto rendimento requer-se um repertório de recursos técnicos somente possíveis para atletas que possuem memória motora compatível. Por isto os treinadores de seleções nacionais dizem sempre: ”Não há como treiná-los para refinar este ou aquele fundamento, pois estamos próximos da competição”. E acrescentam: “O erro vem da base (Formação)”. Pessoalmente tenho vários registros desse pensamento em diversas épocas. Alguns problemas estão detectados:

–    O treinamento precoce por adestramento surte os efeitos desejados, ou estaria agindo contra o próprio aprendizado?

–    O sistema de competições em que se valorizam os campeões em detrimento da grande maioria de vencidos, não seria mais desestimulante do que agregador?

–    A peneira – seleção e filtragem – de jovens aspirantes à prática competitiva, aliada à busca de indivíduos altos, não seria fator de limitação e desestímulo para milhares de crianças?

–    Como conciliar a prática desportiva com os estudos e o convívio social?

Essas observações nos convidam a examinar cada pensamento, cada palavra do jovem que se aproxima de qualquer desporto pela primeira vez. São os momentos de sua formação, em que cabe ao professor/treinador estar atento e bastante instruído para que não se percam possíveis candidatos pelo emprego de uma técnica de ensino inadequada. Como dissemos anteriormente, a metodologia do treinamento suscita uma das importantes regras psicológicas: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”.

(…) Bater parede… Exercitar-se contra uma parede é algo que traumatiza qualquer indivíduo, seja criança, jovem ou adulto. Era uma prática muito empregada no tênis, o famoso bater parede. É preciso muita força de vontade para superar tal castigo imposto a uma pessoa que está ali inicialmente para aprender a jogar e divertir-se. Todavia, entendo que muitos treinadores não dispõem de tempo para dedicar-se a este ou aquele candidato em determinadas fases de suas atividades à frente de uma equipe. Há momentos e brechas no calendário para fazê-lo com mais carinho e atenção. Mas jogar o indivíduo contra uma parede parece-me sádico. Já passei por esta situação quando tinha 20 anos. O treinador disse-me “Volte no início do ano que vem, pois agora estamos terminando nossas competições”. No ano seguinte encontrei-o como adversário num campeonato universitário brasileiro, pois ele também atuava. Surpreso, disse-me após o jogo em que perdera para a minha equipe: “Continuo esperando-o, volte lá”. Deve estar aguardando até hoje, pois nunca mais apareci. Receber a visita de um aspirante ao grupo é algo delicado, mas muito negligenciado pela maioria dos treinadores. Comparo ao atendimento de uma recepcionista numa grande empresa quando atende um telefonema. Como não sabe com quem está falando, torna-se o fiel da balança: dependendo de como atenda, a empresa poderá perder uma grande oportunidade de negócio. Há várias formas criativas de envolvermos um jovem iniciante entre os adultos de uma equipe, mesmo que ainda não possua uma técnica compatível com os demais. Mas nenhuma delas deve incluir a parede, ou o isolamento, pelo contrário, deve-se incentivar o maior contato com o grupo. Esteja sempre desperto para proceder da forma mais amistosa e carinhosa, ainda que isto seja motivo de mais trabalho. No futuro, certamente será recompensado. Resta aprender como fazê-lo de forma eficiente.

Treinos aborrecidos… Costuma-se dizer que “treino é coisa séria” e, então, não deve haver brincadeiras, falta de atenção ou empenho. A fase mais criativa de minha breve carreira de treinador foi em minha passagem por um clube carioca, em 1981. Conseguimos, todos nós – dirigentes, funcionários, atletas – formar um grupo coeso através da criatividade dos treinos. Mais ainda, ganhei o respeito e a admiração não só dos rapazes, mas da comunidade do voleibol, pois recebíamos diversos elogios pelas atuações nos campeonatos de que participamos. “Como foi possível”? Na maior parte, dando ludicidade aos treinos, conquistando a confiança, amizade e o respeito de todos, o que se traduziu em máxima atenção, empenho e dedicação. E um detalhe: na equipe adulta contávamos com quatro atletas juvenis eficientíssimos (18 anos). Isto sugere progressos e novas exigências, além de um significado pedagógico: todo caso de plena satisfação com os resultados acarreta certas mudanças no mecanismo nervoso da adaptação. Sugere ainda que apenas uma simples repetição ainda não assegura o momento do êxito, uma vez que só a execução bem sucedida de alguma ação propicia a formação da organização desejável no sistema nervoso central. Se o mesmo movimento se repete a cada instante, a exaustão leva a resultados insatisfatórios que impedem diretamente a formação de novos caminhos de menor resistência. Este pequeno grande detalhe nos leva a tergiversações infindáveis. Todos já devem ter assistido em cursos ou treinamentos de adultos a aplicação de inumeráveis exercícios objetivando este ou aquele elemento do jogo, implicando um ou mais jogadores, numa sequência às vezes variada de movimentos repetitivos. Por exemplo, assistindo um dos treinos de seleção brasileira (não me recordo o ano), analisei a sua construção e o seu objetivo. Era um treino de defesa individualizado para jogadores que, invariavelmente, ocupam a mesma posição ou área da quadra (I e II). No caso em questão tratava-se de atletas especialistas em ataques de “saída de rede”. Eram dois que se revezavam a cada ciclo de cortadas produzidas por três auxiliares situados no outro campo, posicionados sobre uma mesa; cada um deles nas posições de ataque convencionais. Invariavelmente, os ataques se sucediam em profusão, mas em constante monotonia, o que me pareceu comprometer a validade (qualidade) dos exercícios. Acertos ou erros, especialmente estes, não tinham o necessário diálogo entre treinador e atleta. Assim, cumpriu-se o ritual do treinamento (50 vezes), mas não creio que aqueles dois indivíduos tenham acrescentado qualquer aspecto de desenvolvimento no quesito defesa. Mas saíram bem cansados e, pior, teriam que repetir a mesma coisa nos dias seguintes. A meu ver, não acrescentaram nada ao seu cabedal técnico que, com certeza, não incluía saber defender. Lembrei-me do saudoso Adolfo Guilherme (Minas T. C.), que em 1966 à beira da piscina do Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, me dizia após nosso jogo pelo campeonato de clubes campeões: “Não sei o que vocês de Niterói fazem (treinos), mas sempre encontramos muitas dificuldades para levá-los de vencida; como defendem”! Uma de nossas vantagens sabia ele, é que atuávamos impreterivelmente duas vezes na semana no voleibol de praia de forma descontraída e moleque.

(…) Melhor modo para aprender as bases do voleibol. Faço este destaque porque se trata de uma observação de um atleta experimentado, com 28 anos de idade, com passagens por diversas equipes do melhor campeonato do mundo, o italiano. Imagino que ele tenha presenciado métodos mais condizentes do que bater parede e não queira colocá-lo uma vez mais para os aspirantes ao voleibol? Qual seria, então, o melhor modo de se aprender as bases do jogo?

(…) As motivações... Percebe-se a influência dos grandes eventos na conquista de novos adeptos para um desporto. Os japoneses, marqueteiros por excelência, muito contribuíram para a divulgação do voleibol no mundo graças à atuação de Matsudaira nas décadas de 60 e 70, quando revolucionaram as técnicas do voleibol, foram campeões olímpicos – feminino e masculino –, além de encantarem o mundo com o seu “Circo”. Em 1975 (ou76?) ele esteve no Rio de Janeiro onde realizou um curso. Junto, deixou conosco um curta metragem sobre como foi feito o seu “plano de treinamento de oito anos” para transformar o Japão numa potência olímpica no voleibol. Posteriormente, fui o único no Brasil a ter acesso ao filme e, sempre que podia, levava-o a escolas e clubes para exibi-lo, inclusive com comentários. Hoje transformei-o em DVD. Assim, entendi que quanto mais pompa, mais envolvimento de pessoas e um trabalho correto, sério, mais adeptos vamos cooptar para o desporto. Pensando dessa forma, construí projetos em praias para até 400 crianças simultaneamente. Em 1991, projetei para a CBV curso para 1.200 crianças por várias praias do Brasil. Sucesso absoluto!

(…) Superação diária nos treinos… Pode ocorrer que o que se está propondo fazer não é o melhor para o indivíduo, invariavelmente, um padrão de comportamentos estereotipados, receitas técnicas, ou como dizemos por aqui, receitas de bolo. Quase sempre não há diálogo entre treinador e atleta, o que acarreta uma simples imposição dos exercícios, tornando uma repetição cansativa que invariavelmente leva ao cansaço e ao descaso. Despertar o interesse do indivíduo por uma tarefa é torná-lo corresponsável por ela, senão o único a executá-la, corrigir-se até que atinja a perfeita técnica da sua execução. Este deve ser o seu objetivo e prêmio: aperfeiçoar-se e descobrir novos desafios. Assim, treinar com nível de exigência definido e acessível é diferente de repetir exercícios, onde o nível de exigência é quase sempre relegado. A isto se chama Treino Profundo (ou de Qualidade). Destacam-se dois aspectos: 1) O indivíduo não é levado a pensar para decidir sobre a nova situação.  2) Sendo repetitivos, tornam-se exaustivos e, então, em que ponto devemos evitá-los?

(…) Antes de decidirem… pelo voleibol, quero que estudem e que terminem os estudos. Sábias palavras! Para não cansá-los em demasia, deixo meu testemunho: abdiquei de figurar na seleção brasileira na década de 60 (tinha 22 anos) em favor da opção de estudar, trabalhar no Banco do Brasil e constituir minha família. Continuei a prática do voleibol em clubes, cursei a Universidade, realizei pós-graduação em Técnica de Voleibol e tornei-me especialista na Formação, sendo pioneiro do mini voleibol no Brasil. Visitem www.procrie.com.br

Voleibol na Escola (XI)

Iniciação & Formação. Problemas e Soluções

20) A treinadora e a líder

A ideia de liderança chegou ao séc. XXI carregada de poder. Seu papel sempre foi o de assegurar o cumprimento de metas, mesmo à custa de força. O líder era apenas uma imposição unilateral com vistas à realização plena de objetivos pretendidos. Ocorre que os tempos mudaram e todos os objetivos se tornaram obsoletos. Tivemos que nos adequar às exigências de um mundo mais competitivo e o que antes era apenas um bando de subordinados, passou a ser visto como um manancial produtivo. Esta ascensão do bando à categoria de grupo implicou a contrapartida do prazer, ou seja, trazer fragmentos do prazer futuro para o presente.

A treinadora – É essencialmente uma provedora de competências para que  outrem transforme essas competências em ações e produza resultados. A treinadora é aquela pessoa que acompanha o desenvolvimento das lideradas, dando-lhes suporte nos momentos difíceis e estimulando-as a avançar continuamente para a sua própria realização pessoal. Desta forma, a treinadora não leva ninguém a fazer por obrigação, mas induz a fazer porque é necessário fazer para crescer, para desfrutar intimamente a vida. A treinadora é a líder que deixou de ser o centro da equipe e se transferiu para fora dela. Em essência, a distinção entre a líder tradicional e a treinadora é o papel que esta assume quando se compromete a apoiar alguém a atingir determinada meta ou objetivo. Ela não se compromete apenas com os resultados, diferentemente do que ocorre com a líder tradicional.

A prática da aprendizagem – Uma questão que se coloca constantemente para discussão é o papel da professora no processo educacional. Durante muitos anos a professora foi sábia e inquestionável. Ela detinha o poder de decidir sobre destinos e tomava para si a obrigação e o dever de ensinar, exigindo em contrapartida, que a aluna aprendesse. Periodicamente, ela avaliava suas alunas e distribuía notas que premiavam ou puniam de acordo com a sua visão unilateral do processo. Felizmente, as coisas começam a tomar novos rumos e hoje já ninguém estranha mais quando ela sai do pedestal e vai para os braços da galera. Porque ela descobriu que assim a aluna aprende melhor.

Como suas aulas podem ganhar mais qualidade? – Unir o conhecimento acadêmico às modernas tecnologias de gestão do treinamento é a chave para que as professoras e estudantes alcancem resultados positivos na área de QUALIDADE e, por extensão, aumento de PRODUTIVIDADE.

Aulas e treinos – Chegar sempre antes das alunas. Mostrar-se feliz, divertindo-se consigo mesma e com o que a encanta – o processo de dar uma aula ou treino. Ser a mais natural possível. Ter talento para o palco, isto é, ser mais do que uma professora – uma show woman – para quem o auditório é o teatro e você a atriz responsável por oferecer drama além de tecnicismo. Descubra primeiro por que quer que as alunas aprendam o tema e o que quer que saibam, o método resultará mais ou menos por senso comum. Lembre-se que o objetivo primordial deve ser o de gerar dúvida para criar conhecimento real. Perceber que o melhor ensino só pode ser praticado quando há uma relação individual entre uma estudante e uma boa professora; uma situação em que a estudante discute as ideias, pensa sobre as coisas e fala sobre elas. É impossível aprender muito apenas sentada ou mesmo, resolvendo problemas propostos.

Para acertar nas aulas – A aula deve ser uma vitrine com a função de despertar o impulso de divertir-se na criança através da exposição atraente e tecnicamente correta dos exercícios e jogos. Mais do que tudo, a apresentação da professora e o visual da aula são responsáveis por transmitir conceitos. A boa aula aposta no equilíbrio e na programação e a criatividade é apenas o tempero na aula bem executada. Mas, lembre-se, uma aula pode estar esteticamente bonita e conter erros técnicos.

Os limites – As crianças e mesmo as adolescentes têm um limite que não deve ser ultrapassado sob pena de graves consequências posteriores. Não adianta forçar, ou melhor, seria até criminoso fazê-lo, devido às sequelas que podem advir deste comportamento. As professoras e treinadoras não devem tratar suas alunas ou atletas como mero objeto ou instrumento do seu querer, mas como um indivíduo em formação, cuidando e zelando para que nada lhe falte ou aconteça, sem os paparicos excessivos, mas com todo carinho, atenção e respeito.

O que você tem que saber antes de iniciar o seu planejamento. Eis cinco princípios para se construir uma boa programação:

Planejamento – antecipar as principais necessidades de informações e material. Suas alunas significam muito para você e o seu trabalho. Pense em tudo o que elas podem trazer de oportunidade para a sua aula.

Admita a sua incompetência – Além de planejar cuidadosamente as suas aulas, você deve manter-se receptiva para permitir mudanças futuras. É impossível não ter que mudar o seu pensamento! Afinal, as alunas mudam!

Comece já! – Não postergue a implantação de um planejamento por querer chegar à estrutura final da primeira vez. A maioria das professoras nem chega a implantar porque não aperfeiçoou suficientemente o programa. Esqueça a perfeição. Implante, tente e você vai estar à frente das demais.

Você não é a mãe, é a madrinha – Envolva o maior número possível de pessoas no projeto, principalmente a sua equipe. É delas que virá a maioria das informações. Elas serão o fator chave do sucesso do programa. Se elas não quiserem, nada vai acontecer.

Planejamento dá retorno – Meça tudo desde o início, principalmente o antes; aos poucos o resultado vai aparecendo e você vai valorizar o investimento. Nada dá mais retorno que investir no relacionamento e em conhecer as alunas.  

  • E os custos que um programa certamente envolve?
  • Os principais custos de implantação – tudo que está envolvido na coleta de dados e custos do processo – você terá que resolver com criatividade e um bom relacionamento. “Mas o maior custo mesmo é demorar para implementar”.

21) Como motivar uma equipe?

Quando estimulamos uma pessoa a realizar determinada tarefa ou a perseguir um objetivo – “Vamos lá! Você vai conseguir!” – na verdade estamos criando uma situação de prazer provocado pela percepção do afeto que age diretamente sobre a inteligência como um todo. Da mesma forma, quando apresentamos uma imagem real de sofrimento futuro, criamos uma situação de desprazer de tal intensidade que impele a pessoa a reagir contra o destino. Assim de uma ou de outra forma, estamos provocando uma reação compatível. E isso é motivar.

Motivar é cumpliciar-se – É tornar-se parceira no sonho quando a coisa é para ser sonhada; é tornar-se parceira na luta quando a coisa é para ser lutada. Os sonhos são fins que idealizamos atingir mesmo antes de conhecer o percurso ou de estarmos competentes para realizá-lo. Porém são válidos por que são referenciais registrados na mente, normalmente com forte carga emocional. Assim, quando criamos um sonho para alguém, estamos plantando uma referência emocional na sua mente.

Elogio e aprendizagem – Dizendo que a pessoa é bonita, inteligente, simpática, estamos transmitindo uma mensagem emocionalmente positiva, eficaz. Esse tipo de mensagem ativa o sistema límbico que identifica como mensagem prazerosa e a registra, incorporando-a à imagem anteriormente definida. Daí a importância fundamental do elogio na aprendizagem. Uma criança permanentemente estimulada com elogios tem muito mais chance de êxito na escola do que as que são constantemente criticadas. O elogio estimula, ajuda a compor uma auto-imagem positiva. A crítica, ao contrário, desestimula, projeta uma auto-imagem negativa.

Auto-imagem – Pode-se afirmar que o primeiro passo a ser dado por quem deseja reformular sua própria imagem interpessoal é valorizar a sua auto-imagem, fornecendo à mente informações positivas a seu respeito. Tudo o que informamos à nossa mente ela registra como verdadeiro. Assim, jamais emita uma opinião desfavorável a seu próprio respeito. Nunca admita, mesmo que intimamente, que é incompetente, incapaz, feia, antipática, fracassada. Não se veja jamais como uma derrotada, veja-se sempre como uma vencedora, cheia de glórias, prêmios e reconhecimentos. Repita para você mesma quantas vezes puder: eu sou inteligente, eu sou criativa, eu sou uma vencedora. Tenha certeza de que a sua mente vai entender isso como real e vai incorporar tais informações à sua imagem e modificar sua relação com o mundo externo. Antes de enfrentar qualquer desafio, imagine-se vitoriosa ao final. Projete uma imagem de sucesso e a sua mente cuidará de encaminhá-la para tal destino. Seja clara e precisa ao informar à sua mente a imagem que pretende ter. Jamais passe imagens fragmentadas ou indecisas. Sua mente registra a informação do jeito que esta chega até ela. Portanto, seja absolutamente clara. Quanto mais precisar as informações, mais definida será a sua imagem e, por conseguinte, mais definido será o caminho. Durante sua atuação, especialmente na área de motivação e sucesso, tenha sempre a preocupação fundamental de fortalecer a auto-imagem das suas alunas, antes mesmo de entrar na matéria propriamente dita. Os resultados são realmente surpreendentes.

Voleibol na Escola (X)

 Iniciação & Formação. Problemas e Soluções

17) De novo a levantadora, agora numa equipe de competição.

Se todos os passes devem ter o mesmo endereço (da levantadora), não é difícil imaginar a sua importância para uma equipe. Costuma-se dizer que é o seu cérebro. Quem deve atacar? De onde? A distribuição das bolas, as combinações de ataque, as fintas, a observação das bloqueadoras, o rendimento das suas parceiras, a técnica individual, o equilíbrio das decisões nas horas difíceis, tudo são momentos rápidos e necessariamente precisos de uma levantadora numa equipe de nível relativo. Dada à responsabilidade de seus atos torna-se necessário um treinamento exaustivo e diferenciado das demais jogadoras. As características da função traduzem-se no seu equilíbrio emocional e em algumas habilidades intrínsecas, tais como excelente domínio da técnica do toque alto, visão periférica, força de salto para bloqueio e velocidade nos movimentos para a chegada nas bolas mal passadas. Ela deve conhecer muito bem suas companheiras de equipe, saber quem possui o necessário equilíbrio nas horas difíceis, confiar em quem pode decidir com um ataque e, se necessário, orientar essa atacante para onde dirigir sua cortada. Fora da quadra, deve ser conselheira, comedida, singela e uma moça que inspire tranquilidade, calma e confiança. Deve ser amiga de todas as suas companheiras.

18) Percebendo a equipe adversária

TODAS as ações e movimentos da equipe adversária, sem exceção, devem ser acompanhados atentamente por mais de uma observadora. As figuras principais desse trabalho são a própria treinadora e a levantadora (ou capitã) da equipe. Isto implica que qualquer detalhe deve ser levado discretamente ao conhecimento de ambas para elaboração e subsídio de futuras decisões que serão tomadas durante a partida. As observações têm início a partir da chegada da equipe à quadra, durante o aquecimento, com ou sem bola, a todo instante. Qualquer detalhe pode ser importante num momento de decisão, pois traduz como pensa e age a sua treinadora. Transmite informações valiosas da sua personalidade que identificam o seu pensar e o seu agir durante a partida, inclusive sobre suas possíveis decisões: “A equipe é reflexo de sua treinadora”. É um verdadeiro trabalho de espionagem, em que se procuram migalhas de informações. As auxiliares, se houver, cuidam dos detalhes de aquecimento e preparação das demais atletas. Caso não as tenha, a treinadora deve realizar aulas de esclarecimento de como se aquecer sozinhas. É fácil e muito importante para a equipe, pois transmite autonomia e segurança (ver item 19, A treinadora).

Durante a partida, as observações devem ser realizadas a cada jogada de ataque, percebendo-se em rápidos e sucessivos olhares, como se posiciona a equipe adversária e quais os seus pontos falhos – melhor bloqueadora, pior defensora, atleta mais temperamental, a mais nervosa e, principalmente, onde se posiciona a levantadora. “Se não pode derrotar o inimigo, alie-se a ele” – esta é uma máxima que, guardadas algumas proporções, podemos traduzir para o nosso dia a dia de outra forma: se conhecermos bem as nossas adversárias saberemos do que são capazes – suas virtudes e fraquezas – e isto pode nos tornar mais fortes.

19) A professora e a treinadora

Para tornar um grupo de garotas numa equipe com forte personalidade e vencedora, não basta ensinar-lhes os fundamentos e as táticas mais sofisticadas do voleibol. Compete à treinadora dar-lhe também a necessária autonomia para tomar decisões inevitáveis durante as partidas mais difíceis e para a vida, em geral. Como fazê-lo? O que deve ser evitado? Não existem receitas prontas e muito menos donas da verdade. Existem  pessoas que já passaram por diversas experiências em circunstâncias as mais variadas e que, por isso, adquiriram alguns ensinamentos emanados das soluções e respostas que assumiram naqueles momentos. Ao longo de uma dezena de anos de vida esportiva em todos os níveis a que um jogador pode chegar, concluí:

  • As pessoas são as mesmas e têm os mesmos anseios e aptidões de outrora;
  • Atualmente encontram-se muito mais problemas de instabilidade emocional;
  • Melhoraram e foram aperfeiçoadas formas de treinamento; o esporte por esporte não tem lugar em certos grupos;
  • A competição pela vida está mais acirrada.

Tudo isto e, possivelmente muito mais, é atirado sobre as pequenas alunas ou atletas, cobrando-se-lhes ainda vitórias, pois o paradigma moderno é “VENCER ou VENCER”, não importa como. Basta ver as inocentes partidas de qualquer esporte na sua escola, com os seus próprios filhos. As TVs contribuem em muito quando dão destaque às cenas de violência, os métodos empregados e uma super valorização do desportista que alcança o pódio. É o culto do “herói nacional”. A professora numa escola ou a treinadora de equipes iniciantes num clube têm pouca chance de desenvolver qualquer modalidade esportiva com apoio da entidade. Sobrevivem graças à sua persistência e obstinação. E isto implica em sacrifícios muitas vezes irreparáveis, uma vez que para atender a uns, inevitavelmente negligenciará com outros. E fico a imaginar o caso das mulheres, esposas e mães, professoras e treinadoras. É quase impossível conciliar tantos afazeres, muito embora tenham uma inteligência emocional bastante desenvolvida, inclusive em escala maior que a dos homens.

Como fazer? – Como é difícil dizer algo a respeito uma vez que cada caso é um caso e, dificilmente alguém, mesmo com a maior experiência do mundo, poderá aconselhar a professora que tem dificuldades ou problemas inusitados e intransponíveis em muitos momentos. Além disso, soluções aplicadas em certas regiões ou comunidades com relativo sucesso, necessariamente não correspondem ao que deva ser empregado em outro grupo. Aspectos culturais, sociais, religiosos e de todas as espécies contribuem para fazer a distinção entre grupos humanos. Sem considerar as características pessoais dos indivíduos e suas relações com a coletividade. Mas isto não me desanima em buscar soluções, pelo contrário. Então, vamos a elas!

Uma sugestão – e não uma receita – seria que se estabelecessem algumas metas a serem atingidas e perfeitamente alcançáveis pelo grupo durante um período estabelecido em comum acordo com as alunas. Quanto mais pessoas envolvidas no propósito, melhor. O fato de uma só assumir todas as tarefas facilita de um lado – não há discussões, é impositivo. Por outro, dificulta em futuros relacionamentos e aspirações, produzindo-se mais facilmente os inevitáveis conflitos de opiniões e a formação de partidos, que acabam com a unidade do grupo. E há ainda a possibilidade de alguém mudar de ideia, trocar de interesse e desistir da tarefa. Como ficam as demais pessoas?

Quando dizemos um grupo, estamos nos referindo a uma grande coletividade – as escolas de um município, com seus alunos, pais e professores. Se conseguirem formar uma unidade de pensamento e aspirações em torno de um programa construído por eles mesmos, terão dado o primeiro grande passo no seu crescimento. (Veja tb no item 20,  “O que você tem que saber antes de iniciar o seu planejamento”)

O quê deve ser evitado? – As tentativas isoladas não se perpetuam no tempo e tendem a esvair-se rapidamente. Abdicar de qualquer vaidade, tornar-se simples e convencer seus pares e colegas que, JUNTOS, poderão tudo. Sozinha, é apenas mais uma tentativa que não vingou. A vida está repleta de exemplos, a literatura, os psicólogos e toda uma gama de conselheiros ensinam lições de solidariedade e união para se caminhar numa direção de realização maior. A competição pela vida, a garantia de seu trabalho ou emprego, o seu dia a dia, tudo impõe condições estressantes às pessoas que se protegem em casulos. Estes são verdadeiros muros de proteção aos seus interesses imediatos sob o manto da competência ou soberba, agredindo a maioria das vezes a quem se aproxima não importa com que intenção. Quando conseguem parte do que querem, colocam-se num pedestal tão alto que é impossível qualquer diálogo ou união de propósitos: parece que estão todos contra. ” Eu estou certa e o mundo que se dane…” O afastamento das colegas gera um isolamento que não leva a lugar algum. Pelo contrário, depõe contra a profissão e sua atuação educativa. O que esperar da professora que nem as suas próprias colegas conseguem trabalhar juntas?