Como é do conhecimento de muitos, sou um dos colaboradores no sítio português Sovolei, em que até bem pouco tempo procurava suscitar nos amantes e interessados no voleibol uma posição mais participativa e criativa nos destinos do esporte no país. Na quarta-feira, 29 de fevereiro, o Sovolei publicou uma entrevista com Rogério Lopes, brasileiro, treinador da equipe masculina de 1ª Divisão da Associação Acadêmica de Espinho, presente no campeonato nacional de Portugal. A íntegra pode ser vista em www.sovolei.com/rogeriolopesementrevista/
Valor do sotaque
Durante um período, produzi alguns comentários invasivos e provocativos para descobrir-lhes o pensamento e se seriam capazes de reagir ao futuro sombrio que se avizinhava. Fui rechaçado duas vezes, ao me declararem incapaz, pois não conheço os meandros que cercam a atividade – administrativa e política – com certeza. Com humildade declarei-me incompetente para a tarefa que venho pregando há muito tempo, justo porque me interessei pela Internet em conhecer o que era dito ao pé do ouvido. Isto é, acompanhei o primeiro Congresso Nacional Desportivo criado pelo Governo no período de dez./2005 a fev./2006, em que foi dado aos interessados participarem com suas sugestões e conselhos. Infelizmente, NADA foi acrescentado à política desportiva desde então. Pelo contrário, os problemas se agravaram ainda mais com a recessão econômica. Acrescente-se, nesses dias, o caos que está estabelecido devido inclusive a compromissos com a Comunidade Europeia. Vejam a seguir o que diz um treinador brasileiro residente há muito no país e, presumo, com liberdade para se expressar independentemente. Alguns poucos patrícios conferiram-lhe aplausos e solidariedade. Mas, até então, nenhum refutou ou censurou-o pela atitude. Rezo para que saibam ultrapassar essa fase tão danosa sem ajuda externa, pois imagino que estão conscientes do que ocorre e os prognósticos para o voleibol. Tomara!
Rogério Lopes em entrevista – Resumo
Das questões colocadas ao treinador, sobressaem alguns aspectos que nos falam a respeito das condições atuais que o voleibol e outros desportos – exceção talvez ao futebol – estão a sofrer pela situação da economia do país e de todo o continente. Inicialmente toca em dificuldades orçamentais que comprometem o “apuramento” da equipe. Com o passar dos jogos percebeu que seria possível atingir o objetivo de classificar-se entre os 6 primeiros para o torneio final. Relata a camaradagem e o empenho como principais características do desempenho. E ainda mais: “É muito complicado você gerir uma equipa, onde mais de metade dos jogadores jogam por gosto e não ganham nada (a equipa está mesclada de jogadores experientes e novos).
Para Rogério Lopes as principais dificuldades sentidas pelo seu clube para se manter entre os primeiros escalões nacionais está na área financeira: “É difícil você lutar com equipas que prometem mundos e fundos aos jogadores e depois não cumprem. Mais de metade das equipas, vivem muito acima das suas possibilidades e quando você percebe que equipas que não pagam os salários em dia, mas que mesmo assim, ainda contratam mais jogadores antes de acabar as inscrições, a luta é desleal. Já estou em Portugal há mais de 20 anos e cada ano que passa as coisas estão piores. Os clubes e os seus responsáveis parecem que ainda não acordaram para a nova realidade que estamos e ainda continuam a fazer loucuras e a prometer o que não tem“.
Ao final, deixa uma previsão de futuro sombrio para o voleibol em Portugal, mas que nos dá a justa medida de como lá andam as coisas: “Vejo com muito receio. Quando cheguei em Portugal em 1991, o nível era muito melhor e as equipas tinham melhores condições. O nível do voleibol em Portugal baixou muito nos últimos anos, dado as dificuldades financeiras vivida pelos clubes. Os melhores jogadores são impossíveis de se contratar e os poucos bons que ainda aqui estão, não querem renovar os seus contratos, com medo de continuar a não receber o que tem direito. Há situações, como a que se tem passado na Madeira, e NÃO SÓ, que não é de agora! Pelo que se sabe, há jogadores e treinadores, que tem dinheiro de 2 anos atrás para receber e os clubes e a própria Federação, continuam a agir como se nada tivesse a acontecer. Ou as pessoas acordam e encaram a realidade como ela é, ou vamos continuar a regredir cada vez mais. Não podemos continuar a ter um campeonato só de 7 meses e achar que a modalidade esta no bom caminho. A seleção tem alcançado alguns bons resultados, à custa de muito trabalho, mas também por ter 5 meses os atletas concentrados só a treinar e jogar. Quem paga com isso são os clubes e os jogadores que não são convocados, mas principalmente o voleibol, que a cada dia tem menos recursos e muito pouco para oferecer aos poucos patrocinadores que ainda existem. Dado o pouco tempo e interesse, que um campeonato tão curto pode oferecer. A prioridade tinha que ser dada aos clubes e ao campeonato nacional. Os jogadores que não vão a seleção, ficam quase 5 meses sem fazer nada, a não ser brincar na praia. Desculpem o desabafo, mas já ando no voleibol a há mais de 30 anos e custa-me ver o rumo que as coisas estão a tomar. Há que se fazer uma grande reflexão sobre o assunto ou vamos continuar a brincar de treinadores e jogadores de voleibol nos próximos tempos…”
Atletas brasileiros
Alguns comentários no sítio reforçam a posição corajosa do treinador, inclusive sobre a participação de atletas – homens e mulheres – brasileiros presentes há algum tempo no voleibol português nada alvissareiros. Os problemas financeiros agravados pela crise europeia deixam a descoberto os salários, em alguns casos há pelo menos dois anos e, tendo-se ainda comentado: (…) “como disse um jogador brasileiro sobre o clube onde jogava, eles fingem que me pagam, eu finjo que jogo”. Por último, em outro aparte, (…) “de ano para ano o nível desce e há equipas a prometer o que não cumprem e passam impunes; parece que quem manda não quer credibilizar a modalidade. Devemos preocupar em crescer de forma sustentada. Façamos algo positivo pelo voleibol português”.
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Anteriormente a esse desabafo de Rogerio Lopes, houve uma breve discussão quando da notícia sobre atletas brasileiras que se despediam de uma agremiação portuguesa, o C. A. Trofa. Um dos dirigentes do Sovolei concluiu com muito bom senso sobre a discussão que se deu conta: “Efectivamente os clubes incumpridores prejudicam não só atletas e técnicos, como também os clubes que cumprem e a modalidade em si. Mas a realidade é esta: Não deve haver mais do que 1 ou 2 clubes (de entre as mais de 20 equipas da 1ª divisão) que cumpram. E sendo assim, o impedimento de inscrever equipas faria com que não houvesse campeonato. Outra solução tem de ser arranjada, já que a meu ver, não termos campeonatos não é solução. Cabe ao orgão que dirige a modalidade fazer algo por ela. Doutra forma, em breve desaparecerá ao nível profissional.”
Nota: transcrição de textos de autores portugueses em pt de Portugal.
