
Será que um técnico de futebol – Guardiola, José Mourinho, Carlos Alberto Parreira – conseguiria conversar sobre metodologia de treinamento no voleibol com o Bernardinho ou José Roberto? E, ao contrário, estes últimos seriam capazes de analisar um treinamento ou comentar uma partida de futebol? E todos eles, e VOCÊ que me lê neste momento, o que teriam a dizer sobre o treinamento de FORMAÇÃO de atletas, não importa o desporto? Salvo raríssimas exceções, quem sabe o que está realizando com os jovens? Será que o ensino universitário, o cursinho ou a própria prática são suficientes para um bom desempenho do orientador?
Faço parte de uma Comunidade de Esportes Virtual (CEV) que congrega milhares de professores e interessados constituindo-se no maior Fórum no Brasil. Ali são expostas notícias, comentários, dúvidas, de forma democrática e elegante, que deixam a todos confortáveis para o debate. Aliás, iniciei-me no CEV para só então criar algum tempo depois o Procrie. Foi uma excelente escola para mim. Por estes dias (11/jan.2012) mais uma vez veio à baila o assunto ventilado em relação ao jogo Barcelona e Santos pelo mundial de clubes. Agora, diretamente ao assunto “Aproveitamento de Juniores nas Equipes Profissionais”, postado por Daniel A. R. Koscak. Eis a seguir nosso diálogo bastante frutuoso.
Daniel Koscak – A equipe campeã do mundial interclubes da FIFA 2011, esse time do Barcelona que enche os olhos dos espectadores, nos faz pensar sobre o aproveitamento das categorias de base, na equipe principal. Um time que possui mais da metade de seus atletas titulares oriundos das categorias de base, é algo para se impressionar e se seguir o modelo. Ainda mais quando se trata de um modelo adotado há mais de 30 anos, e que vem apresentar seus resultados no fim da década passada e início dessa década, e que contraria os princípios de nosso futebol nacional, o qual se discute a qualidade atual e o futuro em uma próxima Copa do Mundo. Apesar de termos equipes que investem de forma significativa nas categorias de base, a transição juniores-profissional em muitas delas não ocorre de forma adequada, a meu ver, colocando em xeque o desempenho e muitas vezes até o futuro de atletas com qualidade que são desaprovados na equipe profissional. Tome-se o exemplo da equipe do Corinthians, bicampeão mundial sub-17 vencendo a equipe do Barcelona em ambas finais. Não se veem os atletas serem aproveitados na equipe profissional, (o time campeão brasileiro em 2011 possuía como titular apenas o goleiro Julio Cesar formado nas categorias de base) ao contrário da equipe catalã. Fora a questão de que o lucro com atletas formados na base é muito maior do que se contratarem atletas profissionais. Não estou dizendo que não se deve contratar, mas o lucro quando o atleta vem da base é muito maior, e pode superar os investimentos feitos. Lembro-me da venda do zagueiro Breno ao futebol alemão, que na época rendeu aos cofres do São Paulo uma quantia que permitia construir mais de um CT como o de Cotia. Se for uma questão de modelo de gestão, e de cultura, ainda é possível mudar, pois talentos nosso país tem de sobra, e isso é indiscutível, mas hão de ser lapidados, e hoje em dia infelizmente (ou felizmente), somente isso já não é necessário para ser o maior país do mundo no futebol e vencer campeonatos.
Roberto Pimentel – (com base no livro “O código do talento”, de Daniel Coyle)
Qualquer discussão sobre o processo de aquisição de habilidades deve levar em conta um misto de descrença, admiração e inveja intensas que sentimos quando vemos um talento aparentemente saído do nada. É um sentimento que nos leva a perguntar: “De onde veio aquilo“? Como esses indivíduos, que parecem ser iguais a nós, de repente se tornam tão talentosos? Em seu livro Coyle recorre a um professor de matemática frustrado, Adriaan Dingeman De Groot, nascido em 1914, psicólogo holandês. Após alguns estudos, testes e experiências comprovou na prática que “a diferença entre alguém que compreendia uma linguagem e alguém que a desconhecia era uma diferença de organização”. Assim, a habilidade consiste em identificar elementos importantes e agrupá-los num sistema significativo. Esse tipo de organização em blocos maiores e carregados de sentido é o que os psicólogos chamam de chunking. A pesquisa científica tem mostrado como as habilidades são construídas por pedaços e também se aplicam às ações físicas, como um ginasta aprende exercícios de solo quando monta e interliga seus blocos, eles próprios feitos de outros blocos. Ele agrupa vários movimentos musculares do mesmo modo como agrupamos várias letras para formar qualquer palavra. De Groot publicou seu estudo em 1946, sem nenhuma repercussão. O trabalho do psicólogo holandês foi descoberto 20 anos depois por Anders Ericsson, que reconheceu De Groot como um pioneiro da psicologia cognitiva. Quer me parecer que outro holandês – Johan Cruijff – logo após o retumbante sucesso da metodologia empregada pela seleção de seu país em 1974 com o técnico Rinus Michels, dispôs-se a desenvolvê-la na formação de novos atletas a partir de sua instituição voltada para o futebol. Repare que o efeito mostrado pela equipe atual do Barcelona não exclui o talento, muito ao contrário, cria condições para que ele se manifeste e desenvolva, a partir da contínua posse de bola, uma vez que a equipe atua em bloco e determinada a impedir que o adversário jogue. Por outro lado, uma equipe que atue à base de dois ou três atletas (Santos) ficará impedida de efetuar suas principais jogadas, uma vez que não consegue neutralizar a eficiente marcação sob pressão em todo o campo de jogo. Possivelmente seja uma explicação por que o Messi não consegue atuar tão bem quando no selecionado argentino.
“Cruijff construiu o edifício e os técnicos do Barça que o sucederam apenas trataram de restaurá-lo e reformá-lo”. (Josep Guardiola) “Se, atualmente, há no futebol jogadores polivalentes que podem atuar sem posição fixa no campo, sem prejuízo de suas atuações individuais, muito se deve a este genial craque e não menos a seu treinador no Ajax, Barcelona e na Seleção Neerlandesa, Rinus Michels”. (Wikipédia)
Como poderá concluir, basta lembrar ou observar ainda hoje como são instruídos os nossos jovens atletas. Aliás, parece-me que a Confederação Brasileira de Futebol instituiu um curso de técnicos de futebol que em dois meses (?) habilita qualquer indivíduo para a função. Este também um dos diferenciais na formação em qualquer esporte, pois não evoluem e simplesmente repetem as mesmas receitas dos nossos avós. Confira textos sobre o assunto também em www.procrie.com.br/: Habilidade vs. Talento, Como se Adquire Habilidades? (I, II), Como Ensinar, Psicologia e Forma de Treinar. Espero-o por lá com seus comentários.
Daniel Koscak – Ótima contextualização Roberto, com certeza irei conferir o link que você me passou. O que ainda me dá certa esperança é ver que alguns treinadores do interior de SP tentam desenvolver tal sistema de jogo (Futebol Total), e posso acompanhá-los de perto, sem o medo de irem na contramão do que acontece de forma geral no futebol nacional. Talvez adotem tal sistema pelos bons resultados obtidos nos últimos anos, mas ainda é necessário discutir o sistema de forma mais ampla, não somente dentro das 4 linhas. Basta analisar certas questões como a ausência do regime de concentração como ocorre em nosso país, e outros tópicos que chegam a entrar no parâmetro cultural. Gostaria de aproveitar a oportunidade para perguntar se os estudos na Metodologia e Pedagogia da iniciação do voleibol, os quais você se refere em seu perfil, aplicam-se ao futebol e de que forma.
Roberto Pimentel – Daniel, e colegas professores ou não de qualquer desporto. A Pedagogia e a Metodologia pretendem descobrir princípios e normas aplicáveis à VIDA. Estão calcadas em teses que a Psicologia nos provê a cada momento. (In)felizmente não há verdades, mas trata-se de uma busca incessante. Assim, para entender e melhor aplicar seus ensinamentos, cabe a qualquer indivíduo que se propõe educar e ensinar outrem estar devidamente habilitado e instruído. Como verá após algumas leituras, não lhe basta possuir um diploma. Tenho certeza absoluta que tão pouco as faculdades de Pedagogia conseguem se sair bem nesta tarefa. É uma calamidade!
Veja no Procrie – www.procrie.com.br/novosumario/uma extensa relação de postagens. As mais remotas (final da relação) estão recheadas de assuntos pertinentes que tanto se aplicam ao voleibol como a qualquer outro desporto e, especialmente, a todas as condições de aprendizagem do conhecimento humano. Realizei palestras para estudantes de Física (UFRJ) sobre como “Aprender a Ensinar” e, para um grupo de professores, “O Marketing no Voleibol, como ganhar dinheiro” (Universidade Estácio de Sá e Univ. Gama Filho). Os princípios pedagógicos do matemático húngaro G. Pólya, tanto se aplicam às ciências exatas, como ao futebol, basquete e ao ensino de História e Línguas. Em “Lições de um Projeto, Perspectivas de Aprendizagem” (3 artigos) e “Teoria vs. Prática” (postados em nov./2009) há interessantes abordagens que podem nortear o início de qualquer trabalho com jovens. Há pouco, neste mesmo CEV (Comunidade Futsal, Iniciação Esportiva?), um colega nosso encantou-se com o Procrie e solicitou permissão para postar alguns dizeres em seu próprio blogue. Sinaliza-se, assim, a importância de leituras sobre Psicologia Pedagógica para exercer a nobre tarefa de um professor e até mesmo de um treinador.
Visite também o sítio educacional PREZI no PROCRIE: http://prezi.com/9nhuhq5t7coh/procrie/




