Nictheroy, Celeiro de Craques

 

Nictheroy, Celeiro de Craques

Quando escrevi este texto recordei-me do jantar de confraternização que os mais antigos – os velhinhos – do voleibol tradicionalmente realizam na primeira segunda-feira de dezembro, no Rio de Janeiro. Foi o último do século XX. São mais de cem companheiros e, agora, também as “meninas” que participaram de muitas jornadas lado a lado, torcendo, treinando e competindo. É uma grande noite para matar as saudades, carinho e amizade. Todos têm a mesma sensação: “valeu a pena” e, se pudéssemos, estaríamos nas quadras de novo, com o mesmo entusiasmo com que se praticava o voleibol. Neste dia não existem diferenças, melhores ou piores, todos são iguais. Até pequenas rixas de outrora são reparadas pelo próprio tempo e pelo ambiente de camaradagem reinante. É sensacional estar ali com todos! Nesta festa repetiu-se o que muitos já nos disseram e não se cansam de proclamar; “Niterói sempre foi um celeiro de craques do vôlei”. E, dizem-me, porque sou niteroiense e aqui resido. E por que uma pequena cidade-dormitório teria esta propriedade ou competência? Seria por causa da “vista do Rio”?

Pode ser que isto tenha ocorrido a partir do Mundial de Paris, em 1956 quando a cidade cedeu quatro atletas à seleção: Quaresma, Borboleta, Márcio e Maurício. O Rio também quatro, São Paulo e Minas Gerais dois outros, cada. Isto explica ao leitor, a quem peço desculpas e paciência, o motivo que me levou a escrever um pouco mais sobre o voleibol da minha terrinha. Contudo, dada a proximidade e ao intenso intercâmbio entre os dois municípios, podemos considerar um só voleibol, pois a cidade é “dormitório” do Rio. Acrescente-se a meu favor o favorecimento a um maior número de informações especialmente das décadas de 30 a 50.

Informação geopolítica

Ainda hoje, muitos brasileiros confundem a geografia política do estado do Rio de Janeiro e aqui vai um esclarecimento para os não muito íntimos do assunto. Politicamente, a cidade de Brasília é a capital federal e sede do governo, portanto, o Distrito Federal (DF) desde abril de 1960. Antes de sua transferência, o Distrito Federal estava localizado na cidade do Rio de Janeiro, capital do país. Entre os vários estados da Federação, existia o estado do Rio de Janeiro (RJ), cuja capital era a cidade de Niterói, localizada de um dos lados (norte) da Baía de Guanabara. Por estar muito próxima a um grande centro, a cidade foi por muito tempo “cidade dormitório”, pois as oportunidades de trabalho e cultura eram atraentes. Isto explica, também, porque muitos jovens atravessavam a baía para atuarem em clubes cariocas. Em 1960, com a mudança da capital para Brasília, foi criado o Estado da Guanabara e, anos mais tarde, no governo militar de Ernesto Geisel (1974-78), procedeu-se à fusão (1975) com o antigo Estado do Rio (capital, Niterói), tornando-se o atual Estado do Rio de Janeiro (RJ). A capital passou a ser, então, a cidade do Rio de Janeiro. Niterói deixou de ser capital e é atualmente uma próspera cidade, ainda com ar provinciano, de boa qualidade de vida e, mais importante, seus moradores têm a vista mais linda desse mundo: a cidade do Rio de Janeiro vista do outro lado da baía. Faz parte do que se chama “Grande Rio”, junto com outros municípios, como Duque de Caxias, São Gonçalo, Nilópolis, Nova Iguaçu. Embora as lanchas façam ainda a travessia da baía, foi construída uma ponte (inaugurada em 1974) para infernizar e acabar com o nosso sossego.

Federação Fluminense de Desportos

Em meados de 45, existia no antigo Estado do Rio de Janeiro a Federação Fluminense de Desportos. Um de seus presidentes mais destacados foi Ramos de Freitas. Entretanto, suas ações estavam voltadas quase que integralmente para o futebol. Havia necessidade de se organizar o voleibol, que se encontrava em nível bastante avançado. Foi criado, então, o Departamento Niteroiense de Voleibol (DNV), por volta de 1947. Os campeonatos tinham jogos somente nas categorias adultas – masculina e feminina –, sendo que no caso dos rapazes em duas divisões. Neste caso, o regulamento vedava ao atleta que atuasse três vezes na 1ª Divisão que jogasse também na 2ª Divisão. Disputavam esses campeonatos: no feminino – Clube de Regatas Icaraí, Icaraí Praia Clube, Clube Central, Praia das Flexas Clube, Grupo de Regatas Gragoatá e Canto do Rio F. C.; no masculino – CRI, IPC, Central Praia das Flexas, Gragoatá, Canto do Rio, além do Fluminense de Natação e Regatas e o Clube dos Tatuís, sem sede, constituído por um grupo avulso de desportistas. Registre-se que ainda não existiam os torneios entre juvenis.

Departamento Autônomo de Voleibol

Em 1951, algumas altercações levaram à criação do Departamento Autônomo de Voleibol, completamente desvinculado da Federação, coincidindo com o retorno de Bruno Maluí a Niterói. Mais lutas e interesses contrariados, mais afastamentos. Foi criada a Liga de Voleibol, com Mário Hermes da Fonseca colocado na sua presidência.

Organização – A entidade que dirigia e organizava os campeonatos era o Departamento Autônomo de Voleibol (DAV), depois transformado em Departamento Niteroiense de Voleibol, subordinado à Federação Fluminense de Esportes. Alguns anos mais tarde (1954) criou-se um cisma entre o Departamento e a Federação. A maioria dos clubes apoiou o Departamento e organizaram-se à revelia dela. Os torneios e campeonatos se seguiam. Quando da formação de uma seleção, os atletas agrupavam-se no Clube de Regatas Icaraí e no Fluminense Atlético. Quando da disputa de campeonatos brasileiros, o Icaraí, no feminino e o Fluminense no masculino, representaram o Estado, como ocorreu no Campeonato Brasileiro de 1954. O Icaraí (com Zombinha) tendo como técnico Afonso Caminha, e o Fluminense, com Quaresma, Augusto, Jovauro, Jorge, tinha como técnico Bené, que atuava também como levantador. Foi uma fase de grandes jogos tanto no masculino quanto no feminino. E, diga-se de passagem, não se jogava em ginásios, mas em quadras abertas de cimento, caso não chovesse.

A seguir, a Liga não suportou a pressão dos dirigentes da Federação e dos demais clubes, que tiveram muitos atletas transferidos para clubes do Rio de Janeiro. Houve um significativo êxodo que inundou os clubes cariocas, desde o Vila Isabel, passando pelo América, Fluminense, Botafogo e Flamengo. A cidade de Niterói ficou completamente “deserta”, exceto aos domingos, nas peladas ou rachas de praia, onde se via excelente voleibol de 6×6.