
Revendo Métodos e Conceitos Pedagógicos
Após observações sobre a maneira comportamental em DEFESA de atletas de alto nível – p. ex. final da Superliga feminina – animei-me ainda mais a levar aos respectivos treinadores minhas pesquisas e, se de acordo, compartilharmos novas experiências pedagógicas no que se refere ao respectivo treinamento. Seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos, daí a razão de buscarmos ajuda em bons conselheiros como verão a seguir. Tenho certeza de que encontraremos juntos formas de treinar para evitar aquilo que mais vimos durante os jogos, em masculinos ou femininos, atletas literalmente plantados no chão, pernas e pés paralelos e, muitas vezes, quedando os joelhos ao chão, inertes para qualquer ação. Podemos, inclusive, chamar a isto de “aprender com os erros”. Se conseguirmos, talvez venhamos a realizar a proeza de somar 25 pontos (de defesa) em uma só partida! Que tal?
A vontade e o primeiro movimento

Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro na estante antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade?
Assim também, quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”. Este sentimento é uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado.
Lembro-me, quando ainda na prática competitiva do voleibol, aguardando a execução do saque adversário me auto estimulava em diálogo silencioso: “Tomara que o saque seja em mim ou na minha direção”! A ação subsequente já não habitava meus pensamentos, uma vez que estava alojada na memória operacional: “se for curto avanço uma das pernas e em seguida, flexiono-as a fundo; se longo e forte, recuo uma das pernas, flexiono-as, e deixo-me cair em rolamento para trás”. Lembro que na época – início da década de 60 – não se empregava a manchete no Brasil. Em suma, a preparação em expectativa (sentimento de impulso) pressupõe um mínimo de técnica (réplica) para que o executante tenha êxito na ação: “o ato volitivo é antecedido de certo pensamento (diálogo interno), que determina o primeiro passo”. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. (D. Wood)
Formação de bons hábitos

Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus alunos: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente, deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico. “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência – os ensaios, as resoluções de problemas. Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.
Finalmente, ainda considerando a formação de bons hábitos, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, pode-se criar um novo hábito a partir de novos motivos. Na prática, conduzi um grupo de atletas do América F. C. a tomar consciência desse “despertar” para o sentimento do impulso. Desde o início de nossos treinos percebi que nenhum deles atentou para o fato. Imagino que raríssimos treinadores no Brasil percebam esse detalhe, fundamental para uma boa técnica de defesa. Se percebem, tenho certeza de que ainda não aprenderam a ensinar.
As primeiras instruções ao indivíduo devem ser no sentido de levá-lo a descobrir e a tomar conhecimento teórico específico. Deve aprender a pensar aquilo a que se dispõe realizar; criamos nele o diálogo interno. A seguir, passamos à prática regular com exercícios simples e repetitivos – deixar a bola cair da mão a uma distância de 3m – e observar como e quando o indivíduo se desloca; em que altura toca na bola e, finalmente, como realiza este toque. A pouco e pouco foram formando-se novos hábitos e através de brincadeiras e desafios – componente emocional – alcançaram níveis nunca antes imaginados. Esses e outros detalhes contribuíram para ao final da temporada receberem os maiores elogios dos próprios adversários. Ainda na década de 60, fui contemplado quando o saudoso Adolfo Guilherme, técnico mineiro consagrado, indagou-me após um de nossos jogos: “O que fazem vocês que tanto defendem”? Em outras palavras, “Como treinam para defender tanto”?
Exercícios-chave, educativos, transferência (transfert)

Ensina-nos Jean Le Boulch abandonar as tentativas inúteis de procurar exercícios-chave com alto poder de transferência. Suas observações tenderam a mostrar que a aprendizagem adquirida relativamente a uma parte da situação não o é relativamente a esta mesma parte inserida num todo novo. Em outras palavras, “as partes reais do estímulo objetivo não são necessariamente partes reais da situação vivida pelo indivíduo”. A consequência desta opção na aprendizagem é imediata e pode ser traduzida por aquilo que expressou M. RYAN (EUA), treinador de atletismo por ocasião de um congresso mundial após uma pergunta que lhe solicitava exercícios próprios para facilitar a aprendizagem do salto com vara: “Apenas o salto com vara prepara para o salto com vara e qualquer exercício que se lhe avizinhe, quanto mais próximo, tanto mais prejudica a aprendizagem”. Esta é uma concepção a que nos associamos de bom grado, mas repõe em discussão a utilização dos chamados exercícios educativos que ainda precedem a aprendizagem de um gesto técnico complexo nas progressões de muitos instrutores.
Fábrica de talentos

Nas viagens feitas às fábricas de talento, Daniel Coyle (O código do talento) testemunhou uma série de saltos significativos no nível de habilidade dos alunos. Como se percorresse uma série de dioramas, ia encontrando espécies cada vez mais evoluídas: os pré-adolescentes (que eram muito bons), os adolescentes de 15 a 17 anos e, por fim, os adolescentes acima dessa faixa, verdadeiros ases. Ele conheceu isto com o nome Efeito Caramba. A rapidez com que progrediam era assombrosa: cada grupo era incrivelmente mais forte, mais veloz e mais talentoso que o anterior, o que não o impedia de exclamar: “Caramba“! Coyle observou que existe um padrão, uma regularidade na percepção do próprio talento por seu detentor que a torna característica do processo de aquisição de habilidade. Daí vem uma importante questão: qual a natureza desse processo capaz de gerar duas realidades tão díspares? Como esses indivíduos, que parecem ser iguais a nós, de repente se tornam talentosos, embora não tenham consciência disso, ignorando a verdadeira dimensão desse talento?
Aprender a ensinar

O que importa é o trabalho de tatear efetuado pelo indivíduo, muito mais do que a resultante desse trabalho – aquisição ou aprimoramento de habilidades motoras. Portanto, é um grave erro pedagógico querer acelerar os processos de aprendizagem por meio de uma ação intempestiva e invasora. O papel do educador é o de suscitar, favorecer as tentativas, os erros e o ajustamento… , e não o de substituir o mecanismo particularmente educativo desse processo adaptativo por suas técnicas. Tocamos aqui no cerne do problema: “a parte que cabe ao mestre”. É preciso propor, mas não impor, porém é preciso propor ao indivíduo no momento oportuno, no momento em que ele estiver sensibilizado, pronto para receber, aí está a parte do mestre, parte delicada sem dúvida. (Le Boulch).

Aqui reside a grande diferença entre a metodologia empregada pelo falecido Bené no Fluminense F. C. (Rio de Janeiro) e os demais treinadores: “Aproximando sistematicamente as condições de jogo aos treinos observava discretamente o trabalho de cada indivíduo na busca de suas próprias soluções diante de algum obstáculo”. Metodologia similar realiza-se em algumas escolas de Niterói sob inspiração do Autor. Vemo-los na foto quando receberam uma Comenda do Clube Canto do Rio pelos serviços prestados ao voleibol niteroiense.
Afinal, ensinar não é uma arte?
PS: A importância de um comentário em mandarim, recebido em 26.4.2013:
Aprecio muito as suas opiniões, beneficiam a aprendizagem.

Treinar, treinar, treinar… Será mesmo que resolve?