
Interesses, Alegria e Xenofobia
O que estamos ensinando às novas gerações? As crianças quando jogam ou brincam parecem estar desligadas do mundo, concentradas nos seus propósitos. Obedecendo às regras do jogo aprendem todas a respeitar os seus contendores e, cessada a atividade, estimular o convívio social. Isto é o que se pretende repassar a elas. Todavia, entre o discurso e a prática parece que os interesses estão se sobrepondo à simplicidade e alegria da pura diversão.
Lendo aqui e acolá notícias relacionadas ao voleibol deparei-me com um estranho no ninho em duas ocasiões. Trata-se do agora polêmico José Mário dos Santos Mourinho Félix, mais conhecido como José Mourinho, português que antes de iniciar a sua carreira de treinador de futebol, foi professor de Educação Física. Ele agora nos dá algumas lições de vida. Como meus ouvidos estão longe de sua voz, não o interpreto, mas aprendo a conhecê-lo melhor e tirar lições pedagógicas, o verdadeiro sentido deste texto.
Li no site português Sovolei (Luís Melo, “Sinais” José Roberto Guimarães e José Mourinho, 5.11.2010) uma análise e comentários a respeito da atuação entre os dois treinadores, um no voleibol e o outro no futebol a partir de um programa radiofônico. Aliás, fiquei muito satisfeito, pois dá uma dimensão maior e perspectivas de desenvolvimento do voleibol em Portugal, no qual o Procrie contribui com pequena parcela. Vejam o que disse o Luís Melo:

“Sinais” José Roberto Guimarães e José Mourinho. Todas as manhãs (8h50m) é transmitido o programa “Sinais” na rádio TSF. Em apenas 1 minuto Fernando Alves faz um exercício de análise interessante sobre o nosso quotidiano, abordando os temas mais variados da actualidade. No programa de hoje fez referência a José Roberto Guimarães, treinador da selecção brasileira de voleibol feminino, colocando-o no mesmo patamar de José Mourinho. Surpreendente mas reconfortante. Se já é inédito ouvirmos falar de voleibol nos meios de comunicação social, mais o é ainda quando vemos que, inesperadamente, alguém reconhece José Roberto Guimarães e sabe que na modalidade ele está ao nível de José Mourinho no futebol. Esta é mais uma prova que a modalidade começa realmente a conseguir ganhar mais notoriedade, e começa a ser vista como um desporto onde também há gente com a capacidade e qualidade dos “monstros mediáticos” do futebol.
Fernando Alves referia-se ao facto de a “Alegria” ter uma importância decisiva na nossa forma de viver, e pegou então nas palavras de José Roberto Guimarães no final do jogo do Campeonato do Mundo: Brasil 3-0 Quénia (25/15, 25/16, 25/11). O técnico quis relevar a equipa adversária “Foi muito legal ver como o time do Quénia jogou. Elas jogam com amor, alegria, vibram a cada ponto. A equipe evoluiu tecnicamente. É muito bacana ver um time da África, que não tem tanta tradição no vôlei, evoluindo dessa forma. Elas estão de parabéns“.
José Mourinho também tinha feito referência há dias sobre a importância que tem a “Alegria” no desempenho de qualquer equipa. O técnico do Real Madrid fazia o balanço deste surpreendentemente bom início de época da equipa madrilena “Estamos bem. Somos uma equipa em construção, com jogadores novos e um treinador novo. Se os resultados são positivos, o processo de construção corre melhor. Quando vences, acreditas mais em ti, há mais alegria e a alegria faz milagres“. É de facto verdade, a “Alegria” faz milagres. Mas não é por obra e graça de Nosso Senhor. Estes dois mestres referem-se ao facto de a “Alegria” contribuir para a confiança e o bem estar nos treinos e na competição. Um atleta que treina e joga com alegria tem mais vontade de trabalhar, aprender, evoluir, corrigir, chegar mais longe e conquistar mais títulos. Este é um “Sinal” e de facto é fundamental, que no voleibol, todos os atletas, técnicos, dirigentes e também adeptos, tenham presente esta importante ideia. Esta atitude será mais um forte contributo para a evolução de todos e, consequentemente, para o desenvolvimento da modalidade.
Comentário de Roberto Pimentel (12/2010). Não conheço o Professor José Mourinho a não ser pela TV. Admiro seu histórico que pude contemplar na Wikipédia. É vertiginoso e muito promissor e fico a pensar como teriam se beneficiado seus alunos da Escola Básica 2/3 José Afonso em Alhos Vedros. Pena que não deu continuidade ao trabalho como professor e talvez não tenha havido tempo suficiente para formar seguidores. Como se reportam a ele como uma figura mítica, despertou-me a curiosidade. E, então, busquei e encontrei algo que estava esquecido no tempo, um pouco lá atrás (4.8.2009) publicado no site do Centro Esportivo Virtual (CEV), por Leopoldo Gil Dulcio Vaz: “Achei o Manuel Sergio… De forma semelhante, relata de próprio punho o revolucionário treinador José Mourinho, em um capítulo do livro Motrisofia (obra organizada que reúne uma diversidade de autores comprometidos em homenagear o filósofo Manuel Sérgio). Ele escreve: “Fiz o curso de Educação Física há mais de 20 anos, onde no meu primeiro ano conheci o Prof. Manuel Sérgio. Tinha uma convicção, queria ser treinador de futebol, mas na minha época estava no auge estudar Matveyv, porém a teoria do treinamento desportivo positivista não se alinhava a minha forma de pensar. Foi aí que o Prof. Manuel Sérgio me ensinou que para ser aquilo que eu queria ser, teria de ser um especialista na área das ciências humanas. Foi assim que aprendi que um treinador de futebol que só perceba de futebol, de futebol nada sabe. Se sou um treinador singular é porque não me esqueço das lições sobre emancipação e libertação. É preciso ser livre para fazer o novo… até no futebol”. (Motrisofia – Homenagem a Manuel Sérgio, de José Mourinho). (Veja mais sobre Manuel Sérgio na Wikipédia).
Sendo assim, creio que encontrei alguém com quem comungo os mesmos pensamentos filosóficos, uma vez que prega a libertação do indivíduo pelo esporte. Como disse, “até no futebol”. Todavia, daí a compará-lo com o treinador brasileiro de voleibol José Roberto Guimarães, tenho que perdoá-los, pois não o conhecem bem. Ser um treinador campeão não é suficiente para atestar ser um “monstro mediático”, pois tenho presente na memória cenas incríveis de treinadores brasileiros campeoníssimos que mal distribuíam as camisas dos atletas. Que dirá a competência para orientá-los!
E para falar em ALEGRIA, perdôem-me, é preciso muito mais, é preciso realizar o tempo todo. Será que só deve estar presente nas vitórias? Não se trata só e diplomaticamente de mostrar um exemplo africano. Mas realizar e transmitir isto à sua própria equipe, o que nunca conseguiu fazer. Aos amigos portugueses sugiro uma vez mais leituras dos textos colocados em Metodologia e Pedagogia, além de outros, em que sugerimos desde cedo que as crianças “Aprendam Brincando e Jogando”, e não se tornem meras figuras de “adestramento”. Os jogos são formas formidáveis de educar para a vida! Não desperdicemos tamanho potencial e nos fecharmos para ser campeão de coisa alguma. Vejam também o que já escrevemos sobre o “Interesse e Colorido Emocional” quando tratamos da importância da memória (Pedagogia Experimental).

E, ainda por cima tal qual o futebol, o voleibol também virou um “grande negócio”, parece que vale tudo ultimamente, isto é, os meios justificam os fins. E o programa social para crianças com selo da Unesco? E o patrocinador? Por falar em celeumas, não é que a imprensa vem estimulando um bate-papo improdutivo e catastrófico para as partes? Cuidem-se os contendores e demais leitores para que não sejam levados por sentimentos nada condizentes com o nível que atingimos em matéria de consciência desportiva. Acredito que o bom senso prevalecerá, mas não posso deixar de alertar a todos. Prometo não mais publicar nada a respeito.
Para onde estão nos levando (retirado do Terra – AFP – dezembro/2010) Depois de o brasileiro Daniel Alves, do Barcelona, dizer que o técnico José Mourinho, do Real Madrid, “não descobriu o futebol”, o português respondeu com ironia, comparando o jogador ao cientista Albert Einstein. Daniel Alves havia dito que Mourinho era um grande treinador, mas que teve tantas conquistas graças aos bons jogadores com quem trabalhou. “Mourinho não descobriu o futebol e nem vai descobrir”. Na réplica, em entrevista coletiva, o técnico respondeu em tom sarcástico. “Todos temos a aprender com as pessoas inteligentes”, referindo-se ao lateral-direito. “O que Daniel Alves disse Einstein não diria melhor. Foi um português que descobriu seu país, mas não inventou o futebol. Tem toda a razão, não inventei o futebol”, declarou o treinador. De acordo com o jornal As, o brasileiro disse que considera o técnico do Real Madrid um “brincalhão”. A troca de farpas começou na semana passada, quando Daniel Alves descartou se transferir para o time merengue. O lateral direito mostrou que não gostou da declaração e rebateu neste domingo. “Talvez aos brasileiros não agrade que um português tenha nos descoberto”.
Xenofobia. E, finalmente, prestem atenção ao comentário abaixo, que relutei muito em transcrever. Tomara que seja um pensamento solitário, não compartilhado.
De Nuno Sampaio (Terra, 12.12.2010). Acho estranho reclamarem tanto com o comentário do Mourinho. Vocês são os primeiros a aprender isso na escola. Os portugueses quando chegaram ao vosso território, não se chamava Brasil, e viviam lá os ameríndios. Com a presença dos portugueses, nós desenvolvemos a vossa civilização, com novas pessoas, nova cultura, nova língua, nova religião e…a formação de um país. Isto é história. A verdade é que se vocês existem, é devido ao ‘cruzamento’ entre portugueses, índios e africanos. Mesmo a palavra ‘Brasil’ deriva do povo europeu, os celtas. Eu concordo com o facto de dizerem que não vos descobrimos, mas criámos bases para que existissem cultura, história, país e o povo brasileiro com o que levamos nos barcos, com a ajuda dos índios, que se lembrem, não eram brasileiros.
E ponto final.
