Aula com amor?
“É interessante conhecer a criança em outro contexto. Assim, aprendo com elas como interagir”. (D. Wood)
Copiar e Criar, Reflexão na Ação, Tatear Experimental
Quando digo que me faço criança durante a aula, forçosamente há uma entrega total, apenas limitada por aspectos pedagógicos que tenho a cumprir para melhor servi-las. Aqui reside a intimidade com o fazer e a experiência intrínseca que me leva a novos experimentos segundo minha intuição ou repentes, insights ou como isto se possa chamar. Relembro o que foi consignado a respeito de minhas aulas: aula com amor e entrega total.
Ensino crítico
“Através do tatear experimental e da possibilidade de relatar as próprias vivências, as crianças desenvolvem sua autonomia, seu juízo crítico e sua responsabilidade. Para Freinet[1], a escola tradicional é inimiga do ‘tatear experimental’, fechada, contrária à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança”.
Copiar ou criar?
Um alerta para quem deseja mais do que reproduzir, mas inventar. “O ensino crítico nada mais é do que os educadores chamam de rebeldia intelectual: contestar sempre as verdades estabelecidas, princípio básico da pedagogia moderna. O bom educador deve ensinar a seus alunos a olhar sempre com uma ponta de desconfiança aquilo em que todos acreditam e dar uma ponta de crédito a idéias ou projetos que todos desmerecem. Ninguém inventa nada se for servil ao conhecimento passado”. (Desconhecido)
Na considerada melhor e mais bem equipada escola para crianças de Florianópolis (SC), fui convidado a realizar uma aula de demonstração da metodologia que emprego. O convite surgiu devido à necessidade que alguns professores tinham de mostrar algo diferenciado aos demais colegas para evoluírem no ensino em contraponto ao que vinham realizando. Deveriam ser muitos os alunos, mas por dificuldade interna foram disponibilizados apenas 16 alunos. Assistindo a aula, uma das diretoras pedagógicas, um motorista da escola, uma aluna de Educação Física que se encantara na véspera com a demonstração que eu fizera na Universidade Estadual (UDESC), a titular da cadeira de Voleibol desta Universidade, e três professores da própria escola.
A aula transcorreu como sempre faço e devido à expectativa dos organizadores, foi registrada em vídeo e fotografada. Além disso, como considerei precário o número de alunos, inseri todas as pessoas presentes nos pequenos jogos. Em suma, TODOS sem exceção participaram ativamente da aula com as crianças. Ao final, a maior das recompensas. Algumas alunas indagaram-me: “Você não quer ser nosso professor de educação física”? Como a apresentação se destinava a mostrar o meu trabalho com crianças, decepcionei-me por não procedermos à chamada reflexão-na-ação com os professores presentes. O debate seria bem edificante, mas percebe-se sua ausência no processo de formação daqueles docentes. Gostaria de formular algumas indagações que não foram devidamente avaliadas, como:
- O que teria agradado tanto aquelas crianças?
- Por que os adultos também se entregaram tanto na aula?
- Que transformações a realizar no próprio educandário?
Mais tarde, ao conduzir-me à casa, o Coordenador da escola deixou escapar uma indagação curiosa e sutil: “Notei que se produziu em você um grande desgaste físico, tal foi sua entrega durante a aula. Se fosse o professor da escola e tivesse que realizar outras aulas em seguida, como procederia? Teria o mesmo empenho e resistência? Respondi-lhe: “Se fosse o professor daquelas crianças, eu as conheceria e elas a mim; assim, muito rapidamente, conseguiria produzir aulas com a ajuda delas e mínima interferência minha. E mais: foi uma pena o ginásio não estar repleto delas. Mas isto é tema para um curso.
Copiar pode ser perigoso
Creio que o ano era de 1978; convidei a seleção brasileira juvenil masculina em preparativos para mais um Sul-Americano para realizar um treino em educandário de Niterói. A CBV tinha dificuldades em conseguir ginásio e seria uma forma de incentivar o esporte escolar. Era técnico o meu amigo Jorge de Mello Bettencourt (Jorginho) e entre outros, a equipe contava com Renan e Xandó, ainda desconhecidos do público. Tudo transcorreu normalmente e os alunos aplaudiram o treino, colheram autógrafos e tiraram muitas fotos. Para os atletas, uma boa novidade, “treinar com público” jovem sempre dá novo ânimo e quebra a rotina estafante da repetição de exercícios. Entretanto, passados alguns dias do evento, as alunas da equipe escolar foram surpreendidas com uma mudança radical no comportamento do professor responsável pela equipe de vólei: os exercícios vistos naquelas apresentações foram incorporados e aplicados sem cerimônia nas pequenas atletas. Felizmente, não por muito tempo! Copiar não significa estar atualizado.
[1] Celestin Freinet (1896 – 1966) pedagogo francês importante reformador da pedagogia de sua época, cujas propostas continuam uma grande referência para a educação nos dias atuais.

