Curso de Mini Vôlei (V)

Estrutura e Metodologia              

Inicialmente, o conhecimento do objeto – a bola – é necessário. Não se pode familiarizar a criança com o objeto se lhe pedimos que o atire ou rebata. Assim, o professor possibilitará ao aluno desenvolver uma habilidade geral no manejo da bola. Ainda mais: o corpo é emissor e receptor, daí a necessidade de domínio das trajetórias da bola. Esta assertiva sentida por nossos antecessores está traduzida na metáfora: “Durma com a bola”. No desenvolvimento dos exercícios procurar despertar e manter constante o interesse dos alunos, organizando-os sob a forma de jogos e competições – contestes –, que lhes permitam aprender sempre jogando e não os obriguem a um treinamento rígido.              

Características              

1. Equilíbrio.  Busca da posição de base em deslocamentos mantido o ritmo. Aquisição de uma posição básica para o toque; precisão na direção de envio da bola; corpo emissor e receptor (deslocamento); enriquecimento por multiplicação de soluções a partir de cada problema.              

2. Manejo.  Passes de toque, de manchete visando a construção de ataque. Apropriar-se da bola: domínio no toque; recordes pessoais no manejo de bola; competições 1×1 e 2×2.              

3. Prática.  Vivência, enriquecimento de experiências. Resultados: aperfeiçoamento do esquema corporal; tomada de consciência sobre o contexto (soluções e criatividade); combinações táticas; combatividade (adversários) e sociabilidade (companheiros).              

4. Cuidados.  Propiciar ao professor, mesmo o não-especializado, realizar aulas consistentes e produtivas. Criar a possibilidade de jogar o voleibol de um modo recreativo; aumentar o interesse por jogos e competições.              

Metodologia              

Livre exploração. Descoberta guiada. Escolha e adequação de tarefas.              

Considere-se:              

Atividades: o aluno é protagonista; a bola é um brinquedo; o jogo vem antes da técnica; a técnica aprende brincando; a tática aprende jogando.              

Estrutura: o jogo é o instrumento principal; jogos simples inicialmente; jogos complexos; conhecimento das regras e controle da pontuação.              

Organização: demonstrar linhas gerais  (gesto global);  individualizar principais dificuldades com demonstração coletiva; colega corrige o outro.              

Categorias: 8-11 anos; 12-13 anos; turmas mistas e homogêneas (iniciantes, médios e avançados); interesses e disponibilidade de horários; mínimo de três campos de jogo.              

Ciclo de Etapas               

Uma etapa (mês) = 10h de aulas (8 aulas/1h 15min); grupos podem ser 1×1, 2×2, 3×3, 4×4.              

1) 6-8 etapas anuais, conservando diferentes conteúdos; 2) conteúdos programáticos, retroceder ou avançar; 3) organização dos grupos e características dos alunos; 4) intervenções do professor; 5) etapa inicial supõe primeiro contato com o vôlei; 6) mudança de etapa supõe superar objetivos anteriores.              

Aulas: estímulos adequados; demonstração e retorno; quantificar nível de stress.              

1ª aula = apresentação, material, funções e tarefas.            

2ª aula à 7ª aula = resolução de problemas.            

8ª aula = Festival e avaliação com alunos.              

Programação de Aulas              

Objetivo                    Familiarização, conhecimento e manipulação da bola.              

Material e meios      Uma bola para cada criança dispersa livremente, rede separando 1×1.              

Que faço?                Eu e a bola; eu, a bola e o ambiente.              

Controle da bola      Exercícios com deslocamentos; bola lançada após um ou mais toques.              

Conceito                  Troca de bolas; pontuação; saque e lançamento; defesa do meu espaço.              

Problemas               Bola cai regularmente; aluno não se move a tempo de pegá-la.              

Solução                   Alunos criam os movimentos. Enquanto isto avaliar o ritmo de execução.              

Um contra um, inicialmente com toques suaves.

Exemplo: duas filas contrapostas (1×1), com ou sem a rede: 1) pegar a bola após um, dois ou três toques e no ar; 2) controlar a bola nos deslocamentos; 3) lançar de várias formas ao colega (precisão); 4) lançar e segurar a bola após um toque; 5) lançar para o alto e segurá-la no ar: em pé, sentado, de joelhos, deitado, de costas; 6) lançar a bola para o alto, bater palma, à frente, atrás e frente-atrás.              

Atividades.  Propor atividades lúdicas, com variados tipos de jogos; catalogar formas. P.ex., dividir a classe metade para cada lado (1×1); uma bola para cada dois alunos; enviar a bola livremente sobre a rede; a bola é segura e relançada de toque;  jogar segurar e lançar ao outro campo saltitando; realizar rodízio entre alunos e posições.
Variação: obrigatório um passe para si mesmo (se 1×1, lança para o alto e recolhe) ou colega, que atira a bola com salto para o outro lado. 

Exercícios (II) – Bons Hábitos

Formação de bons hábitos . Diz-nos a Psicologia que o homem é um complexo vivo de hábitos e que em seu comportamento – espécie de reações organizadas – apenas 0,001 dessas reações é determinada por alguma coisa além do hábito. Por isso o objetivo do professor é infundir no aluno hábitos que na vida possam trazer proveitos. Pode-se afirmar, então, que 99% dos nossos atos são executados de modo automático ou por hábito. Todos os nossos atos e até mesmo as falas comuns consolidaram-se em nós graças à repetição em forma tão típica que podemos vê-los quase como movimentos reflexos: Para toda sorte de impressões temos uma resposta pronta, que damos automaticamente. Seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos. Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade? (D. Wood)

Primeiro movimento. Quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”. Este sentimento é uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. Temos a sensação de que o movimento foi suscitado pela nossa própria vontade, porque o resultado final obtido corresponde à concepção anterior sobre o objetivo. (D. Wood)

Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus alunos: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente, deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico. “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência (os ensaios, as resoluções de problemas). Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.

Finalmente, ainda considerando a formação de bons hábitos, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, pode-se criar um novo hábito a partir de novos motivos. Na prática, conduzi o grupo de atletas do América a tomar consciência desse “despertar” para o sentimento do impulso. Desde o início de nossos treinos percebi que nenhum deles atentou para o fato. Imagino que raríssimos treinadores no Brasil percebam esse detalhe, fundamental para uma boa técnica de defesa. As primeiras instruções levaram-nos a descobrir e a tomar conhecimento teórico específico. A seguir, passamos à prática regular com exercícios simples e repetitivos – deixar a bola cair da mão a uma distância de 3m – e observar como e quando o indivíduo se desloca; em que altura toca na bola e, finalmente, como realiza este toque. A pouco e pouco foram formando-se novos hábitos e através de brincadeiras e desafios – componente emocional – alcançaram níveis nunca antes imaginados. Esses e outros detalhes contribuiram para ao final da temporada receberem os maiores elogios dos próprios adversários. Eu mesmo fui contemplado, quando o saudoso Adolfo Guilherme, técnico mineiro consagrado, indagou-me após um de nossos jogos: “O que fazem vocês que tanto defendem”? Em outras palavras, “Como treinam para defender tanto”?

O hábito é a nossa segunda natureza. Observe-se que o novo sistema de ações (primeiros ensaios), é de muita observação e estudos. A atenção é elevada. Cabe ao professor atenuar o sentido da atividade facilitando ao educando trilhar novos caminhos. Por isso, o exercício se desenvolve inicialmente de forma lenta e depois cada vez mais rápido, aperfeiçoando-se aos saltos, provocando mudanças na disposição das moléculas do cérebro: a parte principal consiste em fazer do sistema nervoso nosso aliado e não inimigo. Na medida do possível, tornar habituais e automáticos o maior número de ações úteis e combater a consolidação de hábitos que possam trazer danos à ação (correções necessárias e cabíveis). Quanto maior for o número de hábitos corriqueiros que consigamos tornar automáticos e fazer com que dispensem esforços desnecessários, tanto mais as nossas capacidades intelectuais superiores terão liberdade para a sua atividade a seguir.  (D. Wood)

Movimento imperceptível. Chamo a atenção para o detalhe da posição de pernas e pés do atleta, ainda na posição de expectativa e, a seguir, no seu primeiro movimento a partir do movimento de impulso. Invariavelmente, há o que chamo de um sobre-passo, uma troca de posição dos pés subrreptícia, imperceptível a olhares menos atentos e ao próprio executor. Ao que me parece, trata-se de movimento nocivo que deve ser eliminado da memória do atleta a favor de um outro, mais eficaz e benéfico (técnica).

Aprendizagem ativa. O que o professor diz na sala de aula não é de forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam nascer na mente dos alunos e o professor devia agir apenas como uma parteira. Este é o clássico preceito socrático e a forma de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo socrático. “Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – permita que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que descubram por si mesmos, tanto quanto for possível”. (Pólya)

Voltemos à praia. Pelos idos de 1997-98 fui convidado a treinar alguns rapazes e moças que desejavam figurar no Circuito de Vôlei de Praia do Banco do Brasil. Treinamentos diários, das 7h às 11h, de 2ª à 6ª e, aos sábados, compromisso de realização de um jogo sem interferência do técnico. Após ensaios de exercícios básicos durante um período razoável, passamos a sugerir que os próprios participantes incentivassem e corrigissem seus colegas, o que se tornou uma constante. Mais à frente, estimulamos que participassem e decidissem a formulação de um ou outro exercício específico, do qual tirava proveito de seus comentários – nada mais do que uma desejável atitude de pensamento.

Uma atitude interessante a este respeito – não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – o que para nós trata-se de “uma carta na manga”, pude realizar com o grupo em relação ao gesto técnico utilizado em momentos de defesa de bolas que denomino ‘em situação limite’: arremessada à distância considerável, pouco veloz, ou mal rebatida por um companheiro. Como recuperá-las eficientemente? Após alguns ensaios e uma vez que não encontravam uma solução para efetuarem a defesa e o passe adjacente conversamos a respeito chegando-se à seguinte conclusão: 1) nos casos limites a recuperação da bola deve ser com o emprego de uma das mãos, e não de manchete; 2) a mão que tocar a bola deverá ser a que facilite o passe para sua própria quadra, recuperada para o companheiro; 3) o toque na bola propriamente dito deverá ser executado o mais rente ao solo, permitindo ganho de tempo para a decisão: “para onde enviar a bola”? Imagino ter feito o trabalho de parteira de que fala Pólya. Daquele grupo nunca me preocupei que despontasse um campeão, mas estou certo que ganharam muito mais como indivíduos conscientes com elevada auto-estima… E aprenderam a pensar.

Conclusão. A partir desse conhecimento e independentemente do assunto, caberá ao professor (ou treinador) despertar seus pequenos alunos para a aquisição de bons hábitos, entendidos aqui como “boa técnica”. Esta é Educação de Base, verdadeiro contributo ao desenvolvimento pleno do indivíduo para a vida.

Empenho e Sucesso

Empenho e sucesso

Aproveite o primeiro caso favorável que aparecer para por em prática a decisão tomada e procure atender a toda aspiração emocional que surja em você no sentido daqueles hábitos que você quer adquirir. As decisões e empenhos deixam no cérebro certo vestígio não quando surgem, mas no momento em que produzem alguns efeitos motores. O empenho de agir lança raízes em nós com tanto mais intensidade quanto mais frequente e continuamente nós repetimos de fato as ações e quanto mais cresce a capacidade do cérebro para suscitá-las”. (D. Wood)

Empenho. Sempre considerei inadmissível a falta de empenho nos treinos. A partir do momento que me predispus a treinar atletas de Vôlei de Praia deixei bem claro para os mesmos – eram em número de seis – que não toleraria atrasos, faltas e empenho. Esta última particularidade considero também responsabilidade do próprio treinador, que dita e imprime a dinâmica das aulas. Utilizei sempre dois recursos pedagógicos. Primeiro, o incentivo de todos em prol de determinado colega na ação. Segundo, minha própria exigência, reavaliando constantemente os limites de cada indivíduo e buscando sempre sua superação. Assim, alguns ensaios colocados em tempos certos, contribuíam para mantê-los atentos para tais desafios. Por exemplo, iniciamos com o lançamento da bola próxima à rede à determinada distância do atleta. Sua tarefa, tocar a bola como pudesse de modo que ela retornasse à sua própria quadra. A posição inicial era junto à rede e da antena. Quando dos lançamentos, procurava ocultar-me, localizando-me atrás dele, a 2m-3m de distância; e ainda, para que não desse a partida para a corrida antes do arremesso, tinham instruções de realizar um salto de bloqueio. Antes de sua queda, ainda no alto, arremessava a bola. Inicialmente, a 5m-6m para todos, com altura aferida de modo que tivessem sucesso e se preocupassem tão somente com a memorização do exercício. A cada duas sessões era incrementada uma nova distância e, em 2-3 semanas conseguiram – TODOS –, tocar a bola no limite considerado ótimo de 9m, isto é, de antena à antena. Contudo, isto não bastava, uma vez que a segunda condição imposta determinava que a bola tocada retornasse à própria quadra. Para tanto, mantivemos os ensaios diários, acrescido de novos elementos e exigência: deveriam deslocar-se tanto à direita, como à esquerda, considerando ainda os toques com uma das mãos, esquerda ou direita, respectivamente. Concluindo, observamos que o comportamento técnico dos atletas experimentou melhoria considerável, a ponto de não mais ocorrer a denominada “bola perdida” (de impossível recuperação) do jargão voleibolístico.

Olhando com olhos de ver. Numa manhã ensolarada observava atento o treinamento de uma dupla na praia. O treinador, diante do treinando arremessava a bola alta atrás do mesmo e aguardava sua recuperação com devolução por manchete; e assim sucessivamente. Ocorre que o atleta, sabedor que a bola seria lançada sempre à mesma altura e no mesmo espaço, adquiria um postura inicial de lateralidade que o facilitava no deslocamento para trás. E assim, um parecia estar a enganar o outro. Parecia a mim um “faz de conta que estou ensinando e, o outro, aprendendo”. Ocorre que, logo a seguir a este exercício, os atletas iniciaram um coletivo. A certa altura, estando na posição de expectativa para defesa, aquele atleta foi surpreendido com um lançamento da bola alta, nas suas costas. Qual foi sua reação? Quem apostou que ficou parado acertou.

Ainda sobre princípios do ensino. Este e outros fatos aguçaram minha curiosidade em como deveria ensinar alguém a reagir eficazmente diante de lances inesperados (até certo ponto). Por isso também estou aqui a ocupá-lo com esta leitura. Juntar a teoria com a prática num projeto que minha experiência como jogador, professor e técnico pode vir a ter valia para jovens educadores.

O professor deve conhecer estas formas de aprendizagem. Deve evitar as formas ineficazes e aproveitar as formas eficazes. Deste modo, pode dar bom uso aos três princípios que analisamos nos últimos textos. Tais princípios da aprendizagem são também princípios do ensino. Existe, contudo, uma condição: para tirar proveito de um determinado princípio o professor não deve apenas conhecê-lo por ouvir dizer. Deve entendê-lo intimamente, com base na sua importante experiência pessoal. (Pólya)

Repetir, Só Dando um Passo à Frente

Reporto-me ao comentário de Arlindo Lopes Corrêa, em 15.1.2010, no postLesões e receitas de treinamento no voleibol”. Destaco sua mensagem final:

“O treinamento deve ser diversificado ao máximo, evitando a monotonia, o tédio e explorando novas possibilidades, novas técnicas. (…) sou favorável a que os atletas tenham experiências variadas, culturais e intelectuais, fora do voleibol, pois isso vai contribuir para uma cosmovisão útil em qualquer situação de vida, dentro e fora da quadra. Repetir, só dando um passo à frente, sempre! E isso não é mais repetir… É evoluir”.

 Esta última observação chamou-me deveras a atenção pelo seu valor e alcance psicológico, pois se enquadra perfeitamente na teoria dos reflexos condicionados. Procurarei neste espaço contribuir para um exame mais profundo para aqueles que pretendem compreender o alcance da questão título deste post. Dadas às circunstâncias variadas porque passam os treinandos ao longo de suas vidas, seus interesses e emoções, estarei aqui analisando somente os aspectos psicológicos inerentes que comporão as decisões do pedagogo (ou treinador), além de acentuar a importância da memória humana na atividade desportiva, tão desprestigiada por muitos.

Memória

A memória ajuda a definir quem somos. Na verdade, nada é mais essencial para a identidade de uma pessoa do que o conjunto de experiências armazenadas em sua mente. E a facilidade com que ela acessa esse arquivo é vital para que possa interpretar o que está à sua volta e tomar decisões. Testes podem mostrar a qualquer um que memorizar pode significar essencialmente duas coisas diferentes: ou isso é uma simples decoreba da reação ou trilhamento do caminho ou o estabelecimento de uma ligação sempre nova entre o que já foi decorado e o que ainda cabe decorar
A natureza psicológica da memória

Quando se fala em memória no sentido da palavra amplamente empregada temos em vista dois processos inteiramente diversos. A velha psicologia já distinguia duas espécies de memória: a memória mecânica e a lógica ou associativa. Com toda razão os psicólogos assemelhavam esse processo a uma trilha de caminho e falavam do trilhamento dos caminhos como fundamento para a acumulação da experiência individual. Toda soma de habilidades individuais, hábitos, movimentos e reações de que dispomos não passa de resultado desse trilhamento. Um movimento muitas vezes repetido como que deixa vestígios no sistema nervoso e atenua a passagem de novas excitações pelos mesmos caminhos.

Outra forma de memória é a chamada memória associativa, ou da associação de absolutamente todos os movimentos. Por associação entende-se um vínculo de reações no qual o surgimento de uma delas acarreta necessariamente o surgimento de outra. Na sua forma mais simples, a teoria das associações antecipou a teoria dos reflexos condicionados que, no fundo, é um caso particular e uma modalidade de associação. Seria correto considerar o reflexo condicionado como um caso de associação incompleta em que o vínculo se fecha inteiramente não entre duas reações, mas entre o estímulo de uma reação e a parte responsiva da outra.

A velha psicologia sabia que o estabelecimento de uma associação depende da experiência e que a associação não significava outra coisa a não ser um vínculo nervoso de reações que se estabelecem à base de uma ligação dada na experiência. Dessa forma, a velha psicologia também sabia que toda a riqueza do comportamento individual surge da experiência.

 

Processamento de informação

Em psicologia, é justo afirmar que a abordagem do processamento de informação fornece uma linguagem para a construção de “modelos” de áreas específicas da atividade humana (explica como resolvemos os problemas matemáticos, p.ex.). Houve uma mudança da descrição da atividade humana de uma expressa em termos de respostas a estímulos para explicações que falam de ações mais ou menos habilidosas e dirigidas a determinados objetivos.
Teoria do processamento de informação

Expressa os “objetivos”, a “atenção” e o “controle” e nos convida a conceber o comportamento como algo dotado de um “propósito”. O “mesmo” objetivo pode ser alcançado por diferentes meios. Adapto os meios aos fins, na situação em que me encontro, de um modo que reflete minha interpretação da situação na qual me encontro, e isto exige um controle contínuo, muito embora eu não tenha necessariamente a consciência de que estou exercendo um controle o tempo todo. Essa teoria levou ao desenvolvimento de conceitos como os de “planos”, “habilidades” e “estratégias”, bem como o de ”perícia”.

 

Perícia

Usado na psicologia em referência à atividade mental. O termo “habilidade” normalmente é empregado para expressar a qualidade de um comportamento manifesto (habilidade no futebol, num arremesso no basquete…). Ambos têm elementos comuns, tendo a ver com controle do tempo, autocontrole, detecção de erros e organização. Chama-se a atenção ao fato de que o conhecimento e a ação, ou os conceitos e procedimentos, são dois aspectos de UM ÚNICO processo. Se compararmos o desempenho de um perito com o de um iniciante, p.ex., revela não somente diferenças de rapidez, fluidez e precisão nas ações, mas também na estrutura da percepção, memória e operações mentais dos envolvidos. A partir deste ponto de vista, os atos de aprender a aprender, pensar e comunicar-se são explicados em função da aquisição de diversos tipos de perícia. Os peritos numa disciplina, jogo, esporte, arte ou qualquer outra coisa são capazes de perceber e memorizar, de maneira mais precisa e completa que o não-perito, qualquer fenômeno pertinente a sua área de perícia. Na medida em que somos peritos em realizar nossas intenções numa situação que “se presta” à consecução de nossos objetivos, geralmente temos um bom desempenho. Somos capazes de pensar e agir de modo relativamente rápido, desembaraçado e preciso. Por isso, temos também maior probabilidade que o novato de perceber quaisquer desvios em relação às nossas expectativas. A perícia estrutura o processo de percepção e memorização. Isso torna o pensamento e a ação rápidos, desembaraçados, precisos e sensíveis ao erro, à novidade e aos acontecimentos anormais.

Diante do exposto,

— Como deverá o professor (treinador) conduzir-se em relação aos seus alunos ou atletas?

— Como e quando as crianças generalizam o que lhes é ensinado, aplicando-o a outros problemas?

(L. S. Vigotski, Psicologia pedagógica; D. Wood, Como as crianças pensam e aprendem)