
Detalhes no ensino
Todos reconhecem que no alto nível o detalhe faz a diferença. Em que consiste? Onde está o detalhe? Quantos são?
Já tocamos no assunto referente ao significado de cada ponto no voleibol na primeira parte desse estudo. A partir de agora prosseguimos conversando e espero seja agradável e proveitoso a todos. Se cada ponto é importante, não importa se o primeiro ou o último, por que as pessoas valorizam os derradeiros e menosprezam os iniciais? Vejam o caso do set decisivo (tie break), onde a emoção prevalece sobre a técnica e, agora sim, todos pensam em valorizar cada pontinho inicial como se fora o último e decisivo. Conhecemos expressões bastante indicativas: “não podemos deixar o adversário se distanciar muito”, “pode não haver tempo para recuperar”, ou “levante para quem está rodando”! (fazendo pontos).
Ganha quem erra menos. A primeira vez que ouvi esta frase ela me foi dita pelo saudoso técnico Zoulo Rabello, em 1963, quando atuava pelo Botafogo F. R. Inicialmente, ela é óbvia. Mas, se repetida no ouvido dos atletas a cada erro individual, pode tornar-se fonte de qualidade na execução dos fundamentos e, dessa forma, revelar um treinamento profundo, beneficiando todo o conjunto. Por isto, e mesmo antes de ouvir a frase, já punha em execução medidas para identificar e evitar erros, tanto nos treinos, quanto nas partidas. Objetivava a eficiência técnica, isto é, atuar sem cometer um erro sequer.
Estatísticas. Participei como ouvinte de um curso de estatísticas em voleibol pouco antes do Mundial de 1990, no Rio de Janeiro. O Sr. H. Baacke (Fivb), acompanhado pelo presidente do Conselho de Treinadores da CBV, Célio Cordeiro Filho, realizou um périplo por cidades brasileiras aonde seriam realizadas os jogos das chaves classificatórias dedicando o seu tempo à formação dos “estatísticos”. Não sei o quanto mudou o conceito empregado desde aquela época (até gostaria de conhecer), mas não creio que sejam apontados e divulgados os erros dos atletas. Imagino que enalteçam sim, os melhores, isto é, os que erraram menos. Caso se produzam medidas de avaliação dos erros, tenho certeza que seriam interessantíssimas para os principais intervenientes – atletas e treinadores. O que vemos são os “melhores” em cada fundamento e o “melhor de todos”, inclusive com prêmios em dinheiro. Será que dividem a grana com os demais companheiros? Sim, uma vez que se trata de esporte coletivo, nada fariam sem a contribuição dos demais. Ainda sobre números, lembro-me que o canhoto André Nascimento foi contemplado como o “melhor atacante” presente ao Mundial de 2002, na Argentina. Todavia, não atuou nos dois últimos jogos decisivos que levaram o Brasil ao pódio. Confesso minha ignorância e gostaria de ter uma boa explicação sobre essas estatísticas.
Comportamento nas vitórias e nas derrotas. Percebemos pelas declarações dos treinadores de nossas seleções, especialmente quando perdem ou deixam escapar a oportunidade de serem campeões com as suas equipes, que existe uma atmosfera um tanto carregada, com palavras pensadas de modo a não se deixar trair e se comprometerem. Mas no fundo, são unânimes em dizer que há muito que trabalhar e que aquilo serviu como experiência com a qual estaremos mais aptos nos próximos embates: Precisamos botar a cabeça no lugar e treinar mais, com mais afinco”! São chavões que se repetem historicamente e que não indicam absolutamente nada. Ao contrário, em caso de vitória, a tendência é desculpar alguns erros até mesmo com sorrisos nos lábios, como se dissesse “não houve maior comprometimento”, “não influiu no placar”. Espera-se, inclusive, que ao cair no esquecimento o erro não venha a se repetir em outras oportunidades. No máximo, alguma infelicidade nesta ou aquela situação. E, com isso, ele ficou lá, quieto no seu canto, aguardando a vez de reaparecer não se sabe quando.

Há muito me decidi por ensinar crianças, adolescentes e adultos exigindo correção técnica em alguns detalhes que julgo primaciais para o desabrochar de uma técnica de qualidade, ou profunda, como a denomina D. Coyle. Ao observar seus ídolos, as crianças mentalizam os movimentos, e se lhes forem oferecidas oportunidades, repetirão de forma apropriada os mesmos gestos. Contudo, compete ao mestre estar próximo, corrigindo e incentivando novas tentativas. Não é tarefa fácil, talvez a mais difícil de todas: saber quanto e quando de ajuda precisa o instruendo, até que se descubra auto-suficiente. E, então, surgem as indagações: Como proceder daqui para frente? Não seria mais viável ensinar de forma profunda (correta) desde a Formação?

Implicações do treinamento na Formação. Tenho observado partidas recreativas de voleibol 4×4 na praia entre ex-atletas e indivíduos mais velhos. Mato as saudades e revejo velhos companheiros antes do indefectível chopinho. Ocorre que um ex-treinando meu surgiu para “bater uma bolinha”: era o Frederico, ou Fred, que inclusive consta da recente postagem “Esporte & Negócios”. Lembramo-nos dos treinos na mesma praia com mais cinco companheiros, sendo um deles o Márcio (canhoto, medalhista olímpico), que esteve hospedado em sua casa. Sua dupla com ele durou apenas um mês e meio e por algum motivo, desfez-se. Mas o Fred permaneceu treinando com afinco durante nove meses e penso que foi o momento melhor em sua formação. Acontece que ao “brincar” na praia nestes dias, em dado momento tentou defender difícil bola e não conseguiu. Imediatamente exclamei: “Errou porque utilizou a mão errada”! No que concordou, justificando que o seu braço esquerdo – agora aos 39 anos – já não o obedece e está esquecido. Disse-lhe depois que não podia comprometer minha imagem de treinador realizando movimento tão errôneo: “Se aprendeu, não esqueça jamais”! E veio-me à lembrança o sucesso do seu antigo parceiro com uma indagação: “Por que um tornou-se medalhista olímpico e o outro não”?
Outra lembrança do mesmo erro distante no tempo, talvez em 2002, quando assistia um treino da seleção brasileira masculina na EsEFEx, no Rio de Janeiro. Só que o personagem já era considerado um dos melhores defesa do mundo, o Serginho. E no último campeonato mundial masculino realizado na Itália pude constatar, mesmo observando pela TV, as dificuldades para defender de boa parte dos atletas campeões. E pior, em sucessivas aparições nada corrigido. Nesses casos parece que o treinador prioriza outros detalhes a treinar face às exigências do calendário de competições. Mas ainda quero crer que haja outros motivos, como por exemplo, “é preferível ele assim a outro com mais problemas na formação”. E, então, haja treino de saques e ataques.
Enquanto isto é bem certo que treinadores das divisões de Formação reforcem seus treinamentos segundo a mesma ótica, ou melhor, a mesma receita.
