Valorizando Defesas em Detrimento de Ataques – Lição VII

Treino é treino; jogo é jogo!

Vimos em “Treinamento: Defesa vs. Ataque” como podemos aproximar um treino das condições reais de jogo, tornando-o bastante motivante. Como alcançar tal estágio? Aparentemente, parece fácil, diriam, basta não errar. Todavia, muitas nuances se incorporam àqueles momentos, o que empresta certo grau de imponderabilidade aos lances. Aliás, altamente recomendável para a aquisição de atitudes de defesa, pois quanto mais variedade nos tipos de ataque, mas ricas são as experiências para aqueles que estão a treinar defesa.

Vôlei antigo vs. vôlei moderno

Em minhas experiências de jogador nunca vi treinamentos de defesa, ou algo que assim se pudesse denominar. Esta condição ou o atleta já a possuía ou, então, se constituiria um pequeno fardo para a equipe. Talvez realizar uma cobertura de bloqueio e olhe lá. Diziam todos os treinadores – e era verdade – não havia tempo para treinar tal fundamento, uma vez que até a década de 70 os clubes só treinavam duas (raramente três) vezes na semana, mesmo assim, somente por duas horas. Na década seguinte, nos anos 1980, veio para ficar o profissionalismo e, com ele, novos métodos, especialmente físicos, e os treinamentos diários. E a “força” passa a ser a tônica dos treinos, com cravadas impressionantes nos bate-bola ou aquecimentos. Eram de fato portentosas as cortadas, mas tinham um problema ainda não resolvido atualmente: deviam combinar com os bloqueadores para que estes facilitassem a ultrapassagem das bolas, pois os adversários teimavam em impedir o seu arremesso. Dessa forma, dois fundamentos passam a ter máxime importância no chamado voleibol moderno: o saque e o bloqueio. Compreenderam os treinadores/doutrinadores que um saque para ser eficiente deveria, pelo menos, dificultar o passe ao levantador, o que “quebraria” as jogadas de ataque adversário e, consequentemente, contribuiria para bloqueios eficientes das “bolas marcadas” ou de segurança.

Um depoimento – Em 1966, conversando com Adolfo Guilherme, treinador do Minas Tênis Clube, dizia-me ele após uma partida entre sua equipe e a do C. R. Icaraí, na qual atuava e era treinador: “Roberto, não sei o que vocês fazem em matéria de treinamento de defesa, mas o fato é que ontem tivemos dificuldades em colocar as bolas no chão, apesar de nosso ataque ser reconhecidamente fortíssimo.” Respondi-lhe de imediato: “Com certeza dever ser a praia, onde nos divertimos e nos aprimoramos sem qualquer compromisso”. Sorrimos e mais não dissemos.

O Circo de Matsudaira

Entre os Mundiais de Voleibol de 1960 (Rio) e os Jogos Olímpicos de Munique (1972) o voleibol japonês experimentou um desenvolvimento impressionante, sendo aplaudido no mundo inteiro e influenciado formas de treinamento nunca vistas no Ocidente. Destacaram-se, inicialmente, no feminino, conquistando o vice-campeonato em 60 e, a seguir, nos Jogos Olímpicos de 1964, tornaram-se as primeiras campeãs olímpicas da modalidade. O masculino viria a ser campeão olímpico somente em 1972. Foram marcantes em ambas as equipes, a concepção criada para derrotar principalmente as grandes equipes européias do bloco socialista que dominavam as competições internacionais. No plano estratégico engendrado por seu articulador Matsudaira, foi dada importância a um saque novo que dificultasse as recepções (já por manchete). Eram os chamados saques flutuantes; jogadas rápidas de ataque exaustivamente treinadas (fintas) que confundissem os altos bloqueadores; e uma tremenda condição física e mental para defender com impressionante índice de sucesso. A Federação japonesa produziu um filme de 20 min, que resume todo o trabalho de 8 anos. Matsudaira exibiu-o no Rio de Janeiro em 1975 quando da realização do curso que proferiu nas instalações da EsEFEx. Nuzman estava recém empossado na CBV e, anos mais tarde, autorizou-me a exibir a película, além de telecinar para fita cassete e DVD. Foram feitas somente duas cópias.

Líbero, melhor defensor?

E assim foi durante muito tempo, até que a Fivb foi aconselhada a incluir uma criatura que não tivesse medo de levar boladas ou, melhor dizendo, que fosse preparado para defender. Criaram o que passou a se chamar o LÍBERO. Quase sempre um “baixinho” que se destaca entre tantos gigantes que pouco ou nada sabem a respeito do que seja defender em voleibol. Mas por que um indivíduo relativamente mais baixo que os demais jogadores cria por força de treinamento condições ótimas de desempenho e outro, não tão diferente, não o consegue (é mais provável), ou jamais se interessou por fazê-lo? Creio que a resposta está configurada no que dissemos acima sobre os novos métodos de treinamento – “força” – na década de 80. Interessante notar que na década anterior, em que alguns atletas brasileiros se dispuseram a atuar no voleibol profissional dos EUA, as equipes eram de cinco atletas, sendo uma mulher e as posições eram fixas, não havendo os rodízios entre os jogadores. E o detalhe que considerei mais importante: “A valorização que os americanos emprestavam às ações de defesa. muito aplaudidas -. em detrimento de um quase descaso pelas cortadas violentas”. Isto é, um bom defensor era considerado o melhor jogador da equipe.

Por que um baixinho levaria vantagem nos movimentos de defesa? Coloca-se em destaque a necessidade de o atleta aprender a se deslocar rapidamente, a antecipar-se para aumentar suas chances de defesa, e apto para ações de contra-ataques. Em suma, examinar a concepção do criador do jogo voleibol desde 1895 e formatar condições novas de treinamento. Quer me parecer que “conhecendo a história podemos recriá-la a nosso favor”. Ou não? Creio que vale a pena tentar, pois teremos chances de mudar o que se está deixando de fazer. Afinal, não repetem em alto e bom som que no alto nível os detalhes fazem a diferença?

Ensinar é Contar Histórias?

Bem, não lhes parece que, as histórias consistentes, inclusive confiáveis, embalam-nos  por enredos eletrizantes, capazes de nos envolver e arrebatar, como se estivéssemos assistindo um filme em que nos sentirmos autênticos personagens executantes?

Nesse conceito, compus dois livros: no primeiro – Villa Pereira Carneiro, 1920 a 1950 -, em que propus-me dar a conhecer o bairro em que nasci e habitei por 33 anos, e construí relatos baseados em suas breves histórias do dia-a-dia de crianças e jovens, suas peripécias, joguinhos e convívios sociais. O segundo – História do Voleibol no Brasil, 1920 a 2000 -, em 2 vols., 1.047 págs., adjetivado como inédito, memorialista, enciclopédio e referência em Sociologia do Esporte.

Observem que, modernamente, de fato livros que tratam de ciências e sua divulgação nas práticas, os autores se exprimem exercendo sua natural intuição como os povos antigos pré-Gutemberg, a contar “histórias”, de refletem a veracidade dos fatos e suas vivências, ou as observadas oriundos de algum grupo social.

Em sendo assim, mantenho-me fiel às minhas intuições e aprendendo cada vez mais a partir de minhas crônicas oriundas, inicialmente de vivências de um jovem autorregulado aos 15 anos de idade, e depois como escriba, um tanto ou quanto, diferenciado e liberto das amarras das composições acadêmicas. Enfim…, “é como se estivéssemos conversando”!

O que mais sinto falta, é dos “compartilhamentos”, quando realmente há clima para críticas, sem nenhum sentido em reprimir instintos. Quanto mais opiniões diversas – generalistas – confrontam-se que convergem para novos avanços e ideias. Afinal, somos neofiílicos!

Saque Tático e Barreira

Um Pouco de História  

Há muito tempo, na década de 40, os brasileiros sacavam por baixo e o saque tático aparece pela primeira vez talvez por intermédio de uma equipe paulista. Os saques eram orientados em determinadas circunstâncias para a posição II (saída de rede).

Saques   

Utilizado somente o saque por baixo e não podia ser conduzido ou preso, isto é, o atleta deveria soltar a bola pouco antes do impacto da mão. Ainda no campeonato brasileiro de São Paulo, em 1954, ninguém sacava por cima – denominado tênis – pela semelhança com esse esporte e por ser executado acima da linha dos ombros. O saque tênis era restrito a poucos atletas e só foi mais difundido a partir de 1955, após o Pan-Americano do México. Um dos seus precursores foi Jorginho que, mais tarde, no Botafogo, sacaria também pela primeira vez no Brasil o tipo com salto, cognominado viagem, consagrado muito tempo mais tarde na TV por outros jogadores. Existiam, sim, uns poucos praticantes do saque balanceado. Borboleta, por exemplo, sacava de costas, pois não conseguia dominar a técnica do saque balanceado, executado de lado para a rede.

Em princípio, os saques eram realizados sobre os cortadores, tecnicamente mais fracos no fundamento da recepção. Já realizavam o que atualmente se denomina saque tático que, necessariamente não necessita ser curto. No sistema 3×3 recomendava-se que o saque fosse colocado na chamada zona morta ou saída de rede (posição II) quando o levantador estivesse ali; nesta posição ele teria a seguir, na ordem de rodízio, o seu cortador (III) e, depois, outro levantador (IV). Dessa forma, se ele recepcionasse, teria que efetuar o levantamento de primeira, ou passar a bola para que outro companheiro o fizesse. Com o advento do 4×2, e com um dos cortadores na posição (I), também era um saque incômodo para o atacante. Os paulistas foram os primeiros a realizar uma troca rápida entre o levantador em (III) e o cortador em (II) durante a respectiva recepção do saque, isto é, ambos os atletas trocavam de posição, sem toque na bola. Estavam protegidos pelos demais. Pelo que vemos, tivemos bons mestres. Com pequena variação de como tocar na bola no momento do saque, alguns atletas já conseguiam fazer com que a bola não tivesse qualquer movimento em relação ao seu próprio eixo e, assim, produziam o saque algum tempo mais à frente denominado flutuante (a bola é arremessada sem rotação ou sem peso).

Especialização precoce

Lembro aos mais novos praticantes e adeptos que há pouco tempo já está permitida a recepção do saque de toque, mas que poucos atletas utilizam, ou pela velocidade com que vem a bola ou até mesmo pela comodidade da manchete. Vejam que anteriormente, quando se iniciava uma criança a primeira tarefa era ensiná-la a tocar na bola com as mãos (e dedos). Posteriormente, e até hoje, ensina-se inicialmente a manchete. E, se não for levantador, não precisa nem aprender a tocar na bola por cima. Pior ainda, se não souber passar de manchete, é alijado (escondido) do passe; isto se for alto e eficiente nos ataques, como a Gamova.

Spin service, paraquedas e jornada

Pesquisadores relatam que já existia nos EUA, na década de 40, o saque denominado spin service. Conforme relatava Sílvio Raso, em Belo Horizonte empregavam um tipo de saque cognominado paraquedas, que chegava a atingir a altura de 8m em alguns casos. Sua recepção era bastante dificultosa e foi empregado no Brasileiro de Porto Alegre (RS), em 1952. Como existiam poucos ginásios em 1953 – a maioria das quadras era aberta – Paulo Castelo Branco, atleta do clube Sírio e Libanês (Rio), realizava este tipo de saque e, do outro lado da quadra, Borboleta era um dos poucos a recepcionar com seu incrível toque de bola. Em 1960, jogando no Botafogo, também o autor experimentou na quadra aberta (junto ao mar), anterior à construção do ginásio do Mourisco. Possivelmente, atingia altura aproximada de 12m-15m sem muito esforço. Na década de 80 foi consagrado no Brasil pelo jogador Bernard, que o praticava nas areias de Copacabana: a bola atingia uma altura de 25m e descia a uma velocidade de 72km/h (fora o efeito que ele imprimia à trajetória da bola). Só conseguia fazê-lo em ginásios com teto muito alto, como o Maracanãzinho.

Barreira 

Jogadoras do Flamengo realizam a barreira. Foto: acervo Marina Conceição Celistre.

Foi criada em 1952 e permaneceu até 1959 para criar dificuldades na recepção dos saques. Era permitido aos atletas inclusive levantarem os braços. Em seguida foi abolida esta permissão (levantar os braços), mantida ainda a barreira e, em 59, abolida definitivamente. Atualmente, os atletas da rede podem manter os braços erguidos, como numa ação preparatória para bloqueio, desde que afastados uns dos outros, protegendo-se de impactos da bola sem a intenção precípua de dificultar a visão dos adversários. (Regra XIII – Art. 7º – BARREIRAS – No momento do saque, é proibido aos jogadores da equipe que irá dar o saque de efetuar movimentos com os braços, saltar ou grupar dois ou mais jogadores, com objetivo de formar uma barreira, com intenção de encobrir o sacador.)

Pode-se observar na foto quatro jogadoras do Flamengo (Gilda, Marina e Celma; a quarta está oculta) realizando a barreira, tentando dificultar a visão no momento de um saque. O jogo, um Fla-Flu no ginásio do Maracanãzinho, pelos Jogos da Primavera, 1956. Observe-se ainda que o intervalo entre as três atacantes deveria ser ocupado pela atleta defesa-centro, respeitando-se, assim, a regra que rege sobre a “posição dos jogadores no momento do saque”.

O “Circo” de Matsudaira

A partir da década de 60 os japoneses deram uma contribuição importante para o desenvolvimento tático do jogo, uma vez que seu porte físico sempre estava em desvantagem em relação aos enormes europeus e equipes ocidentais. Criaram diversas variações táticas para anularem ou atenuarem suas desvantagens, inclusive com o saque longo, balanceado. E conseguiram por algum tempo, graças à surpresa. Foram campeões Olímpicos em 1964 e 1972 com as equipes feminina e masculina, respectivamente, assombrando o mundo esportivo por um bom tempo. Ocorre que quem está no topo tem suas qualidades e virtudes suficientemente estudadas, comparadas e incrementadas. O intercâmbio de jogos com o calendário internacional, as transferências de astros para grandes centros, principalmente a Itália, tudo levou a uma globalização nas formas e maneiras de atuar. As diferenças, se houver, são mínimas e ficam por conta, principalmente, da safra de atletas (C. A. Nuzman) que este ou aquele país apresente em dado momento. Todavia, se todos treinam e jogam da mesma forma, se os atletas já se conhecem ou porque jogam nos mesmos campeonatos no exterior ou pelo intenso calendário internacional, onde está a diferença? Por que o presidente da Fivb afirma que é ruim para o esporte o Brasil ter sido tricampeão?  Creio que se refere ao fato de que a equipe brasileira está algo acima tecnicamente das demais ao contrário do feminino, cujo Campeonato Mundial se desenrola atualmente com várias equipes com condições de alcançar o título máximo. Dessa forma, diz ele, há uma equiparação técnica que torna os embates atraentes para o público e para as próprias atletas.

Proximamente, volto contando pequenas histórias da prática dos “saques táticos”. E, se tiverem coragem, pratiquem, pois ainda dá certo. Certamente as brasileiras teriam complicado a vida da Gamova na entrada de rede com o emprego de saques curtos, juntos à rede, nas proximidades da linha lateral e antena. Duvido que ela fizesse a festa que fez por ali. Ah, e com o saque por baixo! Relembro ainda o Mundial masculino em que um dos brasileiros usou o saque tênis em direção ao jovem atleta cubano na entrada da rede com sucesso, pois não conseguiu passar bem e tão  pouco atacar.

Quanto às bolas mal passadas e reenviadas com uma das mãos ou de manchete para o outro lado, oportunamente voltaremos a falar com algumas sugestões de ataque. Se eu esquecer ou demorar demasiado, cobrem-me, por favor, pois é uma medida fácil e eficiente. Até lá!