Importância de um Bom Ensino (conclusão)

Psicologia no Esporte

Conforme o prometido, aqui está parte da entrevista do Dr. Victor Matsudo, um dos 2.400 médicos, psicólogos e pesquisadores de 140 países presentes ao Congresso Olímpico de Los Angeles, em 1984:

A psicologia esportiva conheceu grandes avanços nos últimos anos?

Quando o nível técnico é muito elevado, como acontece, por exemplo, numa Olimpíada, é que todos os atletas evidentemente são pessoas favorecidas geneticamente e devem ter também técnicos altamente capazes que as fizeram chegar a esse nível. De maneira que a decisão de quem vai ganhar a prova fica dependendo não de fatores orgânicos ou técnicos – todos são de alto nível – mas dos fatores psicológicos. Numa competição comum, é provável que uma pessoa que não esteja bem psicologicamente consiga se sobressair, mas em alto nível a condição psicológica acaba sendo um fator importante. O trabalho feito pelos psicólogos das equipes americanas era o mais democrático possível. Eles ficavam à disposição dos atletas e, quando havia o contato, faziam um serviço de apoio e não uma psicologia intervencionista, dessas que querem mudar a personalidade do atleta e são responsáveis pela má acolhida que os psicólogos têm no esporte. Uma novidade foi também o trabalho de abordagem dos psicólogos, que procuravam trabalhar em cima de suas falhas. Outra coisa muito utilizada foram as técnicas de autorrelaxamento, técnicas de ioga.

– Moses foi visto deitado na pista, momentos antes de uma largada.

Este é um bom exemplo. Ricardo Prado também possui uma técnica de relaxamento muito adequada. A máxima performance de um indivíduo só é conseguida na medida em que ele se abstrair ao máximo e se concentrar ao máximo no ato motor que está programado para executar, especialmente em esportes individuais. Atletas que não possuem o poder de concentração, nessas modalidades, não têm a menor chance de ser bons atletas a nível internacional.

– Mary Lou Retton teve algum trabalho especial de psicólogos?

Até a Olimpíada, ela teve o trabalho normal do grupo que assessorou todas as equipes americanas. Agora, um psicólogo irá trabalhar com ela, especialmente para combater a fobia do sucesso – que é um dos maiores problemas das performances de alto nível. Após um estrondoso sucesso, a pessoa sempre se pergunta: “E agora, será que nas próximas vezes chego lá?” Além disso, surgirão problemas com uma menina que passará a ganhar mais que toda a família junta.

– O psicólogo passou a ser mais aceito, a ter mais poder nas comissões técnicas?

A imagem do psicólogo maluco que quer mudar o comportamento do atleta provocou muitas rejeições nos meios esportivos, mas agora está mudando. O novo psicólogo ajuda o atleta a modular sua energia, suas reações, a enfrentar arbitragens, longos períodos de concentração fora de casa, plateias hostis, ou a expectativa da torcida, como aconteceu com os norte-americanos.

– O senhor esteve hospedado na casa do psicólogo-chefe da equipe americana. Descobriu algum “segredo de Estado?”

O professor Briant Cratty é o maior autor americano na área de psicologia do esporte e teve sob sua orientação a maioria dos profissionais que trabalhavam diretamente com as equipes americanas. Então vou contar algo que soube ali sobre o jogo de vôlei contra os brasileiros. A assessoria psicológica americana sabe que o atleta latino reage de forma diferente diante de um confronto altamente difícil e de outro apenas pouco difícil. Um dos maiores problemas que nós, brasileiros enfrentamos são as decepções que sofremos nas quadras ou nos campos de futebol, quando enfrentamos equipes reconhecidamente inferiores, ou quando poderíamos opor maior resistência numa partida e misteriosamente jogamos mal e somos derrotados. Então, em função de terem perdido os dois primeiros sets por 15×10, numa noite em que o Brasil apresentou uma de suas melhores atuações, os psicólogos sugeriram que os Estados Unidos entregassem o terceiro set para que, numa possível final, os brasileiros estimassem que as dificuldades para ganhar a medalha de ouro fossem menores que as reais. Nesta final, o Brasil acabou enfrentando um Estados Unidos bem mais forte que o esperado e que apresentou muitas jogadas que antes procuraram esconder dos brasileiros. Eles, ao contrário, conheciam todas as nossas bolas e o nosso potencial.

Importância de um Bom Ensino (II)

Lições de entrevistas

Sou um dos colaboradores do sovolei e deveras interessado no voleibol português. Acompanho suas notícias, entrevistas e resoluções desde 2005. Recentemente, meu interesse recaiu sobre entrevistas de dois de seus personagens atuantes. Reporto-me agora à entrevista de Valdir Sequeira em 25.3.2010, um dos atletas portugueses com mais sucesso e o único que no momento joga no mais competitivo campeonato da Europa. (www.sovolei.com/Entrevistasovolei). Com este texto, complemento os comentários da outra entrevista, do treinador e Professor de Educação Física português, Arlindo Miranda, sob o título “A Nossa Missão”, vinculada em www.sovolei.com/Zona7 em abril de 2010. Meus comentários estão neste Procrie/Fórum, sob o título “Importância de um Bom Ensino” (9.5.2010). Ao Valdir Sequeira, peço humildemente sua clemência por imiscuir-me em seus pensamentos e dizeres, mas tocou-me fundo sua espontaneidade e sinceridade. Imagino que após esta leitura poderá aquilatar mais propostas para o seu filhinho Valdir André. Perdoe este vovô distante. Lembrarei a todos sobre a pedagogia dos exercícios, metodologia e os cuidados de seu emprego não só no voleibol, mas em qualquer desporto. E mais, para o próprio desenvolvimento do indivíduo.

No Brasil, e penso que em muitos países, o ensino de qualquer desporto continua encontrando as mesmas dificuldades de outrora, isto é, sabe-se mais a respeito das técnicas de execução dos gestos, das táticas a empregar, de quase todos os ingredientes científicos, mas pouca atenção se dá – diria que nenhuma – aos primeiros aspectos da Formação dos futuros praticantes. Defino futuro praticante aquele indivíduo de pouca idade que se propõem a aprender algum tipo de esporte para o seu lazer e, quiçá, até como profissão. Em voleibol, como em qualquer outro desporto, o embasamento teórico está voltado para que as respectivas técnicas de execução dos gestos – as habilidades motoras específicas – devem ser aprendidas, aperfeiçoadas e exaustivamente treinadas por adestramento. Entretanto, essas habilidades motoras atuam em consonância com uma outra componente, a educação dos sentimentos ou do comportamento emocional, totalmente negligenciada.

“Educar sempre significa mudar”. Se não houvesse nada para mudar não haveria nada para educar. Que mudanças educativas devem realizar-se nos sentimentos? Todo sentimento é um mecanismo de reação, ou seja, é certa resposta do organismo a algum estímulo do meio. Logo, o mecanismo de educação dos sentimentos é, em linhas gerais, o mesmo para todas as demais reações. Estabelecendo estímulos diversos sempre podemos fechar novos vínculos entre a reação emocional e algum elemento do meio. A primeira ação educativa será a mudança daqueles estímulos com os quais está vinculada a reação. Este tema indica uma das regras psicológicas de suma importância: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. De outro modo se transformaria numa cansativa repetição, contra a qual se rebela o organismo. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”. Nas minhas práticas foi assim que procedi ao construir meus exercícios quando treinava solitariamente: tinha-os como verdadeiros desafios a serem conquistados com muita obstinação e esforço, plenamente recompensados. Nos treinamentos que realizei na minha carreira de treinador exigia individualmente o cumprimento de todas as fases do exercício, especialmente o ritmo, o que importava em repetição desde o início se houvesse algum deslize no seu desenvolvimento. E, detalhe, os companheiros não envolvidos acompanhavam toda a execução, apoiando e incentivando. Os exercícios tinham verdadeira produção teatral, ricos em plasticidade e descontração, traduzidas na alegria e satisfação dos indivíduos, inclusive, gerando plateia. Há alguns anos encontrei-me com um deles (em 1981 tinha 18 anos), que me agraciou com uma declaração demasiadamente generosa ao apresentar-me ao amigo: “Este foi o melhor e maior técnico que já tive”. Valeu a pena! Creio que na fase adulta de sua vida deve estar colocando em prática tudo que emocionalmente vivenciou naqueles tempos. Este é o verdadeiro campeão que buscamos!

Comentários e lições

O fato de ter passado na infância por outros desportos – atletismo, natação, basquete –, certamente contribuiu para a formação de uma memória motora ampla e variada. Em tese, para a prática do voleibol de alto rendimento requer-se um repertório de recursos técnicos somente possíveis para atletas que possuem memória motora compatível. Por isto os treinadores de seleções nacionais dizem sempre: ”Não há como treiná-los para refinar este ou aquele fundamento, pois estamos próximos da competição”. E acrescentam: “O erro vem da base (Formação)”. Pessoalmente tenho vários registros desse pensamento em diversas épocas. Alguns problemas estão detectados:

–    O treinamento precoce por adestramento surte os efeitos desejados, ou estaria agindo contra o próprio aprendizado?

–    O sistema de competições em que se valorizam os campeões em detrimento da grande maioria de vencidos, não seria mais desestimulante do que agregador?

–    A peneira – seleção e filtragem – de jovens aspirantes à prática competitiva, aliada à busca de indivíduos altos, não seria fator de limitação e desestímulo para milhares de crianças?

–    Como conciliar a prática desportiva com os estudos e o convívio social?

Essas observações nos convidam a examinar cada pensamento, cada palavra do jovem que se aproxima de qualquer desporto pela primeira vez. São os momentos de sua formação, em que cabe ao professor/treinador estar atento e bastante instruído para que não se percam possíveis candidatos pelo emprego de uma técnica de ensino inadequada. Como dissemos anteriormente, a metodologia do treinamento suscita uma das importantes regras psicológicas: o exercício só é plenamente bem sucedido quando acompanhado de uma satisfação interior. Em suma, “o esforço coroado de êxito, eis a condição mais importante para se avançar”.

(…) Bater parede… Exercitar-se contra uma parede é algo que traumatiza qualquer indivíduo, seja criança, jovem ou adulto. Era uma prática muito empregada no tênis, o famoso bater parede. É preciso muita força de vontade para superar tal castigo imposto a uma pessoa que está ali inicialmente para aprender a jogar e divertir-se. Todavia, entendo que muitos treinadores não dispõem de tempo para dedicar-se a este ou aquele candidato em determinadas fases de suas atividades à frente de uma equipe. Há momentos e brechas no calendário para fazê-lo com mais carinho e atenção. Mas jogar o indivíduo contra uma parede parece-me sádico. Já passei por esta situação quando tinha 20 anos. O treinador disse-me “Volte no início do ano que vem, pois agora estamos terminando nossas competições”. No ano seguinte encontrei-o como adversário num campeonato universitário brasileiro, pois ele também atuava. Surpreso, disse-me após o jogo em que perdera para a minha equipe: “Continuo esperando-o, volte lá”. Deve estar aguardando até hoje, pois nunca mais apareci. Receber a visita de um aspirante ao grupo é algo delicado, mas muito negligenciado pela maioria dos treinadores. Comparo ao atendimento de uma recepcionista numa grande empresa quando atende um telefonema. Como não sabe com quem está falando, torna-se o fiel da balança: dependendo de como atenda, a empresa poderá perder uma grande oportunidade de negócio. Há várias formas criativas de envolvermos um jovem iniciante entre os adultos de uma equipe, mesmo que ainda não possua uma técnica compatível com os demais. Mas nenhuma delas deve incluir a parede, ou o isolamento, pelo contrário, deve-se incentivar o maior contato com o grupo. Esteja sempre desperto para proceder da forma mais amistosa e carinhosa, ainda que isto seja motivo de mais trabalho. No futuro, certamente será recompensado. Resta aprender como fazê-lo de forma eficiente.

Treinos aborrecidos… Costuma-se dizer que “treino é coisa séria” e, então, não deve haver brincadeiras, falta de atenção ou empenho. A fase mais criativa de minha breve carreira de treinador foi em minha passagem por um clube carioca, em 1981. Conseguimos, todos nós – dirigentes, funcionários, atletas – formar um grupo coeso através da criatividade dos treinos. Mais ainda, ganhei o respeito e a admiração não só dos rapazes, mas da comunidade do voleibol, pois recebíamos diversos elogios pelas atuações nos campeonatos de que participamos. “Como foi possível”? Na maior parte, dando ludicidade aos treinos, conquistando a confiança, amizade e o respeito de todos, o que se traduziu em máxima atenção, empenho e dedicação. E um detalhe: na equipe adulta contávamos com quatro atletas juvenis eficientíssimos (18 anos). Isto sugere progressos e novas exigências, além de um significado pedagógico: todo caso de plena satisfação com os resultados acarreta certas mudanças no mecanismo nervoso da adaptação. Sugere ainda que apenas uma simples repetição ainda não assegura o momento do êxito, uma vez que só a execução bem sucedida de alguma ação propicia a formação da organização desejável no sistema nervoso central. Se o mesmo movimento se repete a cada instante, a exaustão leva a resultados insatisfatórios que impedem diretamente a formação de novos caminhos de menor resistência. Este pequeno grande detalhe nos leva a tergiversações infindáveis. Todos já devem ter assistido em cursos ou treinamentos de adultos a aplicação de inumeráveis exercícios objetivando este ou aquele elemento do jogo, implicando um ou mais jogadores, numa sequência às vezes variada de movimentos repetitivos. Por exemplo, assistindo um dos treinos de seleção brasileira (não me recordo o ano), analisei a sua construção e o seu objetivo. Era um treino de defesa individualizado para jogadores que, invariavelmente, ocupam a mesma posição ou área da quadra (I e II). No caso em questão tratava-se de atletas especialistas em ataques de “saída de rede”. Eram dois que se revezavam a cada ciclo de cortadas produzidas por três auxiliares situados no outro campo, posicionados sobre uma mesa; cada um deles nas posições de ataque convencionais. Invariavelmente, os ataques se sucediam em profusão, mas em constante monotonia, o que me pareceu comprometer a validade (qualidade) dos exercícios. Acertos ou erros, especialmente estes, não tinham o necessário diálogo entre treinador e atleta. Assim, cumpriu-se o ritual do treinamento (50 vezes), mas não creio que aqueles dois indivíduos tenham acrescentado qualquer aspecto de desenvolvimento no quesito defesa. Mas saíram bem cansados e, pior, teriam que repetir a mesma coisa nos dias seguintes. A meu ver, não acrescentaram nada ao seu cabedal técnico que, com certeza, não incluía saber defender. Lembrei-me do saudoso Adolfo Guilherme (Minas T. C.), que em 1966 à beira da piscina do Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, me dizia após nosso jogo pelo campeonato de clubes campeões: “Não sei o que vocês de Niterói fazem (treinos), mas sempre encontramos muitas dificuldades para levá-los de vencida; como defendem”! Uma de nossas vantagens sabia ele, é que atuávamos impreterivelmente duas vezes na semana no voleibol de praia de forma descontraída e moleque.

(…) Melhor modo para aprender as bases do voleibol. Faço este destaque porque se trata de uma observação de um atleta experimentado, com 28 anos de idade, com passagens por diversas equipes do melhor campeonato do mundo, o italiano. Imagino que ele tenha presenciado métodos mais condizentes do que bater parede e não queira colocá-lo uma vez mais para os aspirantes ao voleibol? Qual seria, então, o melhor modo de se aprender as bases do jogo?

(…) As motivações... Percebe-se a influência dos grandes eventos na conquista de novos adeptos para um desporto. Os japoneses, marqueteiros por excelência, muito contribuíram para a divulgação do voleibol no mundo graças à atuação de Matsudaira nas décadas de 60 e 70, quando revolucionaram as técnicas do voleibol, foram campeões olímpicos – feminino e masculino –, além de encantarem o mundo com o seu “Circo”. Em 1975 (ou76?) ele esteve no Rio de Janeiro onde realizou um curso. Junto, deixou conosco um curta metragem sobre como foi feito o seu “plano de treinamento de oito anos” para transformar o Japão numa potência olímpica no voleibol. Posteriormente, fui o único no Brasil a ter acesso ao filme e, sempre que podia, levava-o a escolas e clubes para exibi-lo, inclusive com comentários. Hoje transformei-o em DVD. Assim, entendi que quanto mais pompa, mais envolvimento de pessoas e um trabalho correto, sério, mais adeptos vamos cooptar para o desporto. Pensando dessa forma, construí projetos em praias para até 400 crianças simultaneamente. Em 1991, projetei para a CBV curso para 1.200 crianças por várias praias do Brasil. Sucesso absoluto!

(…) Superação diária nos treinos… Pode ocorrer que o que se está propondo fazer não é o melhor para o indivíduo, invariavelmente, um padrão de comportamentos estereotipados, receitas técnicas, ou como dizemos por aqui, receitas de bolo. Quase sempre não há diálogo entre treinador e atleta, o que acarreta uma simples imposição dos exercícios, tornando uma repetição cansativa que invariavelmente leva ao cansaço e ao descaso. Despertar o interesse do indivíduo por uma tarefa é torná-lo corresponsável por ela, senão o único a executá-la, corrigir-se até que atinja a perfeita técnica da sua execução. Este deve ser o seu objetivo e prêmio: aperfeiçoar-se e descobrir novos desafios. Assim, treinar com nível de exigência definido e acessível é diferente de repetir exercícios, onde o nível de exigência é quase sempre relegado. A isto se chama Treino Profundo (ou de Qualidade). Destacam-se dois aspectos: 1) O indivíduo não é levado a pensar para decidir sobre a nova situação.  2) Sendo repetitivos, tornam-se exaustivos e, então, em que ponto devemos evitá-los?

(…) Antes de decidirem… pelo voleibol, quero que estudem e que terminem os estudos. Sábias palavras! Para não cansá-los em demasia, deixo meu testemunho: abdiquei de figurar na seleção brasileira na década de 60 (tinha 22 anos) em favor da opção de estudar, trabalhar no Banco do Brasil e constituir minha família. Continuei a prática do voleibol em clubes, cursei a Universidade, realizei pós-graduação em Técnica de Voleibol e tornei-me especialista na Formação, sendo pioneiro do mini voleibol no Brasil. Visitem www.procrie.com.br