Voleibol na Escola (XII, final)

Iniciação & Formação. Problemas e Soluções

 

22) Surpresas na iniciação

Há pouco presenciei um jogo amistoso de voleibol entre crianças iniciantes de escolas de Niterói. Nesta partida, era um confronto de “mirins”, sendo que uma delas era uma equipe de um clube-escola que disputa o campeonato carioca da categoria. As equipes eram femininas e a surpresa ficou por conta do treinador desta  equipe: não sabia explicar por que perderam para as colegiais, com tantos treinos, vivências e a sua própria experiência. Enquanto as meninas da escola vibravam de alegria a cada ponto conquistado e se divertiam com isso, as outras se mostravam tímidas, não conseguiam se mover na quadra e completamente atônitas diante da manifestação contrária. Mesmo quando conseguiam sucesso nas suas jogadas. Por outro lado, o professor da escola, que apitava o confronto, não dava a mínima para o seu possível resultado, agradecido que já estava por realizar uma festa de congraçamento como aquela. Suas alunas tinham, efetivamente, 2 meses de aulas (2 vezes na semana) e brincavam muito nas redinhas de minivôlei. Agora estavam jogando uma partida numa rede e quadra oficiais. E, do outro lado, as crianças do clube-escola, que treinam insistentemente na semana.

Conclusão – O ponto crítico entre aquelas crianças era o fato de umas estarem se divertindo, alegres e, as outras, completamente estarrecidas, atônitas, a esperar de seu treinador (adestrador) uma palavra para o que fazer diante daquelas situações? De um lado total independência de atos e movimentos, todos espontâneos; do outro, apatia. Só jogar não permite um desenvolvimento técnico eficiente e rápido. Só se exercitar não contribui para um despertar tático. O equilíbrio entre estas situações pode ser a solução para um rápido aprendizado e um desenvolvimento cognitivo do indivíduo e da equipe. Muitas vezes convém rever critérios de avaliação – se os há – no sentido de se analisar o que estamos fazendo e para onde estamos indo? Nosso trabalho é produtivo para aquelas crianças, ou simplesmente para nossa afirmação ou capricho? Devemos nos lembrar sempre que “só se é criança uma vez na vida”. Passados aqueles momentos, só recordações… Mas como toda ação deixa a sua marca, ela se manifestará na vida adulta de alguma forma. Esperamos que sejam eternamente positivas para aquele indivíduo.

23) Aquecimento e bate-bola

Todos sabemos da importância desses dois fatores. A professora ou treinadora poderá levar suas alunas a executar a primeira tarefa – aquecerem-se fisiologicamente – e, em seguida, “entrarem em calor de jogo”. Normalmente, as equipes são levadas a repetir os mesmos movimentos já consagrados pelo uso. Iniciam pelo bate-bola duas-a-duas e, posteriormente, passam às cortadas na rede e, finalmente, aos saques. No caso de principiantes, dado ao nervosismo reinante, é fundamental a presença da professora bem próxima das alunas, estimulando-as e incentivando-as, proporcionando com sua presença um apoio deveras importante para um equilíbrio das emoções. É aconselhável que tenham “decorada” a lição desta fase que antecede a partida. Todas devem saber o que têm que fazer. Se criar movimentos diferenciados, importantes para o aquecimento, tanto melhor, pois impressiona positivamente sua equipe, acrescentando-lhe algo diferenciado sobre suas oponentes. Já se constitui num fator psicológico a seu favor. Quais seriam esses movimentos? A critério da imaginação da professora, algo similar aos mesmos movimentos que as atletas realizarão no próprio jogo, executados de maneira mais lenta e cômoda no início, acelerando-se em seguida e respeitadas certas dificuldades.

Costumo dizer que o bate-bola faz parte do treinamento de qualquer equipe. É um momento importante que deve ser observado inclusive para espionagem. (ver item 18, “Percebendo a equipe adversária”). A partir dessas observações, podemos avaliar o desenvolvimento de nossas próprias atletas em situação de jogo. Seriam verdadeiros testes de verificação. A experiência da professora vai indicar-lhe os caminhos (nos treinos) a percorrer para tranquilizar e harmonizar sua equipe, preparando-a para as partidas. Vemos, então, que existe um componente implícito nesta fase: o estado emocional das jogadoras. Como cuidar dele já abordamos alguns aspectos em outro item. Precisamente antes da partida, NÃO se deveria encher as atletas de instruções de última hora, do tipo “Lembrei-me, agora, que você deve…”, ou  “Não esqueça de…”, ou, mais ainda, “Cuidado com…” e tantas outras importantes recomendações que, certamente, ninguém estará dando bola para o que ouviu, se é que se ouve alguma coisa naqueles instantes. O fato principal é que a professora consiga manter calmo o seu grupo e que o seu apoio seja percebido e copiado por todas, auxiliando-se mutuamente. Trabalhe o EMOCIONAL, pois sempre terá que se valer dele. Inclusive, durante as partidas. Observe, ainda, que decisões devem ser tomadas durante o jogo advindas das observações do aquecimento. Para que as atletas tenham esta consciência e discernimento deverão ser bem preparadas para fazê-lo e não aguardar que a professora lhes diga. Só em último caso. É necessário que aprendam a tomar decisões e, para tanto, devem aprender também a pensar em voleibol. (ver item 11, “Final de set…”)

24) O que representa o jogo para as crianças?

A essência do jogo está no prazer e no fato de proporcionar um espaço imaginário que foge das atribulações cotidianas. Quando brinca, o indivíduo fica transportado de satisfação, sem no entanto perder o sentido da realidade. Dois elementos são constitutivos do jogo: a luta por alguma coisa ou a representação de algo, envolvendo neste caso o faz-de-conta, a imaginação. Pode existir um equilíbrio entre esses dois aspectos.  Esses três conceitos foram elaborados por Piaget ao pesquisar a formação do símbolo. Para ele, o jogo é um dos instrumentos principais para o exercício da inteligência. Desde o nascimento até a adolescência o indivíduo passa por diversas fases quanto à construção do seu universo cognitivo: o jogo sensório-motor, o simbólico e o de regras, sendo que este consiste na atividade do ser socializado. Cada uma dessas fases não inclui a anterior: à medida que a criança amadurece sua inteligência se expande, assimilando e acomodando novas brincadeiras aos esquemas já conhecidos.

Aqui termino esta série de textos sobre a atuação da professora na formação de uma equipe de voleibol na sua escola. A partir de agora estarei atento aos comentários e sugestões. Envie suas dúvidas ou questões para, juntos, procurarmos soluções e trocarmos experiências. Até lá!

Fases do Treinamento

Ponto de vista psicológico

Tudo passa e todo movimento repetido antecedeu o primeiro justamente por ter perdido alguma coisa e adquirido algo novo. Assim, cada lançamento e recuperação (o movimento global) têm a sua própria história. Contudo, nada passa, pois tudo deixa seu vestígio e tem influência na vida presente e futura. Conclui-se:

a) Cada ação deve ser vista como única em toda sua representatividade e características;

b) A importância que podem adquirir os atos mais insignificantes caso se tornem habituais;

c) Cabe ao aluno, em conjunto com o professor, a observância das correções necessárias. Poderão, ainda, beneficiarem-se da observação de colegas. (David Wood)

Fases consecutivas

Uma frase frequentemente citada de Immanuel Kant: “Todos os conhecimentos humanos começam por intuições, avançam para concepções e terminam com ideias”. A minha interpretação do dictum de Kant: “Aprender começa por uma ação e uma percepção, avança daí para palavras e conceitos, e devia acabar em hábitos de pensamento desejáveis”.

Sumariando

“Para uma aprendizagem eficiente, uma fase exploratória deve preceder a fase de verbalização e formação de conceitos e, eventualmente, o conteúdo aprendido deve fundir-se e contribuir para a atitude mental essencial do aprendiz. Este é o princípio das fases consecutivas”. (George Pólya)

Nossos movimentos são os nossos mestres

Em novembro de 1960, foram disputadas as fases finais dos campeonatos masculino e feminino mundiais de voleibol em duas cidades limítrofes: Niterói e Rio de Janeiro. Na abertura desses jogos (3/nov.) completei 21 anos de idade. Era um jovem ávido por aprender os mistérios do jogo. Durante um breve período de treinos em Niterói, imiscuí-me entre os atletas, pois conhecia a maior parte deles e havia problemas de contusões. Embora não participasse dos coletivos, reservados para a parte da noite, satisfazia-me o fato de incluir-me nas sessões de fundamentos no período da tarde. A organização era tão deficiente, que até eu mesmo consegui combinar um treino coletivo para a seleção brasileira com uma equipe convocada às pressas entre alguns indivíduos praticantes. Após o mundial, consegui uma única bola de vôlei e passei a exercitar-me solitariamente num ginásio três vezes na semana, 2 horas por dia, durante 3 meses. Tive que construir formas de exercícios que pudessem exigir-me muito além do que vira antes, uma vez que minha motivação não tinha limites. E, assim, após este período, dominava uma técnica que passou a diferenciar-me dos atletas de minha época. Além de tornar-me exímio em todos os fundamentos (exceto o bloqueio, por não poder treiná-lo), consegui algo inédito: atacar com a utilização de ambos os braços. Lamento não ter conhecido Kant há mais tempo… Mas ecoa em meus ouvidos o que apregoava:

Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço. 

O único educador capaz de formar novas reações no organismo é a sua própria experiência, a base principal do trabalho pedagógico. Não se pode educar o outro. É possível apenas a própria pessoa educar-se, ou seja, modificar as suas reações inatas através da própria experiência. Toda riqueza do comportamento individual surge da experiência. Cada ato ínfimo nosso tem o seu significado futuro. Um gesto descuidado, um movimento casual e uma brincadeira inocente, uma vez realizados já deixaram o seu vestígio no sistema nervoso e esse vestígio irá manifestar-se forçosamente talvez sem que o sintamos, mas o organismo o sentirá.

Conclusão

Coloque-se insistentemente em condições que o mantenham na trilha de um novo caminho ou conquista. Nunca deixe de observar um novo hábito enquanto ele não se consolidar em você. Cada violação é comparada à queda do novelo (um recomeço). A continuidade do exercício constitui o meio principal para tornar infalível a atividade do sistema nervoso. (David Wood)

Permita que aprendam por descoberta. Permita que aprendam provando”. (George Pólya)

Acrescento ao que foi dito anteriormente, que faço uso de exercícios nem sempre copiados – as receitas técnicas (ou de bolo) – para atingir objetivos delineados com o grupo que estou a ensinar. Entendo que a primeira coisa a fazer na forma de ensinar é conhecer os principais interessados: os alunos (ou os atletas). Assim procedi com aquele grupo de clube: no primeiro dia de nossa apresentação; convidei-os a jogarem entre si (2 sets) e, após, dialoguei com eles apresentando meu plano de trabalho. E, importante, incuti mensagem de confiança relatando minhas experiências pessoais no ramo. Sobre as receitas de bolo convido os professores a terem extremo cuidado na escolha dos exercícios destinados a seus aprendizes, até porque existem formas ineficazes que certamente comprometerão o seu trabalho. Além disso, ainda que um exercício seja na sua essência eficaz, a forma (dinâmica) de execução pode deixar a desejar.

Nível de exigência

O erro mais comum de ineficácia é o nível de exigência empregado: “Se devo tocar a bola que foi arremessada a 6-7 metros de distância, a maioria dos treinandos executa a partida antes do arremesso e o esforço já não é o mesmo”.

Não conheço treinador que se previna desse mal, mesmo os reconhecidamente mais exigentes. A prova maior reside no comportamento em jogos, quando gesticulam e gritam desesperadamente sempre que ocorre uma falha de qualquer atleta. Isto poderão ver até mesmo em jogos de seleções nacionais. Se tiverem tempo e disposição para assistirem aos treinos de qualquer equipe creio que me darão razão. Já o fiz por diversas vezes ao longo dos anos, inclusive no Voleibol de Praia, até de medalhistas olímpicos.