Treinamento de Defesa

A brasileira Maria Antonelli realiza uma defesa com sucesso. Foto: FIVB/DIVULGAÇÃO.

Segredos do Ensino

Aprendizagem ativa. O matemático húngaro George Pólya nos dá boas lições a respeito de ensino e aprendizagem que bem podemos aplicar ao nosso dia a dia: “O que o professor diz na sala de aula não é de forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam nascer na mente dos alunos e o professor devia agir apenas como uma parteira. Este é o clássico preceito socrático e a forma de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo socrático”. E conclui com sabedoria: “Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – permita que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que descubram por si mesmos, tanto quanto for possível”.

Detalhes que fazem a diferença

Há algum tempo, desde que dei início a treinos de Vôlei de Praia por volta de 1993 venho batalhando num dos aspectos do fundamento defesa que considero básico para qualquer atleta adquirir tal técnica. Nas poucas incursões que fiz a jogos ou mesmo treinos das grandes estrelas – masculino ou feminino – nunca percebi este que é para mim um detalhe fundamental para uma boa defesa. As fotos foram colhidas na Internet por ser um bom exemplo para divagarmos sobre o assunto que será dividido em dois aspectos: a aproximação (chegada) e o toque propriamente dito. Reparem que na primeira foto está suprimida parte da mão esquerda da atleta, impossibilitando a sua leitura, isto é, estaria com a mão aberta ou fechada? Um segundo detalhe, a atleta está em processo de queda, tendo se lançado para interceptar a bola no tempo (altura) que elegeu. Como estamos diante de algo estático (a foto), podemos realizar conjecturas a respeito: 1º) a bola ainda não chegou à mão da atleta; 2º) a atleta já tocou na bola.

A alemã Laura ludwig, 28 anos e 1, 80m, em mais uma intervençao. Foto: FIVB/DIVULGAÇÃO.

Uma segunda apreciação está colocada pela foto ao lado. Ela nos sugere que a atleta efetuou um movimento em direção à trajetória da bola e, percebendo que não teria a melhor posição para efetuar o seu toque, lançou-se com o apoio de ambas as pernas (joelhos) e, em um esforço inaudito, efetua o toque em manchete. Conjectura-se: 1º) Se há tempo para tocar a bola a mais de 1m de altura, inclusive com ambos os braços, por que a queda? 2º) em situações limites, de esforço extremo, em que altura deve-se procurar tocar a bola? Conclamo meus visitantes para conversarmos sobre o assunto, colocando nossas percepções e, dessa forma, aprendermos juntos o melhor caminho para o ensino. Estarei aguardando-os. Enquanto isto relembrem o texto a seguir, uma vez que é muito esclarecedor para o tema atual.

Exercícios e bons hábitos. Uma atleta para chegar a tal nível certamente passou, e deve estar passando, por um treinamento exaustivo. A escolha adequada, a qualidade, a forma de execução e o nível de exigência dos exercícios vão determinar a expressão de seus gestos e, sem dúvida, seu nível técnico neste ou outro fundamento. Assim, cabe ao treinador e à própria atleta decidirem o que treinar, como treinar e avaliar as mudanças de comportamento sem o que os exercícios tornam-se meras repetições. Além disso, se mal formulados ou executados, voltam-se contra a executante. Tanto no voleibol indoor, como no de praia, as atitudes dos protagonistas são similares, isto é, treinadores e atletas se descuidam quanto à necessidade de aprimoramento – Nível de Exigência e Qualidade– das principais deficiências técnicas. Já me entrevistei com vários deles, inclusive de seleções nacionais, e a alegação é sempre a mesma: “Não há tempo para corrigir”. O tempo passa e as consequências parecem não serem notadas. No alto nível do vôlei de praia, em que os atletas são “donos do próprio nariz” (tudo decidem, são os patrões), a figura do treinador é bastante delicada, uma vez que pode ser descartado a qualquer momento. Assim, quase sempre funciona como um “mordomo” de luxo. Como pode ele exigir aprimoramento, busca da perfeição, treinamento exaustivo do seu patrão? Durante treinamento de uma campeã olímpica na Praia de Ipanema (Rio de Janeiro), presenciei o treinador repetir que a sequência de saques em execução estava ótima numa evidente mensagem de puro agrado, embora a técnica empregada pela atleta deixasse muito a desejar. Como ela não errara nenhum dos serviços, para eles estava tudo bem! Em outro caso, eu era o treinador, uma das atletas desculpava-se comigo de não poder atender às minhas exigências, pois já era mãe, “trabalhava fora” e ainda tinha que treinar… Deixei-a brincar de faz-de-conta. Pouco tempo após, já com um jovem treinador, queixava-se de que pouco era exigida.

Antes de dar início às minhas razões, relembro alguns detalhes ditados pela Psicologia a respeito da formação de bons hábitos que fui buscar na obra de David Wood.

Mistério da vontade. Para entender os mistérios da vontade e do comportamento seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos. Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade? “Pode-se afirmar que 99% dos nossos atos são executados de modo automático ou por hábito. Todos os nossos atos e até mesmo as falas comuns consolidaram-se em nós graças à repetição em forma tão típica que podemos vê-los quase como movimentos reflexos: para toda sorte de impressões temos uma resposta pronta, que damos automaticamente”. Por isso o objetivo do professor é infundir no aluno hábitos que na vida possam trazer proveitos.

Primeiro movimento. Reportando-nos à foto, imaginemos o que teria passado na cabeça da atleta antes de ela decidir se movimentar em direção à bola. E o quanto é importante o treinador ou professor saber para melhor avaliar e construir os ensaios necessários ao apuramento da técnica do atleta: “Quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”.

Sentimento do impulso. É uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. Temos a sensação de que esse movimento foi suscitado pela nossa própria vontade, porque o resultado final obtido corresponde à concepção anterior sobre o objetivo. Os primeiros ensaios que vi a esse respeito me transportam ao ano de 1975 durante o curso internacional com o técnico campeão olímpico Yasutaka Matsudaira. Na época foi exibido um filme sobre o sucesso japonês em que relata a metodologia e nuances do treinamento. Creio ser o único no Brasil que possui uma cópia telecinada, só não sei em que estado se encontra.

Trabalho pedagógico. Quem praticou algum desporto sabe que a mente tanto pode nos ajudar como derrotar. Além disso, especialmente os rapazes, poucos se interessam pelos treinamentos de defesa – cumprem-nos curricularmente sem grande empenho – optando por desperdiçar mais energias nas provas de ataque, em que dão vazão à demonstração de sua virilidade: “Quanto mais forte a cortada, mais ‘macho’ é o homem”. Ao treinador cabe a tarefa de desmistificar essa concepção, tal qual fizeram japoneses e americanos, em cujos jogos a plateia valoriza e aplaude efusivamente as grandes defesas, atualmente coisa rara nas equipes masculinas. Imagine quantas vezes deixou de promover algum movimento – especialmente de defesa – quando achava que a bola estava demasiadamente longe e, então, seria pura perda de tempo e desperdício de energia aventurar-se em seu encalço. Esse pensamento negativo certamente se tornará um hábito para o indivíduo não só no voleibol, mas em sua vida cotidiana. Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus atletas: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Inicialmente todos acham impossível alcançá-la; posteriormente tem início alguma reação; e, com a continuidade dos exercícios, todos alcançarão sucesso. Conclusão: abandonam o pensamento negativo (“Não vou conseguir”) para o sucesso da investida: “Eu consigo!”

Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico: “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência – os ensaios, as resoluções de problemas. Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.

Finalmente, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, podemos criar um novo hábito a partir de novos motivos.

Comentários. Quer fazer algum comentário? Pense em voz alta, não se preocupe com o que vai dizer, mas exponha resumidamente suas convicções a respeito do assunto tratado. Esta é a melhor forma de conversarmos: Eu falo e, em seguida, você me diz o que pensa. Não deixe escapar as oportunidades na sua vida.

(continua)

 

Pensar e Aprender (II)

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Como ensinar?

A definição de “ensino” é problemática.

— Será que certas tentativas de ensinar fracassam porque as técnicas de ensino são fracas?

— Como avaliar a qualidade dos estilos de ensino utilizados por professores e treinadores?

 

— Que critério usaremos para caracterizar o sucesso?

— Devemos exigir que as crianças, depois de ensinadas, demonstrem ser capazes de transferir ou generalizar para outra situação aquilo que lhes foi ensinado a fim de podermos dizer que elas “realmente” aprenderam uma lição?

Estas indagações nos fazem defrontar com duas outras questões:

— Como definir a instrução eficaz?

— Como e quando as crianças generalizam o que lhes é ensinado, aplicando-o a outros problemas?

— As crianças são ilógicas ou “processadores limitados de informação”?

Se as crianças são mais limitadas que os mais velhos em sua capacidade de prestar atenção, memorizar e regular a própria aprendizagem, a resolução de problemas e o pensamento, pode ser que elas frequentemente fracassem naquelas tarefas em que os mais velhos obtêm êxito, não por falta de lógica, mas por não possuir a experiência e a perícia pertinentes.

Estágios de desenvolvimento cognitivo

Deve-se propor situações de aprendizagem compatíveis com o estágio actual de desenvolvimento cognitivo do aluno. Para Piaget, aprender é atuar sobre o objeto da aprendizagem para compreende-lo e modifica-lo.  Daí surge o outro conceito chave – a aprendizagem ativa – como aprender é uma contínua adaptação ao meio externo, aprende-se quando se entra em conflito cognitivo, ou seja, quando somos defrontados com uma situação que não sabemos resolver. O organismo se desequilibra frente ao novo, mas como todo organismo vivo, procura o equilíbrio.

Para encontrar o equilíbrio, lançamos mão de um complexo processo de adaptação. Adaptação é o processo pelo qual o sujeito adquire um equilíbrio entre assimilação e acomodação. A assimilação refere-se à introdução de conhecimentos sobre o meio e a incorporação ao conjunto de conhecimentos já existentes. Através da incorporação, a estrutura de conhecimento existente se modifica de modo a acomodar-se a novos elementos — tal modificação é denominada acomodação.

Equilíbrio é o processo de organização das estruturas cognitivas num sistema coerente, interdependente, que possibilita ao indivíduo a adaptação à realidade. É a partir deste entendimento que as situações de aprendizagem baseiam-se em jogos e desafios, nos quais o sujeito é defrontado com um problema novo para resolver.

Como proceder?

As tentativas de ensinar crianças a resolver problemas de tipo piagetiano produziram efeitos positivos; outras não. Não é simples saber se esses resultados confirmam, ou não, a noção de um estágio pré-operatório do desenvolvimento. Você teria procedido a alguma avaliação a esse respeito em suas aulas? Vejamos dois exemplos práticos.

1. Num dos maiores educandários de Niterói os alunos têm à sua disposição vários campos de mini voleibol para se recrearem; toda a prática é regulada somente por eles, inclusive os torneios e  regulamentos, não havendo qualquer participação de docentes. Infelizmente, não se procedeu a um acompanhamento da atividade, mas ao longo dos anos foram registrados alguns resultados significativos, tanto no desenvolvimento emocional dos praticantes, quanto no aprendizado técnico-tático específico. Entretanto, um outro caminho se nos afigura, pois é possível ajudá-las a aprender e a compreender situações que, sozinhas, elas não conseguem dominar; poder-se-ia fazer isso ajudando-as a aumentar sua limitada perícia e tentando ensiná-las a controlar as próprias atividades intelectuais (a chamada zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky). Se isso for possível, poderemos reclamar para o ensino uma importância muito maior no desenvolvimento, e para as crianças pequenas um potencial muito maior de aprendizagem pela instrução.

2. Consagrado treinador do Rio relatou-me acerca de seu treinamento de bloqueio. Trata-se de uma equipe masculina juvenil. A orientação era para que os atacantes efetuassem as cortadas sempre numa mesma direção. Os bloqueadores, por sua vez, deveriam se deslocar rapidamente e efetuar a ação. E assim transcorreu o treinamento. Alguém que observava indagou: “Por que os atacantes cortam sempre no bloqueio, por acaso não lhes ensinaram a desviar (fugir) dos bloqueadores”? Ao que lhe responderam: “Trata-se de um treinamento de bloqueio e não de ataque; por isto há que se determinar a direção dos ataques sempre na mesma direção”.  O que acham?  Parece haver dificuldades de se medir a eficácia desses exercícios, até pela inconveniência de os atacantes dispensarem a ação de fuga dos bloqueadores. Entretanto, antes de chegar a uma conclusão, peço que releia linhas acima o “conceito de aprendizagem ativa”, pois há variáveis importantes a considerar.

Exercícios (II) – Bons Hábitos

Formação de bons hábitos . Diz-nos a Psicologia que o homem é um complexo vivo de hábitos e que em seu comportamento – espécie de reações organizadas – apenas 0,001 dessas reações é determinada por alguma coisa além do hábito. Por isso o objetivo do professor é infundir no aluno hábitos que na vida possam trazer proveitos. Pode-se afirmar, então, que 99% dos nossos atos são executados de modo automático ou por hábito. Todos os nossos atos e até mesmo as falas comuns consolidaram-se em nós graças à repetição em forma tão típica que podemos vê-los quase como movimentos reflexos: Para toda sorte de impressões temos uma resposta pronta, que damos automaticamente. Seria de bom alvitre não deixar de considerar o significado pedagógico dos exercícios a serem propostos na formação de bons hábitos. Para a aquisição de um comportamento consciente tenha-se em mente que antes de cometer algum ato temos sempre uma reação inibida, não revelada, que antecipa o seu resultado e serve como estímulo em relação ao reflexo subsequente: “Todo ato volitivo é antecedido de certo pensamento, isto é, acho que pego um livro antes de estender a mão para ele”. O fato básico é que a noção anterior do objetivo corresponde ao resultado final. Não estaria implícito aqui todo o mistério da vontade? (D. Wood)

Primeiro movimento. Quando penso em apanhar uma bola o estágio conclusivo depende do primeiro passo: de preparar-me em expectativa. A execução do primeiro movimento determina se toda a ação será executada. Logo, na minha consciência deve haver a noção sobre o primeiro movimento como réplica efetiva para todo o processo. Essa concepção do primeiro movimento que antecede o próprio movimento é o que constitui o conteúdo daquilo que se costumou denominar “sentimento do impulso”. Este sentimento é uma modalidade de concepção antecedente sobre os resultados do primeiro movimento físico que deve ser executado. Noutros termos, toda a vivência consciente e o desejo, incluindo o sentimento de decisão e de impulso, são constituídos pela comparação das concepções sobre os objetivos que competem entre si. Uma dessas concepções chega a dominar, associa-se à concepção sobre o primeiro movimento que deve ser executado. E esse estado de espírito passa ao movimento. Temos a sensação de que o movimento foi suscitado pela nossa própria vontade, porque o resultado final obtido corresponde à concepção anterior sobre o objetivo. (D. Wood)

Relembre um de seus despertares em dia frio e os momentos que antecedem sua saída da cama: com certeza já travou um diálogo interno – o famoso mais um minutinho – que o faz adiar o ato de se levantar. Ou, então, realize o seguinte experimento com um dos seus alunos: coloque-se a 3m dele segurando a bola numa das mãos, tendo o braço esticado na horizontal. Repentinamente, deixe a bola cair para que ele tente alcançá-la antes que toque o solo. Esta é sem dúvida uma ação capaz de formar novas reações no organismo do indivíduo e à sua própria experiência – a base principal do trabalho pedagógico. “Não se pode educar o outro, mas a própria pessoa educar-se. Isto implica modificar as suas reações inatas através da própria experiência (os ensaios, as resoluções de problemas). Afinal, não duvide, toda riqueza do comportamento individual surge das experiências”.

Finalmente, ainda considerando a formação de bons hábitos, indaga-se: “Qual o primeiro movimento físico que deve ser executado pelo atleta logo após o sentimento de impulso”? Algumas observações simples podem ser realizadas, por exemplo, a partir de lançamentos sucessivos da bola para um indivíduo que a recolherá ou rebaterá sem deixar tocar o solo. Dependendo da posição que ocupam em dado momento (frente um para o outro, ao lado ou atrás) a distância entre eles, a trajetória e a velocidade do lançamento, pode-se criar um novo hábito a partir de novos motivos. Na prática, conduzi o grupo de atletas do América a tomar consciência desse “despertar” para o sentimento do impulso. Desde o início de nossos treinos percebi que nenhum deles atentou para o fato. Imagino que raríssimos treinadores no Brasil percebam esse detalhe, fundamental para uma boa técnica de defesa. As primeiras instruções levaram-nos a descobrir e a tomar conhecimento teórico específico. A seguir, passamos à prática regular com exercícios simples e repetitivos – deixar a bola cair da mão a uma distância de 3m – e observar como e quando o indivíduo se desloca; em que altura toca na bola e, finalmente, como realiza este toque. A pouco e pouco foram formando-se novos hábitos e através de brincadeiras e desafios – componente emocional – alcançaram níveis nunca antes imaginados. Esses e outros detalhes contribuiram para ao final da temporada receberem os maiores elogios dos próprios adversários. Eu mesmo fui contemplado, quando o saudoso Adolfo Guilherme, técnico mineiro consagrado, indagou-me após um de nossos jogos: “O que fazem vocês que tanto defendem”? Em outras palavras, “Como treinam para defender tanto”?

O hábito é a nossa segunda natureza. Observe-se que o novo sistema de ações (primeiros ensaios), é de muita observação e estudos. A atenção é elevada. Cabe ao professor atenuar o sentido da atividade facilitando ao educando trilhar novos caminhos. Por isso, o exercício se desenvolve inicialmente de forma lenta e depois cada vez mais rápido, aperfeiçoando-se aos saltos, provocando mudanças na disposição das moléculas do cérebro: a parte principal consiste em fazer do sistema nervoso nosso aliado e não inimigo. Na medida do possível, tornar habituais e automáticos o maior número de ações úteis e combater a consolidação de hábitos que possam trazer danos à ação (correções necessárias e cabíveis). Quanto maior for o número de hábitos corriqueiros que consigamos tornar automáticos e fazer com que dispensem esforços desnecessários, tanto mais as nossas capacidades intelectuais superiores terão liberdade para a sua atividade a seguir.  (D. Wood)

Movimento imperceptível. Chamo a atenção para o detalhe da posição de pernas e pés do atleta, ainda na posição de expectativa e, a seguir, no seu primeiro movimento a partir do movimento de impulso. Invariavelmente, há o que chamo de um sobre-passo, uma troca de posição dos pés subrreptícia, imperceptível a olhares menos atentos e ao próprio executor. Ao que me parece, trata-se de movimento nocivo que deve ser eliminado da memória do atleta a favor de um outro, mais eficaz e benéfico (técnica).

Aprendizagem ativa. O que o professor diz na sala de aula não é de forma alguma pouco importante. Mas, o que os alunos pensam é mil vezes mais importante. As ideias deviam nascer na mente dos alunos e o professor devia agir apenas como uma parteira. Este é o clássico preceito socrático e a forma de ensino que a ele melhor se adapta é o diálogo socrático. “Não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – permita que os alunos o adivinhem antes que o diga – deixe que descubram por si mesmos, tanto quanto for possível”. (Pólya)

Voltemos à praia. Pelos idos de 1997-98 fui convidado a treinar alguns rapazes e moças que desejavam figurar no Circuito de Vôlei de Praia do Banco do Brasil. Treinamentos diários, das 7h às 11h, de 2ª à 6ª e, aos sábados, compromisso de realização de um jogo sem interferência do técnico. Após ensaios de exercícios básicos durante um período razoável, passamos a sugerir que os próprios participantes incentivassem e corrigissem seus colegas, o que se tornou uma constante. Mais à frente, estimulamos que participassem e decidissem a formulação de um ou outro exercício específico, do qual tirava proveito de seus comentários – nada mais do que uma desejável atitude de pensamento.

Uma atitude interessante a este respeito – não partilhe o seu segredo todo de uma vez só – o que para nós trata-se de “uma carta na manga”, pude realizar com o grupo em relação ao gesto técnico utilizado em momentos de defesa de bolas que denomino ‘em situação limite’: arremessada à distância considerável, pouco veloz, ou mal rebatida por um companheiro. Como recuperá-las eficientemente? Após alguns ensaios e uma vez que não encontravam uma solução para efetuarem a defesa e o passe adjacente conversamos a respeito chegando-se à seguinte conclusão: 1) nos casos limites a recuperação da bola deve ser com o emprego de uma das mãos, e não de manchete; 2) a mão que tocar a bola deverá ser a que facilite o passe para sua própria quadra, recuperada para o companheiro; 3) o toque na bola propriamente dito deverá ser executado o mais rente ao solo, permitindo ganho de tempo para a decisão: “para onde enviar a bola”? Imagino ter feito o trabalho de parteira de que fala Pólya. Daquele grupo nunca me preocupei que despontasse um campeão, mas estou certo que ganharam muito mais como indivíduos conscientes com elevada auto-estima… E aprenderam a pensar.

Conclusão. A partir desse conhecimento e independentemente do assunto, caberá ao professor (ou treinador) despertar seus pequenos alunos para a aquisição de bons hábitos, entendidos aqui como “boa técnica”. Esta é Educação de Base, verdadeiro contributo ao desenvolvimento pleno do indivíduo para a vida.

Dicas Pedagógicas

A ideia inicial de elaborar este ensaio recaiu após minha leitura do trabalho de alguns estudantes portugueses sobre George Pólya. Ele nos leva a pensar no significado de seus conceitos e nos convida a ilustrá-los concretamente com base na nossa própria história. Como você neste momento também participa desta conversa, aguardarei sua opinião e assim incrementar novas ideias e conhecimentos ao nosso trabalho.

 

Educar é contar histórias?

Nas páginas que se seguem realizo uma digressão pedagógica aplicável a qualquer desporto, especialmente o voleibol, minha praia. Para os que julgarem pertinente, sirva este diálogo com Pólya (e outros) de transposição para um ensino mais eficiente, original e criativo. Assim, considerem minhas histórias apenas e acerca da minha experiência e opinião. Estarei aguardando suas considerações.

George Pólya (1887-1985) foi um matemático húngaro. Não é sempre que um grande matemático se interessa pelos currículos e pelos métodos de ensino da matemática no ensino secundário. A esse respeito, Pólya é quase uma exceção. Daí o interesse das traduções de dois célebres textos sobre o ensino da matemática: How to solve it (1945) – nos diz como resolver problemas de todos os tipos, mesmo os que não são de matemática – e o capítulo XIV do livro Mathematical Discovery (1962-64). As traduções foram realizadas por Elisa Mosquito, Ricardo Incácio, Teresa Ferreira e Sara Cravo. A revisão, por Olga Pombo. Peço permissão aos pesquisadores portugueses que me proporcionaram conhecer um pouco do pensamento de Pólya através da Internet para estabelecer um pretenso diálogo construtivo com os professores brasileiros a respeito do ensino do desporto em geral e a prática escolar. Àqueles que me honram com a sua leitura, minhas desculpas por estar falando na primeira pessoa, a intenção é relatar experiências e, em contrapartida, ouvir o que têm a me contar.

Princípios de Aprendizagem. “Ensinar é um processo que tem inúmeros pequenos truques. Cada bom professor tem os seus estratagemas preferidos e cada bom professor é diferente de qualquer outro professor”. (Pólya)

Aprendizagem ativa. “A aprendizagem deve ser ativa, não meramente passiva ou receptiva. Dificilmente se consegue aprender alguma coisa, e certamente não se  consegue aprender muito, simplesmente por ler livros, ouvir palestras ou assistir a filmes, sem adicionar nenhuma ação intelectual”. (Pólya)

A aprendizagem em Educação Física ou mesmo desportiva já contribui na essência para uma atuação do docente mais profícua do que em outras matérias. Mas muitos teimam em não tirar proveito deste fato concreto. Em 1974, em companhia de vários outros colegas, realizei um curso de Formação/Iniciação para dezenas de crianças durante 30 dias cabendo-me o voleibol. Paralelamente, outras modalidades desportivas também foram desenvolvidas. Foi a oportunidade que tive para ser pioneiro no Brasil com aulas regulares e metodologia específica para o mini voleibol. Além das crianças, vários professores e acadêmicos de Educação Física se inscreveram para um curso de monitoria, pois os melhores seriam contratados para dar continuidade às aulas. No voleibol havia um número próximo de oito indivíduos. As aulas práticas com crianças transcorriam sempre pela manhã e, a seguir, as aulas teóricas com os professores em classe. Sabia de antemão, que além do interesse que nutriam pelo cargo, alguns tinham interesse não imediatos, isto é, simplesmente lhes interessava o certificado que lhes seria outorgado, contribuindo para a construção do respectivo currículo numa possível concorrência futura. Como, então, despertar naqueles indivíduos o interesse pelo que estaria a lhes transmitir? Considere-se ainda que muitos trabalhavam em outros locais e conseguiram acomodar seus horários com o curso. Na apresentação, coloquei uma questão para que a maioria resolvesse: “Gostariam de um curso convencional, com transmissão verbal e apostilada dos conteúdos ou, ao contrário, uma participação ativa – pensada e construtiva”? A resposta foi um SIM à segunda demanda. Com isto, pusemo-nos a trabalhar, tanto na prática, quanto na construção da metodologia a empregar, pois era assunto inédito para TODOS, inclusive para mim. Todavia, para mantê-los atentos e comprometidos, decidimos que, após cada aula levariam para suas moradias ou trabalho algumas poucas questões formuladas em classe para que trouxessem respondidas ou pensadas na aula seguinte.

Aprendendo a pensar. Em suma, é bem possível que minha contribuição para eles foi mais por ensinar a pensar e não tanto pelas informações relativas ao aprendizado do voleibol em si. Dessa forma, sobrevivemos todos, numa bela amizade e estou certo de ter cumprido com alguma eficiência a proposta da instituição que me contratou. Detalhe: no ano seguinte a instituição enviou-me ao 1º Simpósio Mundial de Mini Voleibol patrocinado pela FIVB, na Suécia. Na oportunidade, realizei palestra sobre o emprego do jogo de PETECA como derivativo para o aprendizado do voleibol. Era uma experiência que vinha realizando com crianças e adultos na praia de Icaraí, em Niterói.

As nossas descobertas. “Uma outra opinião frequentemente expressa (e minuciosamente descrita): a melhor forma de aprender alguma coisa é descobri-la por si próprio. Lichtenberg (físico alemão do séc. XVIII, mais conhecido como escritor de aforismos) acrescenta um aspecto importante: aquilo que se é obrigado a descobrir por si próprio deixa um caminho na mente que se pode percorrer novamente sempre que se tiver necessidade”. (Pólya)

Aos 16-17 anos, ainda cursando o ginásio, lancei um desafio para mim mesmo: deveria lançar a bola de basquete de uma cesta à outra. Meus conhecimentos desse esporte eram rudimentares, pois apenas competira na categoria infantil por um clube da cidade durante no máximo 2 anos. Na escola, apenas praticava nas esparsas aulas de educação física, sem qualquer orientação: o professor distribuía as bolas para a prática de futebol e basquete, e quem não quisesse, simplesmente estava dispensado da aula. Assim, como criara o objetivo, pus-me a pensar como poderia fazê-lo. E, incrível, consegui! Imagino que a cada tentativa alguns obstáculos eram superados e novas conquistas a alcançar. O caminho que estava traçado foi percorrido com os meus próprios passos. Acredito que, principalmente em se tratando de crianças, o caminho da ludicidade seja o mais natural e confortável para um profícuo aprendizado. Considere-se que através das brincadeiras são possíveis avanços consideráveis em qualquer atividade. Por exemplo, em 1981 fui treinador da equipe de voleibol principal masculina do América F. C., do Rio de Janeiro. Sempre que possível transformava os treinos numa alegria só, inclusive atraindo olhares de jovens e outros associados que se encantavam com a algazarra e diabruras dos grandalhões. A intensidade dos treinos teve que ser comedida, dada a total entrega dos rapazes. E mais, o comportamento social e técnico do grupo atingiu níveis espetaculares a tempo de serem contemplados com elogios dos próprios adversários – técnicos e atletas.

Caminhos pedagógicos. “Exagerando um pouco, pode-se dizer que a atual pedagogia gira em torno de como conseguir que o papel do professor se aproxime o mais possível de zero de modo que, em vez de desempenhar o papel de motor e elemento da engrenagem pedagógica tudo passe a se basear em seu papel de organizador do meio social”. (David Wood)

Uma aula sem o professor. Ocorreu também em 1981, com a equipe de voleibol do América. Treinávamos três vezes por semana e, nesta época, tinha a companhia de um amigo, também professor, que se atualizava acompanhando-me nos treinos e jogos. Aconteceu que não poderia comparecer ao treino de um sábado. Combinei com todo o grupo o que deveriam realizar e despedi-me, confiante de que tudo aconteceria como planejado. Diga-se de passagem, para os cariocas os sábados e domingos são consagrados à praia. Na semana seguinte, ouvi o relato do meu amigo que, não acreditando que se realizaria o treino sem a minha presença, esteve no clube: “Queria ver, pois não acreditava que fossem comparecer. E, inacreditável! Não só estavam todos lá, como o treino transcorreu em alto nível e de maneira intensa”.