Lições do Mundial de Basquete

Mundial da Turquia

Após acompanhar o desempenho de nossos brasileiros na NBA, e vê-los jogar no Mundial, fica a ilusão ou lição: jogar na NBA não significa que nossos jogadores são excelentes. Eis uma interpretação e lamento de apaixonado professor consignado na Comunidade Esportiva Virtual logo após a eliminação do Brasil no mundial de basquete da Turquia. Ele concita alguns jogadores a se esmerarem nos treinamentos, pois os três que atuam na NBA são simples coadjuvantes, poucos minutos na quadra, sem autonomia para decidir.  E segue: “Que sejam mais fominhas (= aquele que mais arremessa à cesta), que decidam, chutem (arremessem) e arrisquem mais. São jogadores oscilantes, sem poder de decisão, meros cavadores de faltas ofensivas. Positivamente, a NBA não é a melhor escola. Quanto aos demais, treinem, treinem, treinem e fiquem em ponto de bala. Amamos nossa Pátria e queremos o melhor para ela e torço de corpo e alma pelo nosso basquete. Enfim, temos um longo trabalho pela frente e um caminho a percorrer até 2012″.

Acrescente-se a fala de um comentarista de uma emissora de TV: (…) “ Mas também no Brasil não se joga basquete nas escolas”! Em outros tempos, sempre após as derrotas, ouvia-se “Nossos atletas não têm a BASE”.

A Metodologia na Formação. Estou citando este fato para alertar treinadores e professores a respeito do ensino desde a FORMAÇÃO, de modo que não estabeleçam desde cedo uma metodologia baseada na repetição de movimentos – ADESTRAMENTO. Ou alguém tem dúvidas que não temos a metodologia adequada? Basta voltar seu olhar para uma aula com crianças em qualquer desporto, seja ministrada por professor ou ex-atleta, para ter certeza desse descalabro que infelizmente se repete ano após ano. Certamente não contribuirá para o pleno desenvolvimento dos seus alunos e as queixas dos treinadores se perpetuarão por gerações.

Da sabedoria oriental extrai-se que nas derrotas é quando mais aprendemos; seria assim no Brasil? Creio que não. No país do futebol e agora também do voleibol, respira-se soberba e ignorância científica em favor de um punhado de pretensiosos que se julgam “do ramo”, isto é, militam no esporte há muito tempo e, portanto, têm o conhecimento pleno da verdade. E a sociedade está voltada exclusivamente para a vitória, que deve vir a qualquer preço. E o treinador vencedor é aquele que deve ser mais respeitado entre todos, pois é o “melhor”. Seria mesmo? Alguém poria em discussão o que ele afirma?

Métodos de Ensino. Em março desse ano escrevi textos sobre o tema e em um deles punha em discussão qual seria o método mais criativo e eficaz a empregar com a indagação: adestrar ou ensinar?

Nunca houve uma discussão pública a esse respeito no País. Os cursos sobre métodos são de fato úteis de alguma maneira? Imagino que para chegar a uma aceitação generalizada deve haver discussão aberta tratando de responder às seguintes questões:

  • Será que ensinar é ensinável? Ensinar é uma arte e uma arte é ensinável?
  • Existe alguma coisa que se possa denominar de métodos de ensino?

O que o professor ensina nunca é melhor do que o professor é. Ensinar depende da personalidade do professor – existem tantos métodos bons como existem professores bons.

Professor ou ex-medalhista?

Infelizmente, acostumou-se desde cedo a valorizar o campeão e “ver quem chega em primeiro”! É algo que tem a ver com a cultura futebolística, esporte profissionalizado, em que o importante é vencer. Não é à toa que até nossos dias se observe nesse meio a já famosa dança de técnicos a partir de sucessivas derrotas. Esta transferência de mentalidade para outros desportos contaminou-nos a todos, pois leva a concluir que “o melhor técnico é o campeão”. Isto contagiou e transformou-se em epidemia no meio esportivo uma vez que atinge também as nossas crianças ainda em formação. Quer um sintoma? Assista a qualquer disputa nas categorias mirim ou infantil; veja como se comportam professores, treinadores e os papais. Pobres crianças! E pior, por desconhecimento e ignorância de postulados metodológicos e pedagógicos, aqueles indivíduos que se prontificam – voluntariamente – a exercer a nobre missão de ensinar aos novatos os mistérios do desporto, invariavelmente repetem ou copiam as formas, os métodos, os exercícios (com ligeira adaptação) do treinamento de adultos.

Métodos de Ensino (II)

Lições de uma entrevista

Em entrevista que concedeu ao site português http://www.sovolei.com, o treinador brasileiro Carlos Eduardo Bizzocchi teceu comentários a respeito das qualidades para caracterizar o que seria um bom técnico. Numa das passagens assim respondeu à pergunta: ” É necessário ter sido um bom jogador para ser um bom técnico?

–  Ter sido um atleta razoável ajuda muito. Ter sido um atleta fora de série nem sempre ajuda. Muitas vezes o ex-atleta espetacular não entende por que seu pupilo não consegue realizar tal tarefa. Com ele era tão fácil. Se lhe perguntarem como fazia, talvez não saiba explicar, apenas demonstrar. A consciência de que a dificuldade existe para os outros é algo às vezes surreal para o craque. Logicamente não é uma regra geral e absoluta, mas quase sempre é assim.

Considerações

Um dado informal, mas importante: a incapacidade de os jogadores de xadrez, p.ex., identificar, descrever ou expressar de forma ordenada e sistemática o modo como eles “viam” o tabuleiro. Certamente, boa parte de nossa perícia é desse tipo. O conhecimento é ”tácito”, integrado no modo pelo qual agimos e trabalhamos, e não é fácil de sistematizar ou descrever para os outros. Se não reconhecerem que os novatos não percebem as situações da mesma maneira que eles, os peritos podem considerar seus problemas com perplexidade e até com fúria. Não deve ser motivo de surpresa que, mesmo quando o perito indica aquilo que deve ser observado, o novato possa não ser capaz de “absorver” o que lhe é mostrado, por não ter o conhecimento anterior necessário que o habilitaria a perceber e memorizar configurações. Neste caso, também não é de admirar que a capacidade que o perito tem de agir e pensar seja mais certa, fluente e precisa que a do novato.  

Estou citando este fato para alertar treinadores e professores a respeito do ensino desde a FORMAÇÂO, de modo que não estabeleçam desde cedo uma metodologia baseada na repetição de movimentos – ADESTRAMENTO -, o que certamente não contribuirá para o pleno desenvolvimento dos seus alunos.

Métodos de Ensino (I)

Métodos criativos: adestrar ou ensinar?

Veja o que nos diz Le Boulch sobre a qualidade do método a empregar no plano educativo:

Na formação esportiva, onde o ajustamento motor é dominante (ou indispensável), é grande o risco em proceder por adestramento para parecer ganhar tempo ou simplesmente por dificuldade de utilizar outra modalidade de aprendizagem. A inconveniência desse modo de aquisição cria estereótipos estáveis, mas rígidos, que permitem ajustar-se a esta ou àquela situação particular. Daí a consequência extraída pelos paladinos deste sistema, de uma estrita especificidade das aprendizagens motoras. A pretensa especificidade das aprendizagens motoras é essencialmente função do método empregado e equivale a uma condenação deste método.

Por ora, devo esclarecer que tenho adotado na Metodologia algo como a interação, a negociação e a construção conjunta de vivências, que habilitem a criança a aprender a linguagem proposta. Para tal há sempre uma exigência de um elemento de interdependência e a capacidade de fazer descobertas acidentais. Contudo, estou receptivo para promover discussões a esse respeito, pois a única maneira de evitar a formação de concepções errôneas arraigadas é a discussão e a interação, lembrando que “no discurso matemático, uma dificuldade compartilhada pode tornar-se um problema resolvido”.

Hoje, tenho certeza que caminhei sempre por intuição nesse sentido especialmente quando me recordo das atividades motoras a que era chamado a participar nas brincadeiras de crianças, tais como subir em árvores, lançar pedras, nadar e pescar (de mergulho), andar de bicicleta, jogar xadrez, pular carniça e uma gama variada de desportos aprendidos na rua ou em terrenos baldios. Por isto, quando me iniciei propriamente dito no voleibol aos 18 anos, tive um aprendizado acelerado, derrubando mitos (“Quem não aprendeu antes, não aprende mais”). Todas aquelas vivências se somaram às novas atividades, com independência e descobertas acidentais, pois não foi tão necessário alguém dizer-me o que fazer ou como criar algo.

Matemática e voleibol

Enquanto isto, G. Pólya (matemático húngaro) nos auxilia comentando como proceder com o ensino da matemática para adolescentes, o que nos impele a segui-lo no aprendizado também do voleibol. Diz ele: “Os problemas apresentados não requerem muito conhecimento para além do nível do ensino secundário, mas requerem algum grau, e por vezes um alto grau, de concentração e juízo independente – e a solução para esses problemas requer trabalho criativo. Tenho tentado organizar o meu seminário para que os estudantes sejam capazes de utilizar muito do material proposto para as suas aulas sem grandes alterações, para que possam adquirir alguma mestria no ensino da matemática no secundário e também para que possam ter algumas oportunidades de praticar o ensino ensinando-se uns aos outros, em pequenos grupos”. Isto me faz recordar dois momentos de minha adolescência. Um, ainda aos 11 anos de idade, quando tive a oportunidade de ensinar a alguns colegas de turma os rudimentos do basquetebol para participarmos de uma competição interna. E outra, agora aos 14 anos, sendo destacado pelo professor de matemática para co-orientar (extra-classe) cinco colegas de turma na solução de problemas. Minha auto-estima nunca foi tão valorizada.

Creio que nunca houve uma discussão pública a esse respeito no País. Os cursos sobre métodos são de fato úteis de alguma maneira? Imagino que para chegar a uma aceitação generalizada deve haver discussão aberta tratando de responder às seguintes questões:

  • Será que ensinar é ensinável? Ensinar é uma arte e uma arte é ensinável?
  • Existe alguma coisa que se possa denominar de métodos de ensino?

O que o professor ensina nunca é melhor do que o professor é. Ensinar depende da personalidade do professor – existem tantos métodos bons como existem professores bons.

Professor ou ex-medalhista?

Infelizmente, acostumou-se desde cedo a valorizar o campeão e “ver quem chega em primeiro”! É algo que tem a ver com a cultura futebolística, esporte profissionalizado, em que o importante é vencer. Não é à toa que até nossos dias se observe nesse meio a já famosa dança de técnicos a partir de sucessivas derrotas. Esta transferência de mentalidade para outros desportos contaminou-nos a todos, pois leva a concluir que “o melhor técnico é o campeão”. Isto contagiou e transformou-se em epidemia no meio esportivo uma vez que atinge também as nossas crianças ainda em formação. Quer um sintoma? Assista a qualquer disputa nas categorias mirim ou infantil; veja como se comportam professores, treinadores e os papais. Pobres crianças! E pior, por desconhecimento e ignorância de postulados metodológicos e pedagógicos, aqueles indivíduos que se prontificam – voluntariamente – a exercer a nobre missão de ensinar aos novatos os mistérios do desporto, invariavelmente repetem ou copiam as formas, os métodos, os exercícios (com ligeira adaptação) do treinamento de adultos.

Universidade?

E aqui se dá uma inversão de valores: a universidade passou a validar essa metodologia consagrada nos clubes, principal fonte de formação de atletas. No mercado voleibolístico um ex-medalhista vale mais por sua medalha do que por sua formação profissional. Imagino que os currículos universitários tenham fossilizado os agentes educacionais, pois há muito Lavoisier está ausente das salas de aula, uma vez que nada se cria e tampouco se transforma, ao contrário, perde-se tempo num eterna repetição de coisa alguma. Recordo-me de um Congresso Desportivo em Florianópolis (2007), com vários convidados estrangeiros e toda pompa que o Ministério dos Esportes e o governo estadual se esmeraram. Numa das ocasiões em que os palestrantes eram dois ex-integrantes de seleções brasileiras – Giovani e Carlão– este último apresentado como o futuro Secretário de Esportes do município, testemunhei um fato bizarro: após a fala de ambos, foi aberta ao público a oportunidade de perguntas. Um professor questionou: “Por que um estranho à cidade, não-diplomado e sem qualquer passado administrativo é nomeado para nos guiar”? O quase secretário titubeou, deu voltas e, ainda não refeito do golpe, lançou esta pérola: “Mas, e o Giovani, ele também não é diplomado”! Nessa mesma oportunidade enviei mensagem ao Carlão: “Senhor Secretário, tenho projeto de Iniciação ao Voleibol para milhares de crianças no ambiente escolar. Se possível, peço marcar em sua agenda um encontro” (a seguir, telefone e endereço para contato). Ao receber o bilhete de um funcionário, leu e colocou-o no bolso. Nunca recebi qualquer resposta.

Em futuro próximo estarei comentando o trabalho realizado na Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Portugal sob o título “Modelos de ensino dos jogos desportivos: investigação e ilações para a prática”, de autoria de Isabel Maria Ribeiro Mesquita, Felismina Rosa Marques Pereira, Amândio Braga dos Santos Graça.