Desporto Escolar Base do Desporto Nacional?

Voleibol nas Escolas do Rio de Janeiro      

Sabemos que a história da humanidade se repete. E vejam como poderiam ser evitados muitos percalços nessa difícil caminhada. Quando de várias entrevistas, ou mesmo das consultas em jornais e revistas, em que estive envolvido na construção do livro que estou prestes a lançar sobre a História do Voleibol no Brasil no século passado, deparei-me repetidamente com alusões ao esporte (vôlei) praticado nas escolas. A coincidência entre os depoimentos dos entrevistados recai sempre na tecla de que aprenderam a jogar na escola e, por isso, ela é formadora dos futuros atletas. Tal conclusão e interpretação advêm de indivíduos que atualmente estão em postos chaves do desporto nacional, como no COB, ou próximos de dirigentes em muitas federações esportivas. Como ninguém quer perder o emprego, todos concordam e aplaudem.      

Se analisarmos o contexto em que se formaram tais indivíduos que vieram a praticar o voleibol no Rio de Janeiro, os que ainda estão vivos certamente frequentaram os bancos escolares entre as décadas de 40 e 50. E, outro detalhe, todos eles da classe A, em escolas particulares da Zona Sul da cidade. E mais: frequentavam a praia regularmente, quintal de suas residências. Professores de Educação Física formados pela antiga Escola Nacional de Educação Física eram raríssimos e as escolas se valiam de ex-sargentos com cursos de Monitores da Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), localizada até hoje no bairro da Urca. Na década de 40, por exemplo, em um dos melhores educandários da cidade, o Colégio Santo Inácio, os alunos participavam tão somente de uma única aula semanal de EF ministrada por um daqueles monitores. Nesta oportunidade, deveriam estar devidamente uniformizados e eram contemplados com uma sessão de calistenia, seguida da prática futebolística. Em qualquer outra ocasião, dispensados do uniforme, jogavam o futebol e raramente, o voleibol. Nesta época o vôlei encontrou maior difusão nas praias da Zona Sul tendo o Jornal dos Sports contribuído de forma decisiva com a organização de torneios regulares através dos anos. Assim os indivíduos de famílias de posse desfrutavam seu tempo na escola, na praia e, em seguida, nos clubes. E, por tal, diziam paulistas e mineiros, que os cariocas levavam vantagem no voleibol por se formarem jogando nas praias que, em muitos casos, lhes emprestava malícia e maior preparo técnico e físico.   

Voltando aos professores de Educação Física, acrescente-se que a Escola Nacional de Educação Física (ENEF) era a única no Rio de Janeiro e pelo menos até o final da década de 60. Além disso, poucos eram os candidatos a frequentá-la e, pior ainda, raríssimos (talvez cinco) concluíam o curso realizado em três anos. Somente no ano de 1965 é que mais de 30 jovens ingressaram no curso; desses, possivelmente menos de um terço tenham entrado no mercado de trabalho. E raríssimos, para trabalharem em escolas. Assim, se atualmente as escolas não oferecem condições básicas para o desenvolvimento desportivo do alunato, imaginem no século passado. Mas os dirigentes de hoje querem retornar no túnel do tempo, pois muitos deles se destacaram especialmente no voleibol. Só que os tempos são outros e também os indivíduos.   

Como retrato insofismável do início da década de 60, ano em que o Brasil sediou a mais importante competição mundial do voleibol, pode ser aquilatado pelo oferecimento de alguns “técnicos especializados em voleibol” formados no único banco universitário no Rio de Janeiro. Constituíram a Associação dos Antigos Alunos da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil (AAAENEFDUB)  e, relacionados os interessados em trabalharem em clubes da cidade, ofereceram seus préstimos através de Nota Oficial da Federação de Voleibol. 

Tendo cursado a ENEF no período de 1965-68, inclusive feito o Curso de Técnica em Voleibol, estranhei a colocação de muitos nomes naquela relação. Apurei que no final da década de 50 era muito comum que os poucos alunos da universidade realizassem vários cursos de pós-graduação após a sua formatura, não só para enriquecer seus currículos, como também para permanecerem na condição de universitários e, assim, se beneficiarem de algumas regalias, como almoço grátis, pagar meia entrada nos cinemas e participar dos Jogos Universitários. Enquanto o curso regular era de três anos, alguns alunos levavam anos para se formar, usando o recurso de “trancar a matrícula”, ou mesmo ter uma única repetência. O leitor poderá identificar alguns poucos nomes de indivíduos realmente militantes do voleibol, como os ex-técnicos de selecionados brasileiros – Adolfo Guilherme (mineiro), Zoulo Rabello, Valderbi Romani (paulista), o árbitro de voleibol Floriano Manhães e as atletas, Margarida Leite e Oswaldira Pons. (História do Voleibol no Brasil, Roberto A. Pimentel) 

“Escolinhas”, um Negócio. Resumindo o que todos já sabem e tornou-se institucional no Brasil nas escolas particulares.      

Existem dois “mundos” no universo escolar – o público e o particular. Em cada um deles participam professores de Educação Física, formados nas mesmas universidades e, imagino, com as mesmas querenças. Ocorre que todos precisam se alimentar, isto é, prover o seu sustento. E, a partir desse detalhe, desenvolve-se toda a celeuma. Acontece que os gestores educacionais não perceberam ainda o valor da MERITOCRACIA e, dessa foram, todos se nivelam e, o que é pior, “por baixo”. De tal forma que em qualquer escola (talvez haja alguma exceção) as aulas de educação física tornaram-se um entrave com todos os problemas e despesas que acarreta:  1) As tradicionais escolinhas de coisa alguma, que só servem exclusivamente para ocupar as crianças com atividades extra-classe e acrescentar uma renda extra à escola e ao profissional. 2) Nas escolas públicas tal medida é considerada “impossível”; como se manteria o professor com o salário que percebe? E os equipamentos? E a dupla jornada dos alunos, incluído seus deslocamentos e/ou alimentação?    

Aconteceu em Niterói. Lá pelo ano de 1993 passei a visitar várias escolas públicas da cidade e a entrevistar-me com seus diretores e, em alguns casos, levado a reunir-me com os professores locais. Era uma iniciativa particular em que oferecia gratuitamente aos educandários o material pertinente para promoverem a iniciação do voleibol através do mini vôlei. Adivinhem o sucedido!     

Inicialmente, a dificuldade imposta pela própria direção em receber-me. Muito ocupadas, quase sempre as diretoras de forma desdenhosa tentavam levar-me a reunir-me com um dos professores de Educação Física e com ele decidir o que fazer. Numa dessas oportunidades, retornei à escola para participar da reunião de professores que estariam tratando do calendário de aulas para o ano seguinte. À distância, parece-me que se tratavam de quatro professoras, inclusive uma delas ex-atleta de voleibol que já me conhecia. Passei às explicações do projeto, inclusive com uma possível participação na praia de Icaraí, próxima ao educandário. Na praia poderiam realizar aulas ou eventos quando bem entendessem, pois também colocaria o equipamento indispensável. Animado com a atenção e querendo despertar nelas o interesse pelo projeto, empolguei-me demasiadamente. Imagino hoje que o mutismo de todas era para pensar o que me dizer a respeito, isto é, como achar palavras para dizer que não tinham qualquer interesse nesse tipo de diálogo, que só lhes acrescentaria trabalho e nenhuma renda. Tive esta certeza quando a professora ex-voleibolista que já me conhecia, esboçou com muita tranquilidade a frase que levou ao término da reunião: “E quem daria as aulas na praia”? Estupefato, aguardei alguns segundos para recompor-me e disse a todas: “É por isto que os professores de Educação Física são tão mal quistos e desconsiderados pelas comunidades”! E encerrei abruptamente a minha participação.      

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