Lições do Mundial da Itália – I

Fase do jogo Brasil e Rep. Checa. Foto: AFP

 Valor da História             

Rapidamente, para que não se esqueçam da história e aprender a usá-la convenientemente, relembro o texto que escrevi em Treinamento de Canhoto – III:             

3. Em 1982, no campeonato mundial realizado na Argentina e vencido pela URSS, o Brasil perdeu uma partida para a Tcheco-Eslováquia numa das fases preliminares. O destaque desse encontro foi um atleta canhoto que não encontrou qualquer dificuldade para superar o bloqueio brasileiro, inclusive atacando da entrada da rede (IV). Não era um jogador alto e as equipes não atuavam com tantas fintas.                

Quem viu a partida entre o Brasil e a atual República Checa ontem (dia 5) pelo Mundial que está sendo disputado na Itália, contemplou a excelente atuação do atleta canhoto HUDECEK. Após terem perdido o 1º set, seu treinador colocou-o em quadra e isto fez a diferença: ganharam o segundo e terceiro sets. Inclusive, realizou a maioria dos ataques na entrada da rede (posição IV), ignorando bloqueios gigantes, como o de Leandro Vissoto, de 2, 12m.  Considere-se que o atacante checo mede 1,95m. Ao que parece, só foi travado pela utilização do saque (tático) do atleta brasileiro Theo, assim mesmo no tie-break.  Pena que outros nacionais não tenham aprendido ainda a sacar, pois o líbero adversário foi contemplado com diversas benesses. É possível que “não tenham tempo” para treinar este fundamento…  E, certamente, “como bloquear um canhoto”:             

2. Recordo-me que o único treinador que teve preocupações defensivas contra a possível presença de um canhoto numa equipe adversária foi o Professor Paulo Emmanuel da Hora Matta, quando de sua estada à frente da seleção brasileira no final da década de 60 e início dos anos 1970. Indagou-me se poderia participar dos treinos para que os atletas apurassem o bloqueio contra um canhoto. Acedi ao convite, mas nunca mais voltou a falar sobre o assunto. Não pude ajudar, foi uma pena!                 

Quem tem medo? Aprendi há algum tempo um sábio ensinamento: “As pessoas têm medo daquilo que desconhecem”. É o caso das crianças, dos indígenas e povos de cultura primitiva que a história nos conta que se amedrontavam com simples trovões e, por isso, davam-lhes o caráter até de divindade. Assim é até nossos dias, pois aquilo que não sabemos fazer ou realizar deixamos de lado e evitamos entrar no mérito para um possível aperfeiçoamento.    

No voleibol nunca será diferente, ainda mais quando os ditos preparadores, formadores, treinadores e técnicos – não esquecer dos entendidos – só pensam naquilo, isto é, na vitória a qualquer preço. Essa metodologia tão em voga atualmente está voltada preponderantemente para o ganho imediato, não importa a quem sacrificar. Os atletas deixaram há muito a sua condição de indivíduos, com pensamento próprio, e foram transformados em peças que a qualquer momento podem ser substituídas sem a mais mínima cerimônia. Por que, então, perder tempo em treinar um jovem que não sabe ainda recepcionar ou defender, se ele é muito mais útil hoje à equipe no ataque e no bloqueio? Muitos acreditam também que um bom bloqueio é suficiente para que a equipe tenha uma boa defesa. Então, é muito mais fácil treinar o bloqueio e não perder tempo em fazer com que atletas de 2m ou mais sejam razoáveis defensores.       

Importância da Formação. Esses mesmos indivíduos já foram condenados lá atrás, quando se iniciaram no esporte, pois tenho certeza que nunca foram exigidos em outros fundamentos. E não seria agora, pois testemunho há vários anos exemplos com equipes infantis e juvenis. O que se vê em matéria de treinos de defesa é pura brincadeira que talvez devesse ser realizado na areia da praia, com muito mais proveito. E estou falando da época de maior crescimento do voleibol nacional, a partir da década de 80, com a insana profissionalização a que chamo “corrida do ouro”, típica dos antigos filmes do faroeste americano, com cavalos, carroças e diligências, massacrando quem lhes impedisse o objetivo. Para chegar ao fim almejado e conquistar seu quinhão não importam os meios.       

No caso da partida a que me refiro atrevo-me a ir um pouco mais além, chamando a atenção também para o aspecto do posicionamento e péssima técnica no fundamento defesa para os dois atletas que estão regularmente nas posições I e II, invariavelmente o levantador e o seu oposto. Foram muitos ataques direcionados para esta lateral da quadra e não me lembro de qualquer recuperação. Por ali se situam Bruno, Vissoto e, depois Theo. Quando a TV repete os lances de vários ângulos, permite observar a posição dos atletas exatamente atrás do bloqueio, o que denota o cuidado especial de não receber o impacto direto, ou levar medalha como dizemos no Brasil. Além disso, os pés paralelos, a posição alta e a não exigência em treinos de defesa, fazem-nos alvos preferidos dos ataques contrários. Enquanto isto, do outro lado, o líbero se destaca, pois não tem medo e sabe defender. E para permanecer na equipe terá que se esmerar nesse fundamento até as últimas consequências, o que o torna um especialista. Sabedor disto, o que fazem os atacantes contrários? Não é necessário ser um estrategista para responder. Pelo que já vi de treinos de seleções brasileiras, tudo continua no mesmo lugar, e se nos chegam as vitórias, certamente que vamos todos nos ufanar de sermos brasileiros. E a história continua repetindo os mesmos fatos. Não foi por acaso que postei a foto acima para ilustrar o que estamos afirmando. Não se trata de jogo dos sete erros, mas dá para destacar alguma imperfeição, afinal, ninguém é perfeito.    

Detalhes fazem a diferença. Não precisamos nos reportar ao alto nível de qualquer desporto, mas em qualquer tipo de competição em que os oponentes têm formação similar, certamente que a vitória tenderá para os que melhor cuidarem dos detalhes. Em outras palavras, ganha quem erra menos, frase que ouvi em 1963 do nosso saudoso Zoulo Rabello. No alto nível não é diferente, já que todas as equipes e jogadores se conhecem, há múltiplas informações oriundas dos sistemas de espionagem, filmes, CDs. Contribuindo para tal, até o regulamento das inúmeras competições bancadas pela Federação Internacional prevê a participação de um determinado número de atletas (eram 9) que estiveram nas últimas competições patrocinadas por ela.  

Percebe-se também o equilíbrio entre 5-6 seleções mundiais que, dependendo de fatores extra-quadra, algum acidente, uma contusão, ou mesmo, a safra abundante de excelentes atletas num determinado período, constituem-se em vetores dos resultados. Mas estejam certos de que nunca se deu importância aos treinadores das equipes em Formação, muito menos à sua qualificação. Os cursos preconizados pela Fivb para suas filiadas estão estandartizados e repetidos pelo mundo e sua abordagem continua efêmera. Quantas vezes ouviremos treinadores de seleções (refiro-me a qualquer deporto coletivo) no Brasil dizerem que não se tem treinamento na BASE, que é insuficiente, mal efetuado e, quando um atleta alcança o nível mais alto, “não há tempo para corrigi-lo”.  E, ainda, que os aspirantes a treinadores devem “ser do ramo”, em clássica retórica depreciativa. O que acham que deve ser feito? Ou seria melhor ter bastante fé e repetir mais uma vez a plenos pulmões: “DEUS É BRASILEIRO”!          
Jogadores camaroneses comemoram 1ª vitória em Mundial contra a Austrália. Foto: FIVB/Divulgação.

República dos Camarões        

Deixo consignado o meu apreço pela vitória maiúscula da equipe dos Camarões sobre a Austrália. Trata-se da única vitória em jogos desse porte. Parabéns aos camaroneses e que sua alegria espontânea possa contagiar corações que só buscam ouro, bem  entendido.      

Há muitos anos, João Havelange, brasileiro, então o todo poderoso presidente da FIFA, houve por bem incluir no circuito mundial de futebol o continente africano. Foi uma grita geral! Com a realização do último mundial na África do Sul, vimos o alcance de sua visão profética. Agora, vendo a foto ao lado, fico a me perguntar o que ocorrerá daqui para frente nos países africanos. Sinto-me bastante gratificado de também eu estar contribuindo, ainda que com muito pouco, já que tenho visitantes em alguns deles: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Tanzânia. Talvez se derem importância à Formação não incorram nos mesmos erros dos “entendidos”.      

Além disso, vejo um potencial muito grande na raça negra para o voleibol. Certa feita fiquei a imaginar o que seria do voleibol mundial se os negros americanos resolvessem também jogar voleibol! Já pensou nisso?

8 comentários em “Lições do Mundial da Itália – I

  1. Esta série de artigos do Roberto sobre os atletas que jogam preferencialmente com a mão/braço esquerdo é interessantíssima. E vale a pena explorar isso. Sendo assim, publicamos no Sovolei (o único site exclusivamente dedicado ao voleibol em Portugal) um resumo dos artigos do Roberto, que aconselhamos vivamente a leitura.
    Mais uma vez, obrigado Roberto.

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    1. O Luís e o Jorge, responsáveis pelo site português Sovolei, tornaram-se meus amigos. Inicialmente, pela troca de interesses em notícias e comentários sobre o voleibol. Posteriormente, pelo conhecimento do caráter e personalidade de cada um. Tenho a sensação de que já nos conhecemos há muitos anos, tal a empatia que se firmou. Agradeço a Deus ter feito mais amigos através desse trabalho maravilhoso que prestam aos jovens. Se me permitem, sigam nosso exemplo, dêem-se a conhecer nessa maravilhosa caminhada que favorece a educação de nossos filhos e, no meu caso, dos netos. Obrigado a todos pela paciência com este velhinho.

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  2. Olá Tio,
    Não sou conhecedor do vôlei. Dos esportes que vejo é o que menos entendo as nuâncias e regras tácitas (o que acredito mudará com o acompanhamento do Procrie). Achei bem legal o “link” com a partida do Mundial para o meu caso, que pretendo apenas ser um espectador do esporte, mas com alguma compreensão além da passada por narradores e comentaristas que apelam apenas para o “psicológico e momento” da equipe. Aproveito para pedir autorização de copiar o trecho do texto à respeito da vitória e comemoração de Camarões no Mundial lá no Blá blá Gol, uma vez que além de contemplar uma área de atuação de integração do esporte que a FIFA promoveu, ainda tem referência ao Mundial de Futebol fresco na mente de todo mundo.
    Abraços. Victor.

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    1. Victor. Em algumas oportunidades pude assistir jogos de voleibol ao lado de pessoas leigas. Invariavelmente, via-me discorrendo sobre detalhes imperceptíveis aos seus olhos. Tive convite para comentar partidas da Liga pela extinta TV-Educativa e em dado momento, discorri em emissoras de rádio sobre o aproveitamento de um canhoto na equipe e sobre o projeto de Iniciação e Formação que postulo. Como é confortante saber que alguém se instrui e evolui no pensamento através do esporte. Que suas citações venham a promover estímulos maiores aos jovens na busca por atitudes morais e éticas encerradas nas atividades humanas. Você é muito especial!

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    1. O valor de um blogue está exatamente na exposição e debate de ideias e pensamentos. Além disso, aproxima as pessoas e, muitas vezes, torna-as amigas. Este meu sobrinho Victor é incrível. Não é que me desnudou no seu http://www.blablagol.com.br/ por um pequeno comentário sobre a participação de Camarões no Mundial de Voleibol na Itália? Grato estou por consentir que seja seu amigo e admirador.

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