Prática escolar
A partir da década de 40 o Colégio Santo Inácio, no Rio – somente para meninos – deu início timidamente à prática da Educação Física. Um sargento do Exército, com curso de Monitor da EsEFEx, dava uma aula por mês de ginástica, quase sempre de calistenia, para assegurar o cumprimento da lei. Os alunos somente utilizavam o calção quando dessa única aula. As práticas nos demais dias de futebol, basquete, vôlei e ping-pong estavam restritas aos momentos vagos, sem necessidade do uniforme de ginástica. Fora do ambiente escolar os jovens praticavam o futebol e o voleibol, ambos nas praias da Zona Sul. Na foto, a equipe de voleibol do Colégio Andrews na década de 40, destacando-se Gil Carneiro, último à direita.
As Redes de vôlei no Rio
O voleibol começava a exercer sua influência sobre os jovens, especialmente as moças. Dizia-se que voleibol era para “mulherzinha”. Quanto aos meninos e rapazes, quando não estavam em suas peladas de futebol, não resistiam ao fascínio de arriscar alguns movimentos com a bola na rede. Os menores, filhos de praticantes, observavam atentas as partidas e somente nos intervalos dos jogos lhes era permitido “brincar de jogar” com a bola. Era o início de seu despertar para o esporte, pois era sistemático. Durante longos anos a prática do vôlei na praia fez a diferença entre cariocas e seus maiores rivais, paulistas e mineiros. Dizia-se que eram “ratos de praia”, uma referência à malandragem dos praticantes. Como até hoje, existiam os “donos da Rede”, aqueles abnegados que armavam, desarmavam e administravam a atividade. Em Ipanema, na rede do Ipanema Praia Clube, quem mandava era Rinaldo Toselly. Outros famosos, mais tarde, foram o Frazão, no Posto 6 e, posteriormente, a Tia Leha, em Copacabana. Depois que o Seu Thomás morreu, a rede do Posto 6 foi mantida durante anos pelo Frazão, de quem a Tia Leah herdou a rede. Os rapazes que começavam a se destacar no voleibol de praia – sempre jogado seis contra seis – eram invariavelmente convidados a participar de equipes de clubes, um fato que perdurou por gerações. Esses campeonatos tiveram início em 1945-46, destacando-se diversas Redes, onde atuavam vários ases do esporte, como Paulo Azeredo, José Gil, Corrente, Chrisóstomo, Bicudo, Ferraz (Ipanema Beach Clube); Alberto Damázio de Sá (Betinho) e Pirica (Urca P. C.) e Filipone, da Rede Belfort. Todos integrantes da equipe principal do Fluminense F. C., diversas vezes campeão carioca.
Ratos de Praia. No Rio, alguns privilegiados, com horários de trabalho flexíveis ou simplesmente que não trabalhavam (vagabundos), jogavam duplas diariamente muitas vezes com apostas em dinheiro. Eram chamados Ratos de Praia. Metaforicamente, tinham bastante intimidade com o local em que viviam, isto é, em que atuavam. Carlos Candeias nos dá um depoimento bastante elucidativo daqueles bons momentos na coluna do Fernandão, do Jornal do Brasil Online (14.2.2004):
“Fui rato de praia de 1959 até 1967. Jogava na rede de seu Thomás, quase em frente à Joaquim Nabuco, no Posto Seis, frequentada pela Tia Leah, que depois da morte de seu Thomás criou a sua própria rede, armada mais pra perto da Francisco de Sá. Os frequentadores habituais daquela rede eram simplesmente, além da garotada como eu, jogadores do porte de Átila, Arlindo, Parker, Arnaldo, Dudu, Zé Maria, Lúcio Figueiredo, Vitinho, Feitosa, Bomba, Nuzman, Isnaldo, Cabinha (o rei das quadras e duplas), Naga, Careca, John O´Shea, Jorginho Bettencourt e muitos outros. Era um verdadeiro point desse esporte. Os treinadores compareciam em peso: Heckel, Célio Cordeiro, Sami Mehlinsky (para mim o grande treinador do nosso voleibol), Paulo Matta etc. Quase sempre tínhamos a visita do pessoal de Niterói, como Quaresma, Roberto Canhoto (Pimentel) e Borboleta. Nas férias apareciam Belfort, Fabinho e Urbano Brochado, de Minas. Isso sem falar em figuras folclóricas como Evereste, Jojô Piloto e outros. Daquela rede se poderia montar um time imbatível em termos de Brasil”.
Como disse anteriormente. a primeira Rede data de 1937; era a do IPC. O esporte tinha duas vitrines em Nictheroy: a primeira, o próprio clube, berço para o seu desenvolvimento; a segunda, a praia de Icaraí, onde até nossos tempos foi transformada em imenso quintal recreativo. Embora houvesse discussões quanto ao placar, a escolha dos times, os lances dúbios, tudo era encarado da forma mais amistosa possível, sendo raríssimos os casos de desavenças graves. O vôlei era praticado essencialmente por laser e dispensada a arbitragem: os próprios jogadores se policiavam e assinalavam suas próprias faltas. Aliás, a regra era devidamente modificada para que se permitisse um jogo fluido e alegre, com ralis longos: “valia tudo, exceto tocar na rede e xingar a mãe!” O voleibol praticado na praia em Nictheroy restringia-se aos domingos, o que contribuía, não só para um bom preparo físico – jogar na areia fofa é muito estafante – como acrescentava excelente desenvolvimento tático, uma vez que “valia tudo” nas partidas. Para colocar a bola no chão da quadra adversária era preciso, além de tudo, imaginação e criatividade. Esta prática favoreceu e fez diferença durante muitos anos nos confrontos contra paulistas ou mineiros. Em suma, eram quatro treinos por semana – acrescentou-se o sábado a partir do início da década de 60 –, sendo que o preparo físico era dado pela prática na areia. Formava-se uma geração bastante competente que, em disputas contra os melhores atletas do Rio competiam de igual para igual, muitas vezes até em vantagem. Foi o período dos torneios de praia do Jornal dos Sports nas areias de Copacabana. Como os melhores atuavam em times cariocas, principalmente Botafogo, Fluminense, Tijuca e América, não havia bairrismo ou qualquer tipo de rivalidade, muito pelo contrário. Neste período surgiu então a expressão carinhosa “Nitctheroy, celeiro de craques”.


