Retrospectiva
O ambiente no Brasil
Eram três os grandes centros do esporte – Rio, São Paulo e Belo Horizonte – com predominância para o primeiro durante um grande período. Já se dizia à época das vantagens que o carioca possuía por praticar o vôlei também na praia. Isto lhe acrescentava malícia e certa maneira alegre de jogar e de ser. Os atletas pertenciam a uma camada da população de classe média alta, quase todos estudantes universitários e já trabalhando em grandes instituições. No Rio de Janeiro, os treinos e jogos eram realizados somente às terças e quintas-feiras, a partir das 20h, dias tradicionais reservados ao vôlei. Havia uma abundância de clubes e atletas: chegou-se a 14 clubes disputando a 1ª divisão, além dos torneios nas praias. Até o final da década de 50, jogadores mais velhos (ou novatos) disputavam um torneio paralelo – a 2ª divisão – preliminar da categoria principal. Mais tarde (1968) cederam lugar à categoria de aspirantes, atletas recém-saídos dos juvenis. Os torneios infantis foram disputados pela primeira vez no Rio em 1963 por influência do trabalho de Bené no Fluminense. Em suma, jogava-se voleibol por diletantismo, com graça e alegria.
Nível técnico – para Sami, que vivenciou várias gerações, “o nível técnico dos atletas daquela época era superior aos de hoje. Havia mais variações e jogadas inteligentes, criativas. Não havia a figura do preparador físico, até mesmo na seleção”. Somente em 1956, pela primeira vez uma seleção se concentrou: a masculina na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e a feminina em Volta Redonda, ambas no Estado do Rio –, é que surgiu a figura inusitada para a época e, assim mesmo, por obra das circunstâncias, do preparador físico. Tratava-se de um oficial que lá servia (tenente Malta) que, após alguns dias observando os treinos, traçou um programa para os atletas. Aliás, Gil não foi dispensado das sessões físicas, mesmo alegando uma distensão muscular, o que o obrigou a sucessivos deslocamentos ao Rio para tratamento.
Na década de 50 o voleibol nacional ressentia-se de intercâmbio com as diversas escolas que já se formavam na Europa, com destaque para a Tchecoslováquia, URSS, Romênia e Bulgária. A TV estava entrando no Brasil (1951), mas com restritos recursos. As novidades técnicas só eram conhecidas pela própria delegação brasileira presente nos jogos internacionais e, posteriormente, pouco repassadas aos interessados, no país. E assim foi até a entrada da televisão no vôlei na década de 80. Até então os jogos internacionais limitaram-se aos Sul-Americanos (51, no Rio e 56, em Montevidéu) e ao Pan-Americanos de 55 no México. Aliás, o Brasil sofreu sua única derrota no Mundial para os chineses, exatamente pela surpresa de suas variações de ataque com fintas e bolas rápidas. Ney Bianchi, que realizou a cobertura para o Jornal dos Sports, assinalava: “Aqui só se poderá fazer isso quando o novo critério permitido (arbitragem) entrar em vigor. E, então, já se fará tarde, porquanto o europeu joga assim há cerca de oito anos e nos Jogos Pan-Americanos os mexicanos já tentavam com algum êxito essa chave (jogada)”.
Convocação dos Scratchmen[1] – “A primeira relação dos atletas convocados para os treinos do scratch que comparecerá ao Sul-Americano de Montevidéu servirá de base para o que irá disputar o Mundial de Paris. Assinale-se que outros nomes deverão ser incluídos nos próximos dias, inclusive de atletas metropolitanos, além dos estaduais cujos nomes deverão ser indicados pelas respectivas entidades, podendo chegar a 25 nomes oficiais”.
Seleção masculina – Os convocados
Fluminense (Parker, Átila, Gil e Gilberto); Botafogo (Murilo); América (Márcio); Flamengo (Lúcio, Aloma e Hélio); Sírio e Libanês (José Carlos e Cancinho); Vila Isabel (Alexandre, Sérgio, Waldenir (Borboleta), Jorginho e Maurício). Assinale-se ainda que todos os elementos militantes que intervieram no último brasileiro (São Paulo) foram convocados inicialmente, uma vez que o técnico já os conhecia. Na relação acima, os novatos são, portanto, Cancinho e Alexandre. Também podem ser acrescentados na relação os primeiros nomes estaduais. Sami, técnico da A. A. Vila Isabel, indicou João Carlos da Costa Quaresma, vinculado ao Clube Atlético Entre Rios – CAER, de Três Rios (RJ), afirmando ser ele uma das mais gratas promessas para o selecionado nacional. De Pernambuco, Capote e Giovani; e de Minas Gerais, Nelson, Fernando Pavan e Urbano.
“O primeiro treino seria realizado em 13 de setembro. (…) Os homens na quadra da A. A. Vila Isabel (…) Todos os jogadores oficialmente convocados deverão comparecer. Os atletas estaduais ficariam hospedados na Escola de Cadetes do Ar, no Campo dos Afonsos – estando na dependência do assentimento do comandante da referida unidade. Lá também deverão ser realizados os exercícios definitivos da seleção”. Como veremos mais adiante, os treinos foram transferidos para a AMAN.
Seleção feminina – As convocadas
Para dirigir a seleção feminina foi indicado o técnico do Flamengo, Hélio Cerqueira, o Corrente. Entretanto, o técnico Adolfo Guilherme, de Minas, foi convidado a encaminhar a lista das atletas que pretendia formar o selecionado brasileiro. A relação das atletas indicadas por ele era: Minas Gerais (Lia, Carminha, Marta, Zezé, Juraci, Silvinha, Oraida, Celma e Zilah); Distrito Federal (Maria Lilian, Norma, Marina, Neucy, Sônia, Celma e Marly); São Paulo (Joana, Coca e Vera).
Na prática, as listas apresentadas pelos três técnicos – Sami, Adolfo e Corrente – pelo visto de nada valeram. Houve atletas que constavam de todas as listas (Neucy) e não foram convocados. Houve outros que não sonhavam com sua indicação (Sérgio e Oscar) e estavam entre os selecionados. Parece que malgrado o esforço de alguns houve descontentamentos. Contudo, mais adiante, procedeu-se a outros acertos. Considere-se ainda a injustiça com Zoulo Rabello em não ser convidado para técnico da seleção logo após sua consagração no campeonato carioca, sendo campeão pelo Fluminense. Zoulo levou sua equipe a derrotar o Flamengo, do técnico Corrente, nas quatro oportunidades de confronto. E, no que tange às convocações, enquanto o Flamengo forneceu cinco jogadoras para o selecionado, o Fluminense (campeão), teve indicada apenas Marly e Lilian. Finalmente, o técnico do feminino para o mundial foi Hélio Cerqueira, o Corrente.
[1] Termo de origem inglesa muito em voga; foi aportuguesado para “escrete” e muito difundido nas décadas de 40 a 60 por Benedito Silva, o Bené.
