Exercícios (I) – Dosagem e Exigência

Exercício e Dosagem

No processo educativo da criança, o mestre faz uso da repetição de determinados atos, transformando-os em hábitos e conferindo a eles propriedades características de movimento automático. Todavia, há que se entender que o exercício não é uma simples memória, mas uma de suas modalidades, e que cria uma predisposição para melhor realização. As dosagens de exercícios empregadas podem ser observadas pela produtividade do trabalho que, via de regra, é crescente. Manipulado, ele atenua ou acelera todas as modalidades de trabalho. A qualidade e a continuidade do exercício constituem o meio principal para tornar infalível a atividade do sistema nervoso. Por isso, nunca deixe de observar um novo hábito enquanto ele não se consolidar em você. Cada violação é comparada à queda do novelo, isto é, um recomeço. (D. Wood)

Aulas práticas na praia 

Considero importante que o professor administre e regule a dosagem e exigências para cada indivíduo. Realizei este trabalho nos treinamentos com um grupo de seis atletas na praia. Sempre que apresentava um novo exercício, além dessa percepção de realização individual, acrescentava o que me pareceu algo inédito para os padrões nacionais: a correção imediata e tempestiva do gesto, sem perder de vista a ação global. Assim, retornávamos imediatamente à nova execução do ensaio completo – repetição correta – mantendo o pensamento do atleta nos gestos, desde o deslocamento inicial ao toque final na bola. A consecução da tarefa viria quase que espontaneamente, como aconteceu. Lembro que os lançamentos eram dosados de acordo com o nível do atleta; entretanto, a execução deveria ser global, isto é, salto, seguido de deslocamento e toque correto na bola (que deveria retornar à quadra) com uma ou outra mão, dependendo do sentido dos lançamentos.

Nível de exigência. Esta atitude do professor, que podemos denominar nível de exigência (ou de tolerância), nada tem a ver com aspectos disciplinares, mas, ao contrário, calcada em conhecimento prático e científico. O atleta deve internalizar em sua memória o movimento completo. Por outro lado, imagine o treinador que permite e aplaude atuações não condizentes com o nível técnico desejado. Para todos os efeitos, trata-se de complacência e, talvez, insegurança no trato com atletas, especialmente os de ponta. Presenciei vários casos no Rio de Janeiro até com atletas medalhistas olímpicos de ouro.

Cuidados no aquecimento. Costumo colocar que “aquecimento é treino”. Tal como qualquer outro movimento em voleibol, o bate-bola que antecede algum jogo constitui-se em aquisição de hábitos. Se se permite a proliferação de maus hábitos há a ocorrência da queda do novelo, isto é, recomeçar todo o trabalho já realizado. Cito como exemplo as simples batidas de bola dois a dois, cada atleta próximo à linha lateral da quadra. Se verificarmos a posição das suas pernas concluiremos que há um retrocesso para hábitos sadios de situações de defesa durante a partida.

Exercícios-chave, educativos, transferência (transfert)

Ensina-nos Jean Le Boulch ao nos aconselhar o abandono das tentativas inúteis de procurar exercícios-chave com alto poder de transferência. Suas observações tenderam a mostrar que a aprendizagem adquirida relativamente a uma parte da situação não o é relativamente a esta mesma parte inserida num todo novo. Em outras palavras, “as partes reais do estímulo objetivo não são necessariamente partes reais da situação vivida pelo indivíduo”. A consequência desta opção na aprendizagem é imediata e pode ser traduzido por aquilo que expressou M. RYAN (EUA), treinador de atletismo por ocasião de um congresso mundial após uma pergunta que lhe solicitava exercícios próprios para facilitar a aprendizagem do salto com vara: “Apenas o salto com vara prepara para o salto com vara e qualquer exercício que se lhe avizinhe, quanto mais próximo, tanto mais prejudica a aprendizagem”. Esta é uma concepção a que nos associamos de bom grado, mas repõe em discussão a utilização dos chamados exercícios educativos que ainda precedem a aprendizagem de um gesto técnico complexo nas progressões de muitos instrutores.

Marketing  japonês. Quando do seu apogeu no voleibol (1964-75), os japoneses exportaram tecnologia para o mundo graças ao seu jogo rápido e fintado. Foi um sucesso de marketing. Muitas de suas equipes e seleções percorreram diversos países mostrando o porquê do seu sucesso. E com isso, tornou transparente um natural processo de assimilação. Em 1975, ainda no primeiro ano da presidência da CBV, Carlos Nuzman trouxe ao Brasil o japonês Yasutaka Matsudaira, principal responsável por este boom no voleibol. Realizou breve curso na EsEFEx, Rio de Janeiro. Nesta oportunidade, exibiu uma película de 20min de duração mostrando a história do sucesso de seu empreendimento. Particularmente, sempre tive pleno acesso a este filme e, se não me engano, somente eu. Até ao ponto de mandar fazer uma telecinagem – passagem para vídeo – a fim de tornar prática a sua exibição frequente em meus cursos ou palestras. Certa vez, em 1981, em pleno ginásio da AABB-Niterói, após uma partida amistosa entre as equipes principais masculinas do América e do Flamengo. Durante a exibição do filme, além de narrar, explicava aos atletas de ambas as equipes como os japoneses chegaram àquele nível de eficiência. Ainda em Niterói, duas outras palestras, num educandário, fazendo parte de uma aula de educação física, e após o treino da equipe juvenil do Clube Canto do Rio. Todavia até hoje não sei como professores e técnicos que participaram do curso ou viram o filme entenderam a sua mensagem. Durante muito tempo preocupei-me com o que poderia transformar-se em mais uma “receita” a ser copiada. Aliás, foi! Atabalhoadamente e, felizmente, por um ou outro treinador. A incorporação da técnica criada pelos japoneses só se concretizou realmente no Brasil a partir da profissionalização dos atletas de voleibol, em 1981-82.

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